AbdonMarinho - DEMOCRACIA, HIPOCRISIA E CONTRADIÇÕES.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DEMOC­RA­CIA, HIPOCRISIA E CONTRADIÇÕES.

DEMOC­RA­CIA, HIPOCRISIA E CONTRADIÇÕES.

FUI EDU­CADO de forma bem sim­ples. Desde cedo aprendi que o que é errado é da conta de «todo mundo». Minha primeira casa – num povoado chamado Cen­tro Novo, dis­trito de Gonçalves Dias –, era de «chão batido» com pare­des de barro socado, mas como dizem, limp­inha. Aprendi desde cri­ança a não cus­pir no chão, ainda numa casa de chão batido. Nas casa de minha família e tan­tas out­ras da minha infân­cia, exis­tia um caixote de madeira com areia onde podíamos cus­pir, ou ainda escar­radeira. Lem­bro da minha avó, já ida nos anos, cus­pindo numa delas.

Assim, se não cog­itá­va­mos cus­pir no chão, inimag­inável cus­pir na cara de quem quer que fosse, muito menos, fazer isso como argu­men­tação política.

Cus­pir em alguém faz crê, ao menos para mim, que já não se tem mais qual­quer argu­mento válido a dis­cu­tir. O abjeto hábito de cus­pir alguém não serve, sequer, como des­culpa a repelir uma agressão.

Em 1992 a pop­u­lação brasileira, como faze­mos nos dias de hoje, fomos às ruas pedir o impeach­ment do ex-​presidente Col­lor de Melo.

Ele foi o primeiro pres­i­dente eleito após 21 anos de ditadura e pouco mais de um ano da pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição Fed­eral, 1988. A democ­ra­cia engatinhava.

Se escruti­n­ar­mos os fatos imputa­dos ao ex-​presidente cas­sado, em com­para­ção com os que são atribuí­dos ao atual gov­erno, aque­les pare­cem coisas de cri­ança travessa.

Não lem­bro de ninguém – talvez ape­nas o próprio –, dizendo que se tratava de um golpe con­tra a democ­ra­cia. Não lem­bro de ninguém dizendo tratar-​se de risco à nossa jovem democ­ra­cia, um risco que pode­ria levar o país de volta aos anos obscuros da ditadura.

Naquela opor­tu­nidade, os poucos que votaram a favor do ex-​presidente, dizendo não haver motivos para o imped­i­mento, não rece­beram pla­cas ou foram sauda­dos como heróis do povo brasileiro, muito pelo contrário.

Como disse, gosto de con­ceitos sim­ples. Então, como nossa democ­ra­cia recém-​nascida, depois de duas décadas de ditadura, resis­tiu, como não resi­s­tirá agora, com insti­tu­ições bem mais sólidas?

Uma outra per­gunta que se impõe é: o nosso país mel­horou ou piorou com afas­ta­mento de Col­lor de Melo?

Mais. Se o impeach­ment no pres­i­den­cial­ismo é um golpe, por que nunca pedi­ram des­cul­pas a Col­lor? Por que nunca fiz­eram uma autocrítica por ter pedido o seu imped­i­mento e o imped­i­mento de todos os demais pres­i­dentes, de Sar­ney a FHC?

Dizem que a comu­nidade inter­na­cional deixará o país diante da insta­bil­i­dade oca­sion­ada pelo impeach­ment. Ora, se é assim, por que não fez isso quando, há mais de vinte anos, tiramos um presidente?

Vejam, antes dizia que a sen­hora Dilma Rouss­eff tinha per­dido as condições políti­cas e admin­is­tra­ti­vas para gerir o país. A estas, acho, deve­mos acres­cen­tar as condições morais e éti­cas. Não recordo de lugar nen­hum do mundo, onde um man­datário pediu sanções inter­na­cionais con­tra seu próprio país, como fez a sen­hora pres­i­dente, recen­te­mente, em Nova York, ao dizer que noti­fi­caria os órgãos mul­ti­lat­erais Mer­co­sul e Una­sul, caso o processo de impeach­ment prossiga.

Não sat­is­feita, foi além, pas­sou um «pito» público nos min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral, tão somente pelo fato de terem dito que o processo de impeach­ment tem obe­de­cido ao rito pro­posto na Carta Con­sti­tu­cional e na leg­is­lação correlata.

A ati­tude de sua excelên­cia se aprox­i­mou muito de aten­tar con­tra a existên­cia da UNIÃO e foi, sem dúvida, uma clara intro­mis­são na autono­mia dos out­ros poderes. Ambos, crimes de respon­s­abil­i­dade de que trata a CF, em seu artigo 85.

Os que propagam a tese con­tra o impeach­ment dizem que estão fazendo isso como uma defesa da democracia.

Acho muito inter­es­sante que digam isso. Acho inter­es­sante porque as pes­soas que dizem estarem defend­endo a democ­ra­cia são as mes­mas que, sem mudar de camisa, enver­gando a mesma camisa ver­melha, defen­dem com unhas e dentes, a quase ditadura venezue­lana, de Nicolás Maduro e a ditadura cubana, dos irmãos Cas­tro ou a norte-​coreana, de Kim Jong-​Un.

Com relação a esta última, um dos par­tidos que dizem defender a democ­ra­cia, o Par­tido Comu­nista do Brasil – PC do B, não faz muito tempo, emi­tiu uma moção de apoio.

Será que acham que a Venezuela, Cuba ou a Cor­eia do Norte, ape­nas para ficar nestes exem­p­los, são democ­ra­cias avançadas?

Nos dias de hoje, a ditadura norte-​coreana é uma das maiores ameaças à paz mundial. Dia sim, dia não, seu menino-​ditador, a quem os nos­sos valentes defen­sores da «democ­ra­cia» ren­dem hom­e­na­gens, faz testes nucleares, ameaça os países viz­in­hos, mas­sacra seu povo e con­dena seus opos­i­tores as penas mais hor­rip­i­lantes, exten­si­vas aos mem­bros de suas famílias.

Alguém con­hece cas­tigo mais cruel que uma pena pas­sar da pes­soa do con­de­nado? Atin­gir, mul­heres, irmãos, fil­hos, pais, adul­tos, jovens, idosos e crianças?

Como disse, gosto de con­ceitos simples.

Assim, quando defendo a democ­ra­cia, o faço como con­ceito uni­ver­sal, algo que valha para todos os seres humanos. Não con­sigo ver sen­tido em dizer que defen­dem a democ­ra­cia aqui, e con­frat­er­nizar e apoiar regimes total­itários ao redor do mundo, que mas­sacra por questão de gênero, que mata dev­ido à situ­ação sex­ual das pes­soas, que oprime opos­i­tores, que pren­dem pes­soas que nada fiz­eram, etc.

Assim como defendo a democ­ra­cia como um valor uni­ver­sal, repu­dio com todas as min­has forças a tortura.

Não tenho respeito por nen­hum tor­tu­rador ou por quem os defende. Reputo a tor­tura como a mais abjeta das práti­cas. Mas faço isso em relação à todos. Tanto aos tor­tu­radores da ditadura brasileira quanto aos demais ao redor do mundo, sejam eles de dire­ita ou esquerda, para mim sem­pre serão ani­mais, sub-​humanos.

Entendo não fazer sen­tido alguém se mostrar indig­nado com os tor­tu­radores brasileiros, recon­heci­dos pela justiça como tais, e man­ter obse­quioso silên­cio em relação a out­ros tor­tu­radores tam­bém recon­heci­dos como tais.

Existe algo mais estúpido que protes­tar con­tra a tor­tura vestido numa camisa com a estampa de Gue­vara ou dos irmãos Castro?

Achar nor­mal o encar­ce­ra­mento por crime de opinião ou que se leve opos­i­tores ao paredão de fuzil­a­mento tem a mesma bes­tial­i­dade que dedicar um voto a um torturador.

Quem assim age, ao menos para mim, não são democ­ratas, são ape­nas hipócritas ou ignorantes.

Abdon Mar­inho é advogado.