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LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

Escrito por Abdon Mar­inho

LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

UM dos bor­dões mais fes­te­ja­dos nos tem­pos do gov­erno Lula e que, prati­ca­mente, se fazia pre­sente em todos os dis­cur­sos do ex-​presidente, dizia: “nunca antes na história deste país …”. Seguido desta ou daquele fato que, muitas vezes, nem tinha o seu gov­erno, ou sua ini­cia­tiva como precursora.

Hoje, numa daque­las iro­nias que só a história pode pro­por­cionar, o ex-​presidente tornou-​se sujeito é objeto do seu próprio bor­dão: nunca antes na história deste país um ex-​presidente foi con­de­nado por corrupção.

Desta vez, não se trata de mero exer­cí­cio de retórica a reforçar feitos, muitas vezes imag­inários, pela primeira na história do país temos um ex-​presidente con­de­nado por cor­rupção pas­siva, lavagem de din­heiro, com uma pena que quase chega a uma década, proibição de ocu­par car­gos públi­cos por quase uma década.

Este é um fato histórico, inde­pen­dente do venha acon­te­cer em seguida, a página da história já foi escrita.

O infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio que abateu-​se sobre o ex-​presidente não seria difer­ente. Se noutros casos ou situ­ações, fico indifer­ente, no pre­sente caso, não deixo de sen­tir pena. Não o pesar pela pes­soa, mas por toda a situ­ação, pelas decepções que o fato causa e provoca em muitas pes­soas boas; pesar pela deses­per­ança que tal con­de­nação provoca.

Entre­tanto, qual­quer pes­soa min­i­ma­mente infor­mada sobre os fatos rela­ciona­dos ao processo que cul­mi­nou com essa primeira con­de­nação do ex-​presidente, sabia e/​ou sabe que, de fato, o imóvel era do sen­hor ex-​presidente.

O fato era público, notório e já tinha, até, sido noti­ci­ado por veícu­los da mídia.

Todos sabiam.

O porteiro disse isso em seu depoi­mento; os moradores ouvi­dos dis­seram isso nas entre­vis­tas que deram; as profis­sion­ais que tra­bal­haram na reforma do imóvel dis­seram isso e, tam­bém, os exec­u­tivos da empresa con­fes­saram que o imóvel era, mesmo, objeto de propina ao ex-​presidente.

Repito: o fato era público.

Os cor­re­tores ao ofer­e­ce­ram unidades do edifí­cio Solaris, “ven­diam”, tam­bém, o fato de que os futuros adquirentes teriam como viz­in­hos a família Lula da Silva.

O sen­hor Leo Pin­heiro, con­de­nado junto com o ex-​presidente no processo, foi tax­a­tivo ao afir­mar que, desde que sua empresa assumiu as obras – tam­bém uma forma de livrar a cara dos ex-​dirigentes da Ban­coop, que desviaram os recur­sos da con­strução dos pré­dios para cam­pan­has políti­cas do Par­tido dos Tra­bal­hadores –, fora avisado que aquele imóvel estava des­ti­nado ao ex-​presidente e sua família.

Não pre­cisavam sequer diz­erem isso nada.

O bom senso não sus­cita maiores indagações.

Quem com­pra imóvel sabe como estas con­stru­toras os entregam. Nem piso colocam.

Quem já viu con­stru­tora entre­gar imóvel todo refor­mado, “ao gosto do freguês”, com dire­ito à móveis pro­je­ta­dos, ele­vador pri­v­a­tivo, coz­inha de alto padrão?

Quem já viu faz­erem gas­tos adi­cionais supe­ri­ores ao próprio valor do imóvel?

Registre-​se que ape­nas uma unidade de todo o con­junto teve isso.

O bom senso já indi­cava que era para aten­der alguém muito impor­tante. E isso con­fir­mava o que diziam todos. As vis­i­tas da ex-​primeira-​dama, fil­hos e mesmo do ex-​presidente, reforçava o sen­ti­mento geral.

A questão posta não era saber se o ex-​presidente era inocente ou não. Essa situ­ação já estava esclare­cida pela clareza da realidade.

O que se dis­cu­tia era se os acu­sadores con­seguiriam provar as imputações feitas: que o ex-​presidente rece­bera o aparta­mento como acerto de propina, se a sun­tu­osa reforma fazia parte do pacote e se estavam, tam­bém, através do imóvel, lavando dinheiro.

A sen­tença do juiz Moro esclare­ceu essas questões: há sim, segundo ele, provas cabais das imputações ofer­e­ci­das pelo Min­istério Público. Provas capazes de fun­da­men­tar a condenação.

Ocupei-​me da leitura da sen­tença e ao longo de 218 pági­nas – acho que um recorde –, o mag­istrado anal­isa os argu­men­tos da acusação e da defesa; exam­ina depoi­men­tos e provas e forma sua convicção.

O decreto con­de­natório tem fun­da­men­tos con­tun­dentes e didáti­cos – difer­ente do que vimos noutros casos –, não se trata de uma con­de­nação baseada em duvi­dosas e mod­er­nosas teses jurídi­cas. Há, sim, o exame de um acervo pro­batório, como e-​mails, men­sagens, perí­cias, fotografias, doc­u­men­tos e depoi­men­tos cor­rob­o­rando com todos eles e for­mando um con­junto provas consistente.

Sim, há, tam­bém, a con­fis­são de parte dos impli­ca­dos a coroar tudo.

Aque­les que acusam o juiz de ter con­de­nado o ex-​presidente sem provas, acred­ito que não leram, com a dev­ida acuidade, os ter­mos da sen­tença. Ou, noutra quadra, como o fazem, desde o iní­cio do processo, ten­tam refu­tar argu­men­tos jurídi­cos com uma argu­men­tação política.

Logo que foi divul­gada a sen­tença assisti depoi­men­tos de inúmeros ali­a­dos do ex-​presidente batendo nesta tecla: de par­cial­i­dade do jul­gador e da falta de provas para fun­da­men­tar a condenação.

Ora, àquela altura, pouco depois da divul­gação da sen­tença, cer­ta­mente nen­hum deles tin­ham tido tempo hábil para leitura de toda sen­tença e faziam um dis­curso mera­mente político e ensaiado.

Na mesma linha foram as notas do par­tido do con­de­nado e dos seus satélites. Não leram ou não são capazes de refu­tar a fun­da­men­tação da sentença.

Como sabiam que a sen­tença não estaria fun­da­men­tada? O que não é verdade.

Mod­esta­mente, entendo, que ao enveredarem uni­ca­mente pelo dis­curso político, sem enfrentarem os fatos cola­ciona­dos na sen­tença, não terão muito êxito nas instân­cias supe­ri­ores, con­forme prom­e­teram. Pelo con­trário, podem con­tribuir para agravarem a situ­ação do condenado.

Mas, talvez, só lhes restem isso. Sabedores que não terão como refu­tar os argu­men­tos que moti­varam a con­de­nação, ten­tem tumul­tuar ou afrontar as insti­tu­ições nacionais com ape­los políticos.

Então é líc­ito rece­ber propina? Con­ceder favores a ter­ceiros com recur­sos públi­cos? É isso que defen­dem? O ex-​presidente pos­sui, por ter sido um gestor pop­u­lar, imu­nidade para roubar, rece­ber propinas?

Segundo ouvi, prom­e­tem ir até a ONU. Sem con­tar a pro­moção de atos políti­cos em defesa da impunidade para o ex-​presidente. Defend­erão a insti­tu­cional­iza­ção da cor­rupção como prática aceitável?

Será que não con­fiam nas instân­cias judi­ciárias do Brasil? Ou será que pre­ten­dem constrangê-​las na defesa de suas teses exdrúxulas?

No fundo, talvez, achem que o con­de­nado tem todo o dire­ito de rece­ber propinas de empre­sas nacionais em troca de favorec­i­men­tos. Afi­nal, o que é um sítio? um aparta­mento? Palestras bem remu­ner­adas? Con­tas sec­re­tas em nome de ter­ceiros para usar ao bel prazer? Todos não já fiz­eram isso? Argumentam.

Lula tam­bém pode. Aliás, deve.

Com mais de setenta anos, ainda que a sen­tença seja con­fir­mada ou agravada em segunda instân­cia, é bem provável que o ex-​presidente nunca cumpra um dia de pena. Em se tratando dele é capaz que o per­mita recor­rer a todas instân­cias da Justiça brasileira e mesmo aos órgãos mul­ti­lat­erais, longe do inferno do sis­tema pri­sional brasileiro.

Isso faz parte da sina. O Brasil por mais que tente ser uma nação onde todos são iguais per­ante a lei, sem­pre tem os que são mais iguais que os demais.

A estes tudo é permitido.

Em todo caso, tudo isso é muito triste. Temos um ex-​presidente, o primeiro líder pop­u­lar a ocu­par o cargo máx­imo da nação, um homem capaz, ainda hoje, de mobi­lizar mul­ti­dões, enredado e con­de­nado num escân­dalo de cor­rupção e lavagem de din­heiro. Nunca antes na história deste país se tinha acontecido.

O Brasil não mere­cia isso.

Abdon Mar­inho é advogado.

A TRAGÉ­DIA DAS MENINAS.

Escrito por Abdon Mar­inho

A TRAGÉ­DIA DAS MENI­NAS.
UM ASSUNTO vem marte­lando minha cabeça por estes dias, emb­ora não saiba, ainda, qual a mel­hor forma de trazê-​lo à dis­cussão sem pare­cer que quero dar lição de moral ou revelar-​me como uma espé­cie de falso moral­ista desconec­tado das coisas dos nos­sos dias.
Vamos a ele.
Numa de min­has incursões pelo norte do estado reuni-​me com um sindi­cato de pro­fes­sores para tratar de assun­tos rel­a­tivos à pauta do dia a dia. Ao fim da reunião, esgo­ta­dos os assun­tos objeto da mesma, uma pro­fes­sora trouxe uma infor­mação que me deixou pre­ocu­pado.
Ela, pro­fes­sora, chamou a atenção para o número ele­vado de meni­nas grávi­das. E quando falamos meni­nas, esta­mos falando de pes­soas na faixa de doze, treze anos.
O assunto trazido pela pro­fes­sora motivou um pro­longa­mento da reunião para dis­cu­tir o tema, com out­ros pro­fes­sores tam­bém expondo suas exper­iên­cias com situ­ações idên­ti­cas.
A mesma pro­fes­sora que trouxe o tema, nar­rou que fora pro­fes­sora da mãe da ado­les­cente grávida e que esta, por sua vez, ficara grávida na ado­lescên­cia, na mesma faixa de doze para treze anos.
Ora, temos, no espaço de um quarto de século, a for­mação (equiv­o­cada) de duas ger­ações. Trata-​se um fato grave, con­forme lev­an­tado pela lente, pois se sente impo­tente para tratar do assunto com a mãe da infanta quando esta, em espaço de ape­nas treze anos, tornou-​se mãe e avó.
O norte do Brasil sem­pre teve um grave histórico de explo­ração sex­ual de ado­les­centes. Explo­ração, inclu­sive, que não fica restrita às meni­nas, já tendo moti­vado doc­u­men­tários, a pros­ti­tu­ição dos meni­nos, depois man­da­dos para os grandes cen­tros do país para tra­bal­harem como trav­es­tis. Uma espé­cie de crime duplo con­tra estas cri­anças.
Na rota da pros­ti­tu­ição tem-​se de tudo, desde pais é mães “vendendo” ou ofer­en­cendo os favores sex­u­ais de suas cri­anças ao trá­fico puro e sim­ples e a expor­tação destas para out­ros esta­dos e/​ou out­ros países, onde são explo­radas sex­ual­mente sem qual­quer piedade.
Lem­bro de já ter tratado deste tema tem­pos atrás, sendo este um assunto para as autori­dades poli­ci­ais, que pouco ou quase nada tem feito para estancar essa ver­gonha.
O assunto desta opor­tu­nidade, emb­ora na mesma linha, é de outra natureza.
Esta­mos falando de uma sex­u­al­iza­ção “vol­un­tária” por motivos que vão além da explo­ração sex­ual de cri­anças por moti­vação econômica no mer­cado da pros­ti­tu­ição.
O local onde dis­cu­ti­mos este assunto está dis­tante da rota da pros­ti­tu­ição com­er­cial e é uma região de grande reli­giosi­dade, contando-​se mais de uma igreja para cada grupo de menos de mil pes­soas.
Tanto é assim que no debate que se seguiu os partícipes intuíram sobre as causas de tan­tas ado­les­centes ini­cia­rem a vida sex­ual, apon­taram que estas cri­anças têm no sexo uma forma de “diver­são”, tendo em vista não “terem out­ras coisas a faz­erem”; ou a forma de rece­berem uma renda através dos pro­gra­mas gov­er­na­men­tais como o “Bolsa Família” e out­ros do gênero; e ainda os aspec­tos cul­tur­ais da região.
Observei que, talvez, pela quan­ti­dade de casos, desta natureza, ocor­rendo diari­a­mente, a sociedade, mesmo os edu­cadores, adotem uma certa nat­u­ral­i­dade no trato destas questões.
Acred­ito que qual­quer um saiba que uma cri­ança de doze, treze, qua­torze ou quinze anos, não está apta a uma vida sex­ual e muito menos para exercer as respon­s­abil­i­dades da mater­nidade (não falo pater­nidade, porque, para estes, basta o fazer, o colo­car no mundo).
Acred­ito não ser razoável a cada doze ou treze anos o surg­i­mento de uma nova ger­ação.
Não acho que isto esteja cor­reto, e aqui falo sem fal­sos moral­is­mos.
A infân­cia não é lugar para cri­anças brin­carem “fazendo sexo”, ainda que sem a con­se­quên­cia da gravidez inde­se­jada.
A sex­u­al­i­dades deve sur­gir nat­u­ral­mente e em sin­to­nia com a maturi­dade, o que acon­tece de forma dis­tinta em cada um.
Infe­liz­mente muitos pais acham bonito que suas fil­has ou fil­hos, em ten­ras idades, ao invés de estarem brin­cando com suas bonecas, car­rin­hos, bolas ou lendo seus gibis, já este­jam “namorando”. Cri­ança não namora, não tem maturi­dade para isso. Chega de lou­cura.
As músi­cas e deter­mi­nadas cul­turas dos nos­sos dias trazem como nor­mal a ideia das “nov­in­has”, uma forma de sex­u­alizar cri­anças e ado­les­centes, cujos pais perderam qual­quer noção de deveres para com elas.
O que são as “nov­in­has” que trazem as músi­cas – de gosto duvi­doso –, senão um claro con­vite para que se explore, como se fos­sem mer­cado­ria, estas cri­anças?
Outro dia me atraiu uma polêmica envol­vendo pes­soas do mundo tele­vi­sivo. Um octa­genário apre­sen­ta­dor – uma prova clara de que a falta de ver­gonha não tem idade –, insis­tia, segundo li, em ban­car o cupido de dois de seus fun­cionários, um rapa­zote de 19 para 20 anos e uma menina de 15 anos. Repito, 15 anos.
No imbróglio que se seguiu, pelo que soube, a ado­les­cente foi quem pare­ceu mais adulta, ao refu­tar com veemên­cia o arranjo de caráter ver­gonhoso.
Pior mesmo no episó­dio, só o papel da sociedade e das autori­dades ao terem como nor­mal esse tipo de pro­gra­mação. Como se fosse nor­mal colo­car em rede nacional uma cri­ança de 15 anos para namorar.
Ora, se é nor­mal que se alcovite namoros para uma menina de quinze anos em rede nacional de tele­visão, que inter­pre­tação terá as de dez, onze, doze ou treze anos?
Falta cen­sura? Não creio. Sinto que falta é bom senso, dis­cern­i­mento da real­i­dade do país e uma boa dose de ver­gonha na cara.
Faz tempo que os pais – com as hon­radas exceções –, deixaram de ter respon­s­abil­i­dades para com seus fil­hos, pelo con­trário, entre­garam o papel de edu­car, ori­en­tar ou mesmo encam­in­har suas escol­has, ao encargo do Estado. Os pais dese­jam a cumpli­ci­dade dos fil­hos, querem ser “ami­gos”, pés­si­mos a,Igor por sinal, não os repreen­dendo ou mostrando-​lhes os erros, como se isso não fosse impre­scindível ao seu cresci­mento.
Para com­ple­tar a tragé­dia mais que anun­ci­ada, temos aspec­tos da chamada cul­tura pop a estim­u­lar – até mesmo com dire­ito a pro­gra­mas na TV –, a sex­u­al­iza­ção de cri­anças e ado­les­centes.
Em maior ou menor grau este é um fenô­meno que alcança todo ter­ritório nacional, nos menores ou nos maiores municí­pios, lá estão nos­sas cri­anças sendo empurradas para uma vida adulta pre­coce e para a qual não estão preparadas.
As cam­pan­has, até aqui, empreen­di­das pelas autori­dades são estanques e não voltadas para estraté­gias de enfrenta­mento per­ma­nente, seja na sociedade, nas esco­las, nos lares.
Assim, a sociedade brasileira, com sua omis­são, leniên­cia e per­mis­sivi­dade vai roubando a infân­cia de suas cri­anças e o futuro do nosso país.
Abdon Mar­inho é advogado.

O MIM­IMI SOBRE A ESCOLHA DE TEMER PARA A PGR.

Escrito por Abdon Mar­inho

O MIM­IMI SOBRE A ESCOLHA DE TEMER PARA A PGR.

LAMENTEI, pes­soal­mente, que a escolha do novo procurador-​geral da República não tenha recaído sobre o sub­procu­rador mais votado pela cat­e­go­ria, Nico­lao Dino.

Meu lamento se deve ao fato de con­hecer o Dr. Nico­lao desde os tem­pos em que o mesmo foi meu pro­fes­sor na Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão, e saber de sua cor­reção no trato da coisa púbica, bem como, de sua afa­bil­i­dade no trato com qual­quer pessoa.

Min­has primeiras lições de dire­ito eleitoral foi com ele naque­las man­has de terça com CCSo da UFMA, lá no começo dos anos noventa. Um pro­fes­sor humilde, cor­reto, afável e educado.

Não tenho dúvi­das de que prestaria (como já vem pre­stando) rel­e­vantes serviços a nação brasileira.

Noutra quadra, não deixo de obser­var o quanto nos parece desproposi­tadas as crit­i­cas ao pres­i­dente da República, sen­hor Michel Temer, pela escolha da segunda colo­cada na lista, Dra. Raquel Dodge.

Uns, mais afoitos, falam em rup­tura de uma tradição de treze anos.

Ora, não se pode dizer tradi­cional algo tão novel. Uma tradição pres­supõe algo que já venha de dezenas de anos, quiça cen­te­nas ou mil­hares. Dizer que rompeu-​se algo que só foi apli­cado três ou qua­tro vezes é, ao nosso sen­tir, um absurdo.

Ade­mais, quando se fala em lista trí­plice pres­supõe a liber­dade de se escol­her den­tre quais­quer dos três que inte­graram a mesma.

Aqui mesmo, por ocasião da escolha do procurador-​geral de Justiça estad­ual, o gov­er­nador fez a opção por aquele que não foi o mais votado na lista. Nem por isso o mundo acabou ou isso gerou tanto escândalo.

Vou além, em se tratando de procurador-​geral da República, a Con­sti­tu­ição Fed­eral per­mite ao pres­i­dente faça a escolha mesmo fora de quais­quer lis­tas, é o que diz o §1º, do artigo 128: «§ 1º O Min­istério Público da União tem por chefe o Procurador-​Geral da República, nomeado pelo Pres­i­dente da República den­tre inte­grantes da car­reira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maio­ria abso­luta dos mem­bros do Senado Fed­eral, para mandato de dois anos, per­mi­tida a recondução.”

Assim, qual­quer dos inte­grantes da car­reira, desde que maiores de de trinta e cinco anos e aprova­dos pela maio­ria do Senado Fed­eral, tem legit­im­i­dade para chefiar o Min­istério Público da União.

Outra coisa que acabam por esque­cer, na his­te­ria dos dis­cur­sos poli­ti­za­dos, é que o Min­istério Público da União não é com­posto uni­ca­mente pelo Min­istério Público Fed­eral, quem diz isso é a Con­sti­tu­ição Fed­eral, no mesmo artigo já referido: «I — o Min­istério Público da União, que com­preende: a) o Min­istério Público Fed­eral; b) o Min­istério Público do Tra­balho; c) o Min­istério Público Mil­i­tar; d) o Min­istério Público do Dis­trito Fed­eral e Territórios;»

Nesta dicção, qual­quer um que inte­gre a car­reira do Min­istério Público do Tra­balho, Min­istério Público Mil­i­tar ou Min­istério Público do Dis­trito Fed­eral e Ter­ritórios, além do Min­istério Público Fed­eral, desde que preenchi­dos os req­ui­si­tos da idade supe­rior a trinta e cinco anos e da aprovação pelo Senado Fed­eral, poderá exercer a chefia do Min­istério Público da União. Pronto!

Causa-​me estran­heza que pes­soas cuja a mis­são é fis­calizar a apli­cação das leis não ques­tionem o trata­mento difer­en­ci­ado dado aos out­ros órgãos do min­istério público da união.

Vejo ques­tion­a­men­tos sobre o fato da escolha não ter recaí­dos sobre o primeiro da lista, mas ninguém nunca ques­tio­nou o fato de um procu­rador Mil­i­tar, ou do Tra­balho ou do Dis­trito Fed­eral e Ter­ritórios, ter sido escol­hido para chefiar o Min­istério Público da União.

Aliás, não sabe­mos nem se votam na escolha da tal lista. votam?

Pois é, não par­tic­i­pam, não votam.

Vejam o absurdo: os fis­cais da lei criam dis­tinções que a Con­sti­tu­ição Fed­eral não alberga e todos acham isso normal.

Não vejo amparo con­sti­tu­cional para que o Chefe do Min­istério Público da União que é inte­grado por todos, já referi­dos, seja escol­hido ape­nas pelos – e den­tre – os mem­bros do Min­istério Público Federal.

Sou ten­tado a achar que isso tam­bém faz parte da tradição. A tradição nacional das cas­tas den­tro das cas­tas e todos se achando mais iguais que os demais.

O que me causa mais espanto ainda é que falam em legit­im­i­dade de uma escolha, sabida­mente, ilegí­tima uma vez que deixa de fora os demais mem­bros do Min­istério Público da União, que são trata­dos como se fos­sem de “segunda classe”. Não são.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral os coloca na mesma situ­ação de igual­dade dos procu­radores fed­erais. Não cabe os mem­bros ou suas asso­ci­ações – geral­mente mas pre­ocu­padas com seus cor­po­ra­tivis­mos –, façam esse tipo de dis­tinção que a con­sti­tu­ição não fez, repito.

Os igno­rantes – pois igno­ram o que seja o Min­istério Público da União –, ao invo­carem a uma suposta tradição (?), fazem insin­u­ações desabonado­ras à escol­hida, como se o fato de ter obtido 34 votos a menos que o primeiro colo­cado a desqual­i­fi­casse para o exer­cí­cio da Chefia do Min­istério Público da União. Não a desqual­i­fica. Até porque, a difer­ença de votos que teve a segunda colo­cada (Raquel Dodge) e o ter­ceiro colo­cado (Mario Bon­saglia) em relação ao primeiro colo­cado (Nico­lao Dino) foi de 530 votos.

Mesmo diante de toda ile­git­im­i­dade do processo, como dito acima, até onde sei, 530 votos (os que não que­riam o primeiro) é muito mais que os 34 votos que sep­a­ram a segunda do primeiro.

Por fim, não há que se falar em ile­git­im­i­dade de escolha em tal situ­ação, quando todo o processo de escolha, ao excluir os demais inte­grantes do Min­istério Público da União é, ao meu sen­tir, ilegítimo.

O bizarro de tudo isso é que a polit­i­calha que envolve o país, impede, mesmo aque­les que ficam dias e noites se dizendo defen­sores da igual­dade de género e do “empodera­mento» fem­i­nino, recon­hecerem e lou­varem as qual­i­fi­cações téc­ni­cas da escol­hida pelo pres­i­dente e ao fato de se está escol­hendo, pela primeira vez na his­to­ria do país, uma mul­her para ele­vada mis­são de chefiar o Min­istério Público da União.

É difí­cil enten­der essa turma.

Abdon Mar­inho é advogado.