UMA VERGONHOSA TRAGÉDIA.
QUANDO, há mais de quarenta anos, minha mãe se deparou com a poliomielite que me fizera vítima, não sabia o que fazer, não sabia, sequer, a doença que me atingira. Ela, mulher humilde, sem instrução, habitando um povoado sem estradas – fazendo tudo mais distante –, não tinha como saber que existia uma vacina a ser aplicada nas crianças para que elas não ficassem aleijadas. Na fase aguda do ataque viral o atendimento era a cargo de chás, orações e benzedeiras. Só bem depois, quando os efeitos do ataque viral arrefeceu, puderam, em lombo de burro e em caminhões, levar-me a Teresina.
Pois bem, isso são águas que teimam em não passar. Quase meio século depois, não faz muito, vi um pai de família peregrinando pelos postos de saúde de uma capital brasileira na tentativa de conseguir vacinar o filho. Nas três tentativas que fez a resposta foi negativa. Não conseguiu a vacina e consequentemente a imunização do filho.
O Brasil é um país extraordinariamente rico (se não fosse já teria quebrado há muito tempo), entretanto, desde muito é administrado por políticos incapazes, ineptos e corruptos (com as cada vez mais raras exceções), por isso não avança em área nenhuma.
Vejamos o caso da infraestrutura. Quantas vezes não são feitas as mesmas rodovias? Fazem num ano, no outro ou dois anos depois tem que ser refeita. Isso, apesar de termos as obras estruturais entre as mais caras do mundo. Apesar disso as obras são mal feitas, não possuem durabilidade. O dinheiro some no meio do caminho, ninguém paga por isso.
Se a infraestrutura nos causa, sobretudo prejuízos materiais – vamos aqui abstrair as milhares de pessoas que morrem vítimas de acidentes de trânsito –, o mesmo não se pode dizer quando o assunto é a saúde pública. Nesta área o assunto é, literalmente, caso de vida ou de morte.
A Constituição Federal determina em seu artigo 196 que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doenças e de outros agravos e o acesso universal e igualitária às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Letra morta?
Provável que não. Embora não se possa dizer que os recursos sejam suficientes, os orçamentos da União, dos estados e dos municípios reservam parte significativas dos recursos para investimentos em prevenção e no tratamento das enfermidades. Se os recursos fossem investidos como previsto, se chegasse à ponta do sistema, seja em prevenção, seja em tratamento, certamente o quadro não seria tão desolador.
O Sistema Único de Saúde — SUS do Brasil é, ao menos do ponto de vista legal e estrutural um dos mais avançados do mundo. Serviria de modelo se não fossem as mazelas e percalços enfrentado na sua execução.
Não estamos dizendo com isso que se a execução fosse perfeita não teríamos problemas. Claro que teríamos. Ofertar saúde a uma nação de dimensões continental com tantas complexidades e diferenças não é tarefa fácil. Os problemas subsistiriam, mas, certamente, não seria a tragédia que assistimos diariamente em todo o país.
Assistimos, estarrecidos, a um deprimente espetáculo pós-apocalítico, com os cidadão batendo nas portas dos hospitais e sendo mandados para casa ou para procurar outra unidade (que ele nunca acha); com residentes de medicina decidindo os que morrerão e os que terão mais uma chance de sobrevida; com os enfermos amontoados em infectos corredores recebendo como tratamento a indiferença; com cirurgias essenciais sendo desmarcadas por falta de insumos básicos – básicos mesmo, do tipo, gaze, soro, etc.; ou, com médicos mais sensíveis, oferecendo às famílias a oportunidade de comprar os materiais, por fora, para que possam realizar os procedimentos.
Chegamos ao ponto, como narrado anteriormente, de não conseguirmos ofertar as vacinas necessárias à imunização das nossas crianças, ou de ofertar vacinas que, por alguma razão não as proteje por completo. Muitos pais que conheço não vacinam seus filhos nas unidades de saúde do Estado, preferem gastar seu dinheiro para vaciná-las em unidades privadas.
Isso acontece em um país cujo os cidadãos trabalham quase seis meses ao ano só para para pagar impostos. E ainda acham pouco. E ainda querem mais.
O Brasil está à beira de tragédia humanitária de proporções inimagináveis com a disseminação das enfermidades transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti. O país não é responsável pelo surgimento do mosquito, claro, mas a partir dele, doenças que se pensava erradicadas ressurgem mais fortes (o próprio mosquito está mais resistente) e são disseminadas pelo mundo. Se antes à picada do mosquito era causadora unicamente do dengue, hoje, o mesmo mosquito é responsável pela febre Chikungunya; pelo Zika Vírus, a quem se atribui a forte incidência de microcefalia em crianças; e, à Síndrome de Guillain-barré, que ataca o sistema nervoso central, causando paralisia e até a morte.
O mundo está em pânico com essas doenças a ponto da Organização Mundial da Saúde — OMS, decretar emergência médica mundial; de órgãos da ONU e médico recomendar as mulheres que não engravidem e de alguns recomendarem que se abra exceções na legislação dos países para permitirem o aborto de crianças com microcefalia.
Diversas nações do mundo já recomendam que seus cidadãos não viajem para o Brasil e alguns políticos já falam colocar em quarentena pessoas oriundas do Brasil e de outros países com incidência destas doenças. Outras fontes falam que já consultaram Londres sobre a possiblidade de se levar os Jogos Olímpicos de 2016, previstos para o segundo semestre, no Rio de Janeiro para lá. Caso isso ocorra será o atestado mundial da nossa incompetência, uma pá de cal no orgulho nacional.
Em tempos pretéritos – quando, por receio do antraz – nos EUA, se exigia que cidadãos oriundos do Brasil tirassem os sapatos para que fossem desinfetados, os hoje governistas não poupavam de críticas os governantes. Agora, estamos na eminência dos cidadãos serem colocados em quarentena ou, como se fazia em tempos mais remotos, termos os aviões oriundos do país, colocados numa zona de controle sanitário para serem desinfetados, assim como como todos os passageiros e tripulantes.
Acho bom repetir: o Brasil não é responsável pelo mosquito. Mas não resta dúvida que tem neglicenciado a saúde pública a níveis inimagináveis.
A prova mais clara disso é forma como os gestores da pastas ligadas à área são nomeados: como instrumento de barganha política; como quinhão de partidos que se preocupam mais em locupletar-se dos recursos que fazer uma boa gestão. A negligência com a saúde pública, os desvios dos recursos, são sentidos agora, diante desta emergência – que se não podia ser evitada –, certamente, poderia ser minorada.
A verdade é cristalina: o nosso país não fez – e não tem feito – o \«dever de casa” para prevenir surtos de doenças como o que assistimos agora. Enfrentamos o Aedes Aegypti há quase cem anos e não o colocamos sob controle. Pelo contrário, apenas agora, quando a situação parece haver fugido do controle, fingem querer combater, fazendo isso de forma atabalhoada e ineficaz.
Embora tudo pareça assustadoramente trágico, nada me parece mais doloroso que a situação dos, já milhares de bebês, vitimados pela microcefalia. Estes, em maior ou menor grau, jamais terão um desenvolvimento intelectual pleno, e, embora amados, exigirão dos pais um cuidado redobrado pelo resto de suas vidas.
O governantes, talvez, não façam ideia do que isso significa, por isso, pensam que resolvem – e são generosos – ao oferecerem um beneficio de uma salário mínimo mensal às famílias cujo filho foi vitimado pela doença. Como se isso fosse suficiente para amenizar-lhes o sofrimento. Não serem vergonha nem remorso pelo sofrimento que causaram – e causam – e pelo vexame a que submete milhões de brasileiros.
Abdon Marinho é advogado.