ILHA DE ESCOMBROS.
ALGUÉM, por mais otimista que seja, consegue enxergar um bom futuro para a Ilha de São Luís? Não consigo. Por onde passo, o que sinto é a sensação de abandono da ilha. Não me refiro apenas ao abandono físico materializado pela má conservação das suas vias, a sujeira em todos os cantos ou o desinteresse das autoridades em cuidar com carinho da mesma. Há, sobretudo, por parte das autoridades, um certo conformismo, como se já tivessem jogado a toalha antes de tentar, como se dissessem isso não é comigo, ou não posso fazer nada.
Os exemplos estão em todos os lugares e cada vez mais graves.
Quem anda pela ilha – como é o meu caso – vê surgir, sem que as autoridades oponham qualquer embaraço, as famosas invasões. A ilha está coalhada delas. Seja na periferia, seja em áreas urbanizadas, seja em áreas tidas por nobres, lá surge uma invasão de terra, privada ou pública, sem que autoridades municipais ou estadual, oponha qualquer obstáculo. E, se não há um obstáculo, mesmo mínimo, uma dúzia de casas viram milhares da noite para dia. Quase todo mês ou, às vezes, toda semana vejo surgir um destes conglomerados urbanos. Muitas das vezes às vistas das autoridades que fingem não ver, não sabem o que fazer ou lhes é conveniente silenciar.
Quantas vezes não alertei para as construções irregulares na Avenida Carlos Cunha, nas proximidades da Ilhinha? Começaram com casinhas papelão e viraram sobrados sobre o mangue, com as ondas a lamberem as paredes.
Agora começam a surgir outras invasões no São Francisco, na subida da Avenida das Paparaúbas, ao lado do Condomínio da Vale (esta bem na cara do Ministério Público Estadual) e por aí vai, não tem fim.
Ao longo das MA’s e outras vias de grande acesso é mais o que se ver.
Não tem dois anos fizeram uma invasão às margens da MA 204, em frente à entrada da sede do Paço do Lumiar. Não demorou muito consolidaram o esbulho, logo depois a CEMAR chegou com os postes da rede de luz e está lá mais um aglomerado a exigir diversos serviços públicos. Ah, apenas para registro, os poucos que talvez precisassem realmente de moradias estão lá para dentro. Os melhores terrenos, às margens da rodovia, estão vistosamente cercados com muros altos prontos para servir à especulação imobiliária de alguns espertalhões.
É assim com quase todas essas invasões uns poucos, que precisam de moradias, servem de «bucha de canhão», os interessados no lucro fácil do mercado imobiliário informal. O problema do caos urbano fica para o poder público, para nós, idiotas pagadores de impostos, e os lucros para os sabidos.
Será que as autoridades não sabem disso? Custaria aos governos possuirem um cadastro de pessoas que efetivamente precisam de moradia? Sim, porque muitos que se aventuram nas invasões possuem casas e estão lá pelo lucro fácil. Mesmo aqueles que bradam que não tem para onde ir eram de algum lugar.
Na verdade as autoridades sabem disso, mas preferem o discurso irresponsável de que estão «ajudando» os desvalidos que não tem casa.
Mas não é só. As próprias construções «regulares» nos moldes do «Minha Casa, Minha Vida», não passa de um modelo equivocado de destruir o pouco que resta de natureza na ilha, sem contar os impactos na segurança pública.
Qual tem sido a prática? Construir milhares de casas na área rural da ilha, levando quase sempre, junto com as pessoas de bem, uma série de delinquentes, que em face da ausência ou distância do Estado, «metem o bicho», se tornam senhores do pedaço, dominando o tráfico, praticando extorsão e outros crimes do cardápio.
Isso sem falar no grave impacto ambiental, não só decorrente das supressões vegetais, mas também da matança das nascentes e do lançamento «in natura» dos esgotos nos rios e cursos d’água. Mesmo a reserva do Batatã, foi tomada por construções irregulares no seu entorno e “morreu”, virou uma simples bacia que recebe água das chuvas.
Hoje a Ilha de São Luís não conta com nenhuma reserva de água, depende, quase que exclusivamente, do Sistema Italuís e poços artesianos que, não se sabe por quanto tempo darão conta do recado. Os rios morreram todos, viraram esgoto a céu aberto. Só no meu caminho diário vejo a situação de pelo menos três: O Rio São João, o Cururuca, o Paciência. Todos vítimas do modelo desordenado de ocupação do solo, da leniência das autoridades.
Enquanto as autoridades não demonstram preocupação com a destruição da ilha para ceder lugar à residências, regulares ou não, permite a morte anunciada do maior patrimônio da ilha: o Centro Histórico de São Luís.
Até hoje não consegui entender os motivos que levaram as autoridades a não prosseguir com o «Projeto Reviver”, iniciado pelo ex-governador Epitácio Cafeteira, há mais de trinta anos.
Os prédios do centro estão ruindo ou sendo demolidos dando lugar a estacionamentos. Só sobram, com alguma sorte, as fachadas com uns portões horríveis, por onde entram os veículos. Outros, abandonados, servem de abrigo aos usuários de drogas, enquanto seus azulejos e pedraria são furtadas à luz do dia. Dos crimes diários praticados contra os prédios históricos não escapou nem o prédio onde funcionou o SIOGE, atrás do Mercado Central, um prédio público de beleza singular que poderia ser transformado em bons apartamentos.
A realidade do centro é de fazer chorar qualquer ser humano com um mínimo de sentimento por esta cidade. Sabedor de tudo isso, não duvidei da notícia falsa de que a UNESCO retirara o título de Patrimônio da Humanidade. Quem duvidaria se a centro está mais para ruínas da humanidade do que patrimônio?
Vejo autoridades se orgulharem porque conseguiram milhões e milhões para moradias entretanto, não conseguem captar recursos para o óbvio: recuperar o Centro Histórico transformando seus prédios – pela compra, pela desapropriação –, em apartamentos a serem financiados para população.
Não sei, talvez a solução seja tão óbvia que não consigam enxergar, preferem deixar os prédios virarem ruínas, inseguras e desabitadas, enquanto financiam moradias no meio do resta de florestas nativas e nascentes na zona rural, lá onde Judas perdeu as botas, quanto mais distante melhor. Assim nascem os Nova Terra, Ribeira, Turiuba e tantos outros a disseminar o caos urbano, a destruição do meio ambiente, a poluição, a violência, a necessidade de investimentos em transporte, segurança, malha viária e tudo mais. Isso sem conta com o impacto social que causam na vida das comunidades nativas.
Encerro dizendo que certamente não precisaremos que a serpente desperte do sono profundo para destruir a ilha – conforme reza a lenda –, as autoridades já estão fazendo um excelente trabalho.
Abdon Marinho é advogado.