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SAÚDE: CON­SID­ER­AÇÕES INI­CI­AIS SOBRE A CRISE.

Escrito por Abdon Mar­inho

SAÚDE: CON­SID­ER­AÇÕES INI­CI­AIS SOBRE A CRISE.
EMB­ORA o gov­erno estad­ual tente pas­sar à pat­uleia a ideia que tudo vai muito bem, obri­gado, em relação ao oceânico desvio de recur­sos públi­cos da saúde, denun­ci­a­dos em rede nacional pelo pro­grama Fan­tás­tico, da rede Globo, a ver­dade é que, sob qual­quer aspecto que exam­inemos a fraude apon­tada pela PF, MPF e CGU, os fatos apon­tam em sen­tido inverso.
Essas autori­dades rev­e­lam que um bil­hão de reais foram desvi­a­dos da saúde pública nos últi­mos ‘três ou qua­tro anos’ e que parte das enti­dades con­tratadas pelo gov­erno para gerir o sis­tema não pas­savam, na ver­dade, de máquinas de sugar recur­sos públi­cos pelos tor­tu­osos cam­in­hos da fraude, enquanto o povo amarga pela falta ou pela pés­sima qual­i­dade dos serviços da saúde.
O insti­tuto apan­hado lit­eral­mente com a «boca no caixa» – antiga­mente dizíamos botija –, era useiro e vezeiro em «operar» com recur­sos em espé­cie.
Ape­nas um destes oper­adores, segundo a PF chegou a sacar 18 mil­hões de reais.
Pois é, ape­nas um oper­ador, de um das tan­tas enti­dades, a quem o gov­erno entre­gou a gestão do sis­tema de saúde.
Quan­tos mais oper­adores ou insti­tu­ições estariam ou estão envolvi­dos na fraude? Ou fraudes, no plural.
Ora, ninguém faz tan­tos saques sem que seja para pagar propina.
Resta-​nos saber se as ações con­tro­ladas da polí­cia seguiu o cam­inho do din­heiro e, caso afir­ma­tivo, por que não pren­deu este ou estes ben­efi­ciários.
Pois bem, ainda a escassez de infor­mação ou a dubiedade das palavras das autori­dades na reportagem do pro­grama de tele­visão aju­dam o gov­erno nas suas expli­cações – três ou qua­tro anos, pas­sou de um gov­erno a outro –, ou lhes servem de alento.
Não que se duvide da hon­esti­dade de seus inte­grantes do atual gov­erno. Até aqui, não se apon­tou, pub­li­ca­mente, o envolvi­mento de nen­hum nos “malfeitos”, mas, por outro lado, pas­sa­dos dois anos e meio, já era tempo de saberem o que se passa na máquina admin­is­tra­tiva que coman­dam.
Se os órgãos de inves­ti­gação e con­t­role apon­tam desvios que pas­sam de bil­hão (nos últi­mos três ou qua­tro anos) quanto deste vol­ume teria sido desvi­ado nos dois anos e meio do gov­erno atual?
O secretário de saúde afir­mou – e não vejo motivos para duvi­dar de sua palavra – que a fraude engen­drada era por demais sofisti­cada e, por isso mesmo, não tinha como ser detec­tada no exame, geral­mente super­fi­cial, que se faz no curso de uma admin­is­tração.
Admitindo-​se a tese de que ninguém no gov­erno deu-​se conta dos esque­mas, mon­ta­dos em gov­erno ante­rior e que san­grou tan­tos recur­sos públi­cos, temos um gov­erno, como se dizia lá no meu inte­rior, mais per­dido que cachorro caído de cam­in­hão de mudança.
Não esta­mos falando do sum­iço do “troco da feira” que ficou esque­cido numa gaveta. Esta­mos falando de um bil­hão de reais “desa­pare­ci­dos” em três ou qua­tro anos.
E esse roubo tem con­se­quên­cias dramáti­cas.
Assis­ti­mos diari­a­mente o sofri­mento de mil­hares de cidadãos e cidadãs nas filas bus­cando mar­car uma con­sulta ou exame – muitas vezes levando meses para obter um ou outro ou, sim­ples­mente, um sim­ples retorno –, con­seguir um medica­mento, uma prótese, cadeira de rodas, etc., e nem fale­mos das cen­te­nas que pas­sam até dez horas diárias em trân­sito, três vezes por sem­ana, para faz­erem sessões de hemod­iálise.
Isso sem falar nas unidades espal­hadas pelos diver­sos municí­pios, fecha­dos ou em vias de fechar por falta de recur­sos para sua manutenção pois o gov­erno alega não pos­suir recur­sos.
Bem, com uma san­gria mon­u­men­tal como esta, talvez tenha razão ao afir­mar não pos­suir recur­sos.
Não bas­tasse esse pre­juízo tão nefasto para a saúde dos maran­henses – que pade­cem sem atendi­mento de qual­i­dade ou com a falta abso­luta dele –, segundo infor­mou um advo­gado, só sua banca pos­sui cerca de nove mil ações que resvalarão con­tra o Estado dev­ido ao fato destas enti­dades, a quem entre­garam a gestão das unidades, não cumprirem suas obri­gações tra­bal­his­tas ele­mentares.
Alguém pode dimen­sionar o pre­juízo que terá o estado quando começarem a pipocar con­de­nações?
Será outra san­gria imen­su­rável.
Emb­ora não se tenha prova que os atu­ais diri­gentes do Maran­hão tiveram par­tic­i­pação ativa nestes mon­u­men­tais pre­juí­zos que o povo maran­hense suporta e supor­tará durante muitos anos ainda – sim, o pre­juízo não é ape­nas o que já foi desvi­ado, tem a falta de atendi­mento, tem as ações tra­bal­his­tas, os encar­gos, etc. –, não resta dúvida que agi­ram sem as dev­i­das caute­las, talvez fruto de uma autossu­fi­ciên­cia que não encon­tra respaldo na real­i­dade.
Eu mesmo – que não sou ninguém –, os alertei mais de duas vezes, pub­li­ca­mente (podem aces­sar o meu site ou out­ros blogues), para a neces­si­dade de se fazer uma audi­to­ria em todos os setores do gov­erno.
Avisei-​os antes de assumirem e logo nos primeiros dias de gov­erno.
Dizia em um dos tex­tos “Audi­tar é uma Neces­si­dade”, que a audi­to­ria pro­posta não era con­tra ninguém ou instru­mento de perseguição política, mas sim, o mecan­ismo ideal para que os novos gov­er­nantes soubessem as condições em que estavam recebendo a admin­is­tração pública.
Defendia que fosse uma audi­to­ria externa, feita por uma empresa de recon­hecida idonei­dade e espe­cial­izada, para que não tivesse o resul­tado do seu tra­balho ques­tion­ado.
Assim como eu, out­ras pes­soas, pub­li­ca­mente ou em par­tic­u­lar devem ter aler­tado os mem­bros do atual gov­erno para tal neces­si­dade.
Lem­bro, em espe­cial, de um artigo do econ­o­mista Aziz San­tos – que repro­duzi –, onde chamava atenção para neces­si­dade de audi­tar a dívida pública do estado.
Se tivessem ouvido, cer­ta­mente não estariam pas­sando pelo con­strang­i­mento de diz­erem que nada sabiam ou que não tiveram como iden­ti­ficar – depois de dois anos e meio –, que esque­mas cor­rup­tos iden­ti­fi­ca­dos pela PF, MPF e CGU, foram her­anças de gov­er­nos ante­ri­ores.
Ainda que seja crível o que dizem, é feio de assumirem que os gov­er­nantes do pas­sado continuavam/​continuam fazendo “malfeitos” no pre­sente gov­erno e em quan­tias nada desprezíveis sem que os atu­ais inquili­nos do poder se dessem conta.
Um descon­t­role de tamanha mag­ni­tude leva-​nos a per­gun­tar: será que isso se deu ape­nas neste setor (gestão de unidades) ou alcança as com­pras de medica­men­tos e insumos? Ape­nas na saúde ou alcança out­ras sec­re­tarias e órgãos?
Emb­ora, como dizia meu pai, con­selho e café toma quem quer, talvez seja a hora do gov­erno deixar de lado essa autossu­fi­ciên­cia que, até aqui, só tem prej­u­di­cado o Estado, e fazer a audi­to­ria externa em toda máquina pública, con­forme recomen­damos que fizessem ainda antes de ini­cia­rem o gov­erno.
Noutra quadra, com relação à saúde, acho que o gov­erno dev­e­ria aproveitar essa situ­ação para estru­tu­rar o sis­tema con­forme esta­b­elece a Con­sti­tu­ição Fed­eral e a Lei 8080, a Lei Orgânica da Saúde.
Não é de hoje que alerto para o fato do Maran­hão ado­tar três SUS. Um munic­i­pal, outro estad­ual e um fed­eral, o que viola a essên­cia do sis­tema, que é a uni­ci­dade. Aliás, emb­ora pareçam igno­rar, SUS sig­nifica Sis­tema Único de Saúde.
As provas que tri-​sistema não deu certo estão aí à vista de todos.
Acred­ito que esta anom­alia no SUS do Maran­hão favoreça ou foi estru­tu­rada com o propósito de facil­i­tar os desvios de recur­sos públi­cos.
O sis­tema dev­e­ria ser único, descen­tral­izado com cada ente fed­er­ado atuando den­tro de suas esferas de especial8dade e o estado dev­e­ria ser um mero presta­dor de serviço e não gestor do sis­tema. A forma como estão fazendo está errada.
A lei é clara, basta seguir a sua ori­en­tação.
Abdon Mar­inho é advogado.

JUL­GA­MEN­TOS DE CONVENIÊNCIAS.

Escrito por Abdon Mar­inho

JULGA­MEN­TOS DE CON­VENIÊN­CIAS.
NOUTRAS opor­tu­nidades já disse que vez ou outra me pego a pen­sar no que nos dizia Vieira a quase trezen­tos anos nos seus ser­mões.
Hoje, lembro-​me de um em espe­cial: o chamado «Ser­mão do Bom Ladrão», numa de suas pas­sagens nos é nar­rado o encon­tro de Alexan­dre, o grande, com um pequeno salteador que tomava as coisas de out­ros em um barco. Quando o imper­ador o admoestou por seus malfeitos, este lhe respon­deu com inco­mum altivez: — basta, sen­hor! eu, por que roubo em um barco, sou ladrão e vós por que roubais em uma armada sois inte­grador?
Pois é. Lembrava-​me desta pas­sagem por conta do jul­ga­mento da chapa Dilma-​Temer pelo egré­gio Tri­bunal Supe­rior Eleitoral –TSE.
Cer­ta­mente que todos votos dos ilus­tres mag­istra­dos estão calça­dos nos sábios princí­pios da leg­is­lação pátria. Tan­tos os que votaram pela cas­sação quanto os que votaram pela absolvição das con­du­tas.
Em mais de 20 anos de efe­tiva mil­itân­cia no dire­ito eleitoral, o que ques­tiono é a aguda semel­hança entre o que se passa nas nos­sas cortes de justiça e aquilo que o pequeno ladrão que afron­tou Alexan­dre já detec­tava naquela opor­tu­nidade, trezen­tos e tan­tos anos antes do iní­cio da Era Cristã.
Quan­tas vezes não vimos prefeitos serem cas­sa­dos, por até, desav­isada­mente, darem uma esmola e lhes impin­girem a mácula de com­pradores de votos?
Quan­tas vezes não vimos lhes socor­rerem embar­gos quando viti­ma­dos por meros erros buro­cráti­cos numa prestação de con­tas?
Quan­tas vezes não os vimos viti­ma­dos por adver­sários que tra­mam com depoi­men­tos mon­ta­dos, a estraté­gia de der­rubar eleitos e gan­harem o apoio da justiça nos seus inten­tos?
Quan­tas vezes não vemos cas­sações que nada mais são que fru­tos de armações de adver­sários?
Temos exem­p­los não muito dis­tantes disso. O casal Capiberibe, João e Janete, ele senador da República e ela dep­utada fed­eral – ambos do estado do Amapá –, foram cas­sa­dos e ficaram inelegíveis por que acu­sa­dos por duas eleitoras de haverem com­pra­dos seus votos, num dis­pên­dio de R$ 26,00 (vinte e seis reais).
Segundo a defesa dos dois, não se tra­tou de com­pra de votos.
O Tri­bunal do Amapá não quis saber, muito menos o colendo Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, que con­fir­mou a cas­sação dos mandatos daque­les par­la­mentares e aplicou-​lhes o rigor das penas esta­b­ele­ci­das na lei.
No jul­ga­mento da chapa Dilma-​Temer não ouvi­mos falar reais, falou-​se em mil­hões de reais, talvez bil­hões. Falou-​se em con­tas cor­rentes de propinas man­ti­das pelas empre­sas que usufruem dos recur­sos da nação em seus bene­fí­cios.
Não falou de com­pra de um ou dois eleitores, mas de par­tidos inteiros; cidades e esta­dos inteiros.
O ministro-​relator da matéria, em seu detal­hado voto, mostrou o cam­inho dos recur­sos sujos uti­liza­dos na cam­panha daquela chapa e numa coleção de provas de crimes jamais vista na história deste país. Na definição do próprio min­istro «provas oceâni­cas».
Ainda assim, a maio­ria, em judi­ciosos votos enten­deu não ser sufi­ciente para aplicar-​lhes a ex e ao atual pres­i­dente as penas esta­b­ele­ci­das pela leg­is­lação.
Vejam, o oceano, o Himalaia de provas estão aí, as vis­tas de todos. Um pro­jeto político crim­i­noso se assen­horeou do poder com o claro propósito de cor­romper a si mesmo e a todos ao seu redor. E isso passa incólume aos olhos da Justiça.
Repito, não duvido que nestes votos fal­tem fun­da­men­tação jurídica. Entre­tanto, diante de tudo que já vi, falta-​lhes JUSTIÇA.
Uma jor­nal­ista com inco­mum acerto disse que a absolvição da chapa com­posta pela ex-​presidente Dilma Rouss­eff, do PT, e pelo atual pres­i­dente, Michel Temer, do PMDB, foi absolvida por excesso de provas. Per­feito.
Há um con­ceito de que não con­seguimos ver as coisas grandes em dema­sia. Nosso campo de visão não con­segue delimita-​las. Talvez tenha se dado isso. O campo de visão de muitos jul­gadores não con­segue ver coisas grandes em dema­sia.
Isso jus­ti­fica que se man­tenha presa, em infec­tos cárceres, uma mãe de família que roubou um super­me­r­cado para ali­men­tar os fil­hos e deixar em prisão domi­cil­iar a esposa do Cabral que junto com o marido roubou a não mais poder o Rio de Janeiro, a ponto de que­brar o Estado e infe­lic­i­tar inúmeras famílias.
Tam­bém serve para jus­ti­ficar que se man­tenha em cárceres desumanos «ladrões de gal­in­has», enquanto de fazem acor­dos de mega-​delação pre­mi­ada com os irmãos Batista, per­mitindo que vivam no estrangeiro usufruindo os bil­hões que saque­aram do país. Estes, até as mul­tas que lhes foram impostas, sairão dos bol­sos dos con­tribuintes brasileiros.
E são tan­tos nes­tas mes­mas condições que chego a achar que o crime com­pensa. O cidadão rouba a não mais poder, depois delata, paga uma multa e vai cur­tir sua casa de praia, seu big AP no Rio de Janeiro, Nova Iorque, Lon­dres ou Paris.
O Brasil tornou-​se (ou sem­pre foi) o país da piada pronta, onde o cor­reto é ser des­on­esto, onde os con­luios se fazem pre­sentes em todas as esferas e classes e onde os respon­sáveis por impor a ordem não con­seguem ver as coisas «grandes demais».
Alguém sabe dec­li­nar os crimes que prati­cou o ex-​governador Jack­son Lago que jus­ti­ficaram a cas­sação de seu mandato?
As con­du­tas que levaram a perda de seu mandato sequer eram atribuí­das a ele dire­ta­mente. Ainda assim, em nome da pro­bidade e da lisura dos pleitos eleitorais o cas­saram sem qual­quer con­sid­er­ação.
Nos proces­sos da chapa PT/​PMDB – por isso mesmo esse silên­cio cúm­plice de todos destes par­tidos e ali­a­dos –, enten­deram que não se pode­ria colo­car em risco a segu­rança das eleições, que não se pode­ria alargar as inves­ti­gações e que, por isso mesmo, a Con­sti­tu­ição delim­i­tara em 15 dias o prazo deca­den­cial para a proposi­tura da ação.
Ora, além da Ação de Impug­nação de Mandato Ele­tivo — AIME, foram jul­gadas, em con­junto, as Ações de Inves­ti­gação Judi­cial Eleitoral — AIJE, que servem jus­ta­mente para per­mi­tir a inves­ti­gação (o que óbvio pelo nome) que o próprio TSE, autor­izara no ano de 2015, ade­mais, por ocasião do jul­ga­mento em abril, as próprias partes solic­i­taram a oitiva de novas teste­munhas e jun­tada de novas provas.
Se não era para serem usadas no processo qual o sen­tido de autor­izar a sua coleta? Qual o sen­tido de arrastarem uma instrução proces­sual por três anos se a coleta de provas não seriam admi­tias no jul­ga­mento?
Me parece inusi­tado que passé mais de três anos instru­indo um processo para depois se dizer que tais provas, ainda cor­rela­cionadas com o objeto das ações, não seriam usadas.
Outra coisa que me parece abso­lu­ta­mente inusi­tado é ver min­istros tão sábios indo de encon­tro ao que diz a própria lei, no caso a Lei Com­ple­men­tar n.º 64, que esta­b­elece tex­tual­mente: «Art. 23. O Tri­bunal for­mará sua con­vicção pela livre apre­ci­ação dos fatos públi­cos e notórios, dos indí­cios e pre­sunções e prova pro­duzida, aten­tando para cir­cun­stân­cias ou fatos, ainda que não indi­ca­dos ou ale­ga­dos pelas partes, mas que pre­servem o inter­esse público de lisura eleitoral».
Será que, com tudo que se sabe, não estaria mais que jus­ti­fi­cada a cas­sação da chapa?
Vejam, o que me deixa angus­ti­ado não é a absolvição da chapa. Isso me é indifer­ente. O que não me parece justo é ver que a estru­tura judi­ciária brasileira – e não me refiro indi­vid­ual­mente a essa ou aquela –, agir com dois pesos e duas medi­das em relação a situ­ações idên­ti­cas.
Como o Brasil pode dizer-​se uma democ­ra­cia se o seu princí­pio mais básico não é obser­vado?
Será que somos todos iguais per­ante a lei, como bem esta­b­elece a Con­sti­tu­ição Fed­eral?
Na minha opinião não somos. E na sua opinião?
Abdon Mar­inho é advogado.

O BRASIL, AS REFOR­MAS E AS CORPORAÇÕES.

Escrito por Abdon Mar­inho

O BRASIL, AS REFOR­MAS E AS CORPORAÇÕES.

MUITO TEMPO – mais de vinte anos – alerto para a neces­si­dade do Brasil pro­mover uma reforma do Estado. No meu sen­tir essa é a reforma que deve pre­ceder todas as outras.

A primeira vez que tratei do tema foi por ocasião da elab­o­ração da minha mono­grafia de con­clusão do curso de dire­ito na Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão. Na opor­tu­nidade aler­tava para essa neces­si­dade, bem como, para a gravi­dade das casas do par­la­mento, em última análise, respon­sável pela imple­men­tação de tais refor­mas estarem rep­re­sen­tadas por inter­esses cor­po­ra­tivos, em detri­mento dos inter­esses do país.

Pas­sa­dos vinte anos o Brasil se encon­tra atra­van­cado pela falta da refor­mu­lação do Estado e todas demais refor­mas dela decor­rentes e o fato das cor­po­rações dom­inarem – pen­sando uni­ca­mente no inter­esse dos seus rep­re­sen­ta­dos em detri­mento do país – a cena política.

Um exem­plo deste atra­van­ca­mento que com­pro­m­ete o futuro do país é a resistên­cia a chamada reforma da previdência.

Não dis­cuto aqui se a pro­posta do gov­erno está certa ou errada, não é isso que vem ao caso.

O que dis­cuto é que país pre­cisa de uma reforma prev­i­den­ciária e que ela é urgente.

Qual­quer um sabe da sua neces­si­dade e qual­quer um que venha diri­gir o país terá que batal­har por ela.

A questão é de fácil com­preen­são. A pop­u­lação está – feliz­mente –, vivendo mais, e, com isso, aumen­tando o número de des­ti­natários dos recur­sos da pre­v­idên­cia. Na outra ponta temos assis­tido a diminuição da taxa de natal­i­dade. Ou seja, a pop­u­lação eco­nomi­ca­mente ativa que, com o fruto de seu tra­balho, garante a aposen­ta­do­ria daque­les que já se aposen­taram está dimin­uindo. Isso é perceptível.

Ora, em algum momento a conta deixará de fechar. Aliás já deixou de fechar, segundo dizem, há muito tempo. Anual­mente temos infor­mações do déficit prev­i­den­ciário sem­pre cres­cente, a recla­mar recur­sos de out­ros setores para aten­der a neces­si­dade de paga­mento de aposen­ta­do­rias e pensões.

A pre­v­idên­cia brasileira con­some mais de um quarto do PIB do país, outro quarto é con­sum­ido por todos os demais órgãos públi­cos, paga­mento de servi­dores, saúde, edu­cação, assistên­cia social, infraestru­tura, etc., e a outra metade é con­sum­ida pela dívida pública.

Há os que sus­ten­tam, como solução para o déficit prev­i­den­ciário, uma nego­ci­ação para dívida pública que aumen­tou sub­stan­cial­mente com a política de juros altos dos últi­mos anos. Não duvido que seria um alento e até seria bom saber­mos que tem de «gor­dura» nesta mon­u­men­tal dívida.

Acon­tece que o prob­lema, ainda, não é esse. As pes­soas con­tin­uarão vivendo mais (graças a Deus) e a força motriz que os susterão na vel­hice dimin­uindo. Ou seja, em algum momento haverá neces­si­dade de se repactuar a pre­v­idên­cia social. Mel­hor que seja antes.

Não me parece razoável que a pre­v­idên­cia con­suma mais que todo o resto dos inves­ti­men­tos públi­cos, só per­dendo para a mon­stru­osa dívida pública

Pois bem, todo mundo mundo sabe disso mas ninguém quer ceder nada.

E aqui entra o papel das corporações.

O que temos visto nes­tas dis­cussões sobre a pre­v­idên­cia? Que todos, sobre­tudo os mais aquin­hoa­dos e for­t­ale­ci­dos nas suas cor­po­rações, se acham «especiais».

São espe­ci­ais os pro­fes­sores, os mag­istra­dos, os poli­ci­ais, os servi­dores públi­cos, os políti­cos, em suma todos a exceção da pat­uleia ignara.

Na minha opinião, todos tra­bal­hadores que sus­ten­tam este país são espe­ci­ais. Acon­tece que alguém pre­cisa deixar de olhar só para os seus inter­esses, do seu grupo e pen­sar no futuro do país.

Pelo que vi, por conta de tan­tas espe­cial­i­dades a reforma da pre­v­idên­cia caiu no buraco, se muito, aprovam a ele­vação da idade mínima.

Man­ter as coisas como estão só inter­essa aos que sem­pre usufruíram van­ta­gens e mais van­ta­gens do Estado às cus­tas dos tra­bal­hadores que não pos­suem quais­quer direitos.

O adi­a­mento da reforma da pre­v­idên­cia – e digo adi­a­mento porque o mod­elo atual é insus­ten­tável, como já dize­mos antes – é um equívoco que só trará pre­juí­zos as futuras gerações.

A refor­mu­lação do mod­elo é necessário para com­bater fraudes, priv­ilé­gios, abusos.

Não vejo sen­tido que os tra­bal­hadores da ini­cia­tiva pri­vada – cuja maio­ria, ganha menos que os servi­dores públi­cos –, este­jam sub­meti­dos ao régime geral e a um teto, enquanto que os servi­dores do setor público que, geral­mente gan­ham bem mais, prin­ci­pal­mente os que são de car­reiras de Estado, levem para todo o sem­pre, os salários e van­ta­gens da ativa.

Ora, se gan­ham mais, podem per­feita­mente pagar pre­v­idên­cia pri­vada ou com­ple­men­tar, fazer o «pé de meia» para a velhice.

As cor­po­rações não con­seguem ou não querem enx­er­gar isso.

Acho que pen­sam que os gov­er­nos pro­duzem din­heiro para sus­ten­tar tudo que imag­inarem. Ledo engano, gov­er­nos, só admin­is­tram – e mal –, o din­heiro que tiram dos contribuintes.

Como não pro­duzem riqueza alguma, ou ado­tam medi­das para tornar os mod­e­los de gestão sus­ten­táveis ou aumen­tam a carga tributária.

Aliás, os defen­sores de inter­esses cor­po­ra­tivos sem­pre vem com essa mesma con­versa de aumen­tar a carga trib­utária. Ainda que se aumente no lim­ite do não mais poder tal carga trib­utária, o mod­elo, mais cedo ou mais tarde fracassará.

Isso, sem con­tar com os efeitos nefas­tos de uma carga trib­utária ele­vada que impede o cresci­mento econômico do país.

Não duvido que pre­cisamos de uma reforma trib­utária, mas esta deve vir para tornar mais racional e razoável os impos­tos que pag­amos. O cidadão de bem já passa cinco meses do ano tra­bal­hando só para pagar impos­tos. Ele­var ainda mais a carga trib­utária, pro­duzir deixará de ser inter­es­sante. Quem vai tra­bal­har seis, oito meses, só para pagar impostos?

O resto é dem­a­gogia barata, falta de bom senso e a fé cega de que as coisas se resolverão por elas mesmo, sem que ninguém tenha que fazer nada ou se sac­ri­ficar de alguma forma.

O pen­sa­mento dis­tor­cido das cor­po­rações é espel­hado no mod­elo de Estado que temos. E, aí, volta­mos ao começo do debate.

O Estado brasileiro é mas­todôn­tico, uma máquina imensa e cor­rupta a dis­tribuir priv­ilé­gios a uma elite dominante.

A classe política brasileira não con­segue fazer as refor­mas necessárias porque ela mesma não tem cor­agem de cor­tar seus priv­ilé­gios, suas regalias, suas aposen­ta­do­rias espe­ci­ais, seus salários absur­dos, suas van­ta­gens indecorosas.

Na ver­dade as cor­po­rações se valem disso para usar e serem usadas pela elite dom­i­nante do país.

As cor­po­rações sem­pre servi­ram e servirão de anteparo entre a massa pagadora de trib­u­tos que sus­tenta os seus e os priv­ilé­gios da elite dirigente.

O Brasil pre­cisa de uma reforma de Estado que acabe com todos os priv­ilé­gios, que coloque os cidadãos em pé de igual­dade nos favores que recebem do mesmo. Chega de uns ou out­ros se acharem mere­ce­dores disso ou daquilo como que por her­ança divina.

Qual a razão de um par­la­men­tar exercer um mandato ou menos e levar regalias pelo resto da vida? Que dire­ito adquirido é esse? Por que pre­cisam de tan­tos priv­ilé­gios para exercer um mandato?

O mesmo se diga das demais funções de Estado.

Não tem sen­tido ter­mos uma Con­sti­tu­ição que traz a assertiva de que «todos são iguais per­ante a lei», se o que mais vemos são priv­ilé­gios para uns e outros.

A igual­dade de que trata a Con­sti­tu­ição é uma ilusão. Na ver­dade todos se acham mel­hores e «mais iguais» que os demais, e sugam o país a não mais poderem, na defesa de seus priv­ilé­gios e van­ta­gens indevidas.

O Brasil está muito longe ser uma ver­dadeira democ­ra­cia e não acred­ito que a alcance­mos. Ainda mais quando se cam­inha em sen­tido inverso.

Abdon Mar­inho é advogado.