O ESTADO, LUISLINDA, A AMMA E OS PENDURICALHOS.
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- Criado: Sábado, 11 Novembro 2017 19:46
- Escrito por Abdon Marinho
O ESTADO, LUISLINDA, A AMMA E OS PENDURICALHOS.
HÁ um tempo passou na televisão mais de um reportagem sobre os parlamentos ao redor do mundo, suas vantagens, as remunerações dos seus agentes políticos, o que tinham direito o que não tinham.
Se não falha a memória passou, também, uma reportagem específica sobre o parlamento sueco, onde suas excelências dividiam a lavanderia e lavavam suas próprias roupas.
Aqueles que não tiveram a oportunidade de assistir, sugiro que façam uma pesquisa nos canais da internet. Os que assistiram deveriam fazê-lo novamente.
Embora o caso da Suécia seja um modelo ideal, acho importante que tenhamos conhecimento que as coisas no Brasil é que estão fora de ordem.
Não é de hoje – já se vão vinte anos –, que bato na tecla de que o país precisa de uma reforma estrutural, uma reforma do nosso modelo de Estado que obrigue os agentes políticos a um uso racional dos recursos públicos, ou seja, do nosso dinheiro uma vez que pois passamos quase seis meses do ano trabalhando só para pagar tributos, não é justo, portanto, que estes tributos sejam empregados em mordomias diversas, em penduricalhos sem qualquer sentido.
As elites brasileiras sempre se acharam merecedoras de viverem no fausto, de gozarem férias intermináveis, pontos facultativos indecorosos, possuirem uma enormidade de assessores, ajudas disso, daquilo e daquilo mais, sem se preocupar em saber de onde vem o dinheiro que paga a conta. Ou, sabendo, achando-se merecedora de mais benesses que os demais brasileiros.
Não acredito que haja no mundo uma nação que gaste tanto com a máquina pública quanto o Brasil. São gastos desnecessários, mas que os beneficiados por eles acham pouco e querem sempre mais.
Segundo uma visão distorcida, esse é o preço que os cidadãos devemos pagar por vivermos numa democracia. Acreditam, provavelmente, que a Suécia, só para citar um exemplo, vive longe da democracia uma vez que lá os vereadores e deputados estaduais não são remunerados e os integrantes do parlamento ganham cerca de R$ 13 mil reais, sem direito a assessores, motoristas, carros oficiais, passagens aéreas, moram em imóveis funcionais de 40 ou 50 metros quadrados e lavam a própria roupa.
A visão que esta elite tem é que o Estado deve prover essas mordomias. E, ainda aqueles alcançaram o sucesso graças ao próprio esforço, como a aprovação em concurso para um cargo público, passam a se acharem credora da sociedade e não empregados da mesma.
Por estes dias tivemos exemplos cristalinos disso.
O primeiro, a ministra de Estado Luislinda Valois, que requereu ganhar o dobro do teto do serviço público – já elevado, cerca de R$ 33 mil reais, se comparado ao salário-mínimo nacional –, vez que como desembargadora aposentada já recebe o teto e estaria recebendo verba irrisória pelo cargo de ministra. Na sua visão, o recebimento de R$ 3 mil, pelo exercício do cargo de ministra equivaleria a “trabalho escravo”.
O caso da ministra Valois é emblemático pois ela possui uma história extraordinária de quem venceu inúmeras dificuldades para chegar onde chegou. Não é todo dia que vemos uma mulher, negra, de origem humilde chegar a juíza, depois desembargadora e agora ministra de Estado, no nosso país. Casos assim são exceções.
Daí o fato de ser emblemático, a ministra ao requerer um ganho já superior ao que ganha a larga maioria dos cidadãos brasileiros, negou a própria origem e passou a integrar ou achar-se como integrante de uma elite que se pretende melhor que a maior parte dos cidadãos brasileiros.
O segundo, em sentido inverso, foi a renúncia do juiz Roberto de Paula a uma série de «penduricalhos» que compõe e eleva os salários dos magistrados.
A decisão, inédita, como era de se esperar, atraiu a ira da associação dos magistrados que enxergou hipocrisia na inciativa do associado.
O posicionamento do presidente da associação e de tantos outros que não compreenderam a atitude do magistrado é fruto, por óbvio, do desconhecimento de sua história. Quem o conhece, há mais tempo é sabedor que estes “penduricalhos» nos contracheques dos magistrados – e de tantas categorias –, era algo que o incomodava.
Acredito que ultimas “novidades”, neste sentido, aprovadas pelo colegiado do Tribunal de Justiça do Maranhão, era o que faltava para que fizesse a opção de renunciar a todas elas, ainda que contrariando muitos dos colegas e amigos que não vêem nada demais em auferi-las.
Ora, o que o Judiciário nacional tem feito, diante do silêncio de todos, inclusive do Ministério Público e Tribunal de Contas da União e dos estados, é seguir o roteiro traçado desde muito tempo pelos outros poderes: criar formas de melhorar as remunerações dos seus membros através de auxílios diversos, contrariando ou não o mandamento constitucional de que a remuneração deva ocorrer em subsídio de parcela única, vedado acréscimos de quaisquer natureza.
Chego a pensar que se ninguém, nem do Ministério Público, nem dos órgãos de contas, das diversas controladorias, se deram conta que estes “penduricalhos» estavam ou estão errados, certamente é porque estão certos.
Se não, qual a razão de tão ensurdecedor silêncio?
Vou além para dizer que certamente estas vantagens não estariam em confronto com a Constituição da República uma vez que ninguém nunca se deu conta disso sendo tão sábios.
Se não, estariam acima da constituição estes dignatários da República?
O que sei, entretanto, é que mesmo que houvesse uma recomendação expressa na Carta Constitucional para que os recursos públicos fossem gastos da forma como os vem sendo (em mordomias, penduricalhos e tantas coisas mais), ainda assim, não estaria certo.
Não estaria correto porque os recursos públicos sobretudo num país como o nosso, repleto de desigualdades, deve ser gasto com parcimônia e critério – e, em benefício da sociedade. Não faz sentindo possuirmos uma ou mais castas, que se achem no direito ou mais merecedora os demais cidadãos.
Os agentes políticos e servidores públicos precisam entender que quando se candidatam ou são investido, por concurso ou nomeação, em um cargo público lá estão para servir ao público, a sociedade e não para servir-se dos recursos da nação.
Claro que não se está pretendendo que sirva a nação gratuitamente ou em trabalho “escravo» como alegou a ministra Luislinda Valois, mas, mediante uma remuneração justa que não ofenda, com os excessos, o conjunto da sociedade, que não sejam benefícios aos quais, nem em sonhos, os pagadores de impostos alcançam.
Estes agentes e servidores público precisam compreender o real sentido de servir ao público.
São conceitos que transcendem a legalidade. Vai muito além, tem mais com justiça, solidariedade, bom senso.
Ao se perderem na discussão sobre hipocrisia, ganho pouco, trabalho escravo e outras coisas mais, esquecem o fundamental, que é a distorção do que seja o Estado.
Abdon Marinho é advogado.
Comentários
Essa ideia de remuneração em subsídio de parcela única, vedado acréscimos de quaisquer natureza, foi tentada aqui no Estado em 2007 (governo Jackson). Os servidores de remuneração robusta em razão dos ditos penduricalhos foram à guerra e fizeram valer «seus» direitos junto ao STF (leia-se Eros Graus).