O FIM DE UMA FARSA.
QUANDO me indagavam quais momentos da história política recente brasileira mais me emocionaram respondia respeitando a ordem cronológica:
A eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Ainda criança acompanhei a campanha pelas diretas, testemunhei o sentimento de frustração pela rejeição da emenda Dante de Oliveira, pelo Congresso Nacional. A eleição de Tancredo Neves, logo naquele início de 1985, foi uma espécie de compensação pela frustração experimentada no ano anterior. O primeiro presidente civil depois do Régime Militar iniciado em 1964. Era/foi algo mágico. Acompanhando voto a voto, não foi possível conter a emoção durante a proclamação do resultado e, logo depois, durante seu primeiro discurso.
Um segundo momento emblemático foi aquele compreendido entre a madrugada de 15 de março e o 21 de abril de 1985, a doença, a agonia e morte de Tancredo Neves. As esperanças se arrefeceram, iríamos para um governo de José Sarney, líder civil do régime dos generais-presidentes.
Um terceiro momento de rara emoção foi a promulgação da Constituição de 1988. Já naquela tarde de 5 de outubro sabíamos que não tínhamos a Constituição perfeita e, sim, a que era possível diante da conjuntura que vivia o país. O próprio Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, disse isso no seu discurso. Ainda assim, para nós, cidadãos, aquele momento tinha um significado especial. Era o fim de um ciclo. Imaginávamos que um novo país iria surgir a partir daquele dia.
Outro momento singular e, também, emocionante desta breve lista, foi o impeachment do presidente Collor de Melo, a votação pelo recebimento da denúncia foi o primeiro e mais grave teste da nossa jovem democracia, e passamos com louvor.
O quinto momento é justamente aquele que é a razão deste texto: a posse de Lula em 1º de janeiro de 2003.
Os cidadãos brasileiros que acompanhamos a breve história do país – da eleição de Tancredo à posse de Lula, tendo ou não votado nele –, não pode ficar indiferente ao momento histórico que vivíamos. Era, na história do país, a primeira vez que um trabalhador, pobre, sem formação acadêmica, um autêntico «do povo», chegava ao cargo mais alto do país.
A posse de Lula era a materialização de que o Brasil tornara-se uma democracia plena, onde qualquer do povo, poderia chegar, dependendo do seu esforço próprio, onde quisesse. O próprio Lula realçava tal feito ao dizer que o diploma de presidente era o segundo diploma, o primeiro fora o de torneiro mecânico, obtido junto ao SENAI.
Os eleitores de Lula, derrotados nos três últimos pleitos presidenciais (89, 94, 98), sentíamos a agradável sensação do dever cumprido. Lá estava o primeiro operário fazendo o seu discurso de posse e acenando com um novo Brasil muito diferente de tudo que havíamos vivido, sem corrupção, sem patrimonialismo, onde a lei valesse igualmente para todos, onde o cidadão tivesse a certeza que não estava havendo nenhum tipo de desvios.
Era uma farsa. Nós, cidadãos, gastamos lágrimas e emoção à toa. O líder trabalhista, talvez, nunca tenha ido além de um pelego a serviço da elite dominante, um boy de luxo dos grandes empresários, um bon vivant, como o teria descrito o general Golbery do Couto e Silva, conforme palavras do amigo de «infância» de Lula, Emilio Odebrecht.
Numa entrevista concedida nos últimos dias, na esteira da divulgação do conteúdo da colaboração da empresa Odebrecht – lembrando que esta é apenas uma dentre tantas empreiteiras, grupos econômicos que ainda podem colaborar –, o ex-presidente Lula se disse
«feliz» com o fato da colaboração ter revelado o envolvimento de diversos outros partidos e políticos como beneficiários, mensalistas da empresa.
A alegria do senhor Lula – é o que tenta transmitir –, é pelo fato dele e do seu partido não estarem solitários no lamaçal que foi revelada e inundou os meios de comunicação.
Vejam, meus caros leitores, que se passaram pouco mais de 14 anos entre o discurso de posse onde o senhor Lula disse: «O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu Governo. É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida pública.
Não permitiremos que a corrupção, a sonegação e o desperdício continuem privando a população de recursos que são seus e que tanto poderiam ajudar na sua dura luta pela sobrevivência.
Ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar. É também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos focados em resultados sociais concretos. Estou convencido de que temos, dessa forma, uma chance única de superar os principais entraves ao desenvolvimento sustentado do país. E acreditem, acreditem mesmo, não pretendo desperdiçar essa oportunidade conquistada com a luta de muitos milhões de brasileiros e brasileiras” e agora, quando mendiga a igualdade entre os corruptos nacionais que jurou combater.
Infelizmente, ao senhor Lula, nem a igualdade entre os corruptos o socorre. O que resta claro e cristalino é que ele, antes, durante e depois da presidência esteve a serviço – e como tal foi remunerado –, dos grupos econômicos. E isso já vinha de longe. O próprio senhor Emilio Odebrecht sentiu-se estimulado a buscar a aproximação com ele após o diálogo a que nos referimos lá atrás com o ministro do régime militar. Mesmo durante os anos de chumbo, conforme narrado o livro de Romeu Tuma Júnior, Assassinato de Reputações, já era dado a um acordo subalterno.
Na sua colaboração Emilio Odebrecht revela que na eleição de 2002, foi ele que levou o senhor Lula ao empresariado e seria um dos autores da famosa «Carta ao Povo Brasileiro». Não duvido que seja, também, o autor ou mesmo colaborador do discurso de posse, onde se compromete a combater a corrupção.
Quanta ironia. Um ligeiro cálculo, só de 2006 a 2014, só a Odebrecht, uma das preferidas do petismo e do senhor Lula, distribuiu dez bilhões de reais aos políticos em propinas.
Não é que eles tenham inventado a corrupção. Não, longe disso, mas, conforme revelam só a delação desta empresa, nunca se lambuzaram tanto na sordidez dos esquemas quando nesta Era de governo dos companheiros, a ponto de encomendarem programas especiais de computadores só para administrar as propinas.
Na conversa mansa do senhor Emilio são barradas as tratativas feitas com o senhor Lula, desde apoio mútuo aos filhos de ambos, a socorro de bilhões à empresa. Foi assim para o Porto de Mariel, em Cuba, que, segundo ele, nem a empresa ou o BNDES, tinham interesse e entraram para atender o interesse político; assim na construção da Arena Corinthians, fruto de uma conversa de ambos é que depois os cofres públicos foram chamados a socorrer; até os «mimos» com foi a reforma do sítio de Atibaia, que não é do Lula, mas mesmo assim, para agradar ao Lula, a empresa bancou um reforma de quase um milhão de reais.
O exame dos fatos, e isso se tornará muito mais claro, mostra que o senhor Lula, na presidência, era um preposto da Odebrecht. Papel que continuou a desempenhar depois que saiu do cargo de presidente. Por seus trabalhos foram inventadas as palestras num valor acima do que cobrava o ex-presidente americano Bill Clinton. Uma remuneração pelo tráfico de influência dentro do governo do Brasil e de outros países onde mantinha e mantém prestígio graças a generosidade dos cidadãos brasileiros.
Uma coisa que o senhor Lula não se cansa de repetir é que nunca pediu nada a nenhum empresário. Embora duvide, o que resta claro é os outros pediam por ele, e muito, a ponto do senhor Emilio Odebrecht reclamar para o próprio Lula da gulodice do «seu pessoal». Se não pedia aos empresários pedia ao Palocci, que administrava a conta-corrente da propina de 40 milhões de reais quando deixou o governo, conforme confessado pelo ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht.
Apesar de ter votado no senhor Lula de 89 a 2002, quando se elegeu, já no ano seguinte, vi que era um engodo, para começar juntou-se com o que havia de pior na política brasileira, não tinha como os «arranjos» que fizeram darem certo. E não deu, os escândalos, os «malfeitos» se sucederam, o «Mensalão», trazido à tona em 2005, revelou o que já sabíamos, o «Petrolão» mostrou que a corrupção era o método do governo que tinha como meta combatê-la. O que assistimos nos últimos dias com a delação da Odebrecht é que o Estado brasileiro foi terceirizado aos corruptos e os agentes públicos meros prepostos dos esquemas de corrupção. E pior, o principal servidor deste esquema era o depositário número um da confiança do povo brasileiro.
A luz dos fatos até aqui conhecidos – e temo ainda nem saibamos a terça parte – estivemos, nos últimos anos, sob o comando de uma quadrilha impiedosa que não tinha qualquer preocupação ética ou moral com o Brasil. E, representando os interesses da quadrilha, o ex-presidente Lula, o homem do povo, a alma mais honesta deste país, que ao fim revelou-se apenas uma farsa.
Abdon Marinho é advogado.
O FIM DE UMA FARSA
Escrito por Abdon Marinho
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