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RIO DE LÁGRIMAS.

Escrito por Abdon Mar­inho

RIO DE LÁGRIMAS.

NUNCA uma metá­fora fez tanto sen­tido quanto esta que refere-​se ao Rio de Janeiro como um rio de lágrimas.

No hor­rip­i­lante cenário de absur­dos que tomou conta da cidade (e do estado) não há quem não lem­bre de uma tragé­dia que tenha lhe des­per­tado a atenção com mais inten­si­dade – isso inde­pen­dente de ser o cidadão do próprio estado ou não.

Ape­nas neste mês, em con­ver­sas com ami­gos, um dizia que lhe chamara atenção fora um assalto “ao vivo” de uma sen­hora em pleno calçadão, com dezenas transe­untes indifer­entes. Um outro disse-​me que lhe inco­modou as ima­gens da sen­hora grávida sendo atro­pelada, enquanto o marido era esfaque­ado, isso tudo na pre­sença de um filho de dez anos de idade.

Estas e tan­tas out­ras, são situ­ações que chamam a atenção pelo absurdo, pela gra­tu­idade de vio­lên­cia, pela falta de sen­ti­mento de humanidade.

Out­rora se dizia que lugar mais seguro que pode­ria exi­s­tir para uma pes­soa era a bar­riga da mãe. Esta ver­dade, quase abso­luta, a povoar o imag­inário mundial, deixou de fazer sen­tido quando trans­portada para o Rio de Janeiro. Afora a cri­ança que não chegou a nascer por conta do atro­pela­mento da mãe, poucos dias antes do ocor­rido foi a vez de um bebê ser atingido por “bala per­dida” ainda na bar­riga da mãe.

Este pequeno brasileiro, chamado Arthur, ao menos con­seguiu nascer, e recupera-​se dos fer­i­men­tos, que torce­mos, não lhe traga maiores seque­las, como se imag­i­nou logo após o fato.

O pequeno Arthur nasceu e já com­pro­vou o quanto a leg­is­lação brasileira é falha na pro­teção dos seus cidadãos, aliás ele é a prova viva disso, o segundo artigo do Estatuto Civil pátrio esta­b­elece: “Art. 2º A per­son­al­i­dade civil da pes­soa começa do nasci­mento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a con­cepção, os dire­itos do nascituro.”

Vejam, antes de Arthur adquirir sua per­son­al­i­dade civil, que só começaria com o seu nasci­mento, o país, a nação brasileira, já lhe negava seus direitos.

A lei, difer­ente do prometido não pôs a salvo seus dire­itos, prin­ci­pal­mente, o mais ele­men­tar deles: o dire­ito à segurança.

A situ­ação deste bebê talvez seja ape­nas a mais emblemática, mas a real­i­dade é dramática para todos, sobre­tudo para os mais frágeis, como cri­anças, vel­hos, defi­cientes, pes­soas que não têm como fugir de tan­tos desre­speito aos seus dire­itos mais elementares.

Quase todos os dias, mil­hares de cri­anças têm revo­gado o seu dire­ito sagrado à edu­cação. Comuns são os “toques de recol­her” dec­re­ta­dos por ban­di­dos; não raros são cri­anças serem reti­radas das salas de aula para ficarem amon­toadas nos corre­dores e, assim, fugirem de alguma bala per­dida dos rotineiros tiroteios, entre a ban­didagem e a Poli­cia ou ape­nas entre os primeiros por espaços de poder na hier­ar­quia do crime.

Isso, sem con­tar que já chegam às esco­las, muitas vezes, trauma­ti­zadas pelos tiroteios ocor­ri­dos durante a noite e que lhes roubou o sono.

Tem que ser assim? Só este ano, inúmeras foram as víti­mas de “bala per­dida”, que, ape­sar do nome, sem­pre acaba achando uma vida para dá cabo.

Uma estatís­tica informa a pop­u­lação, já aneste­si­ada pelo medo, que ocor­rem na cidade uma média de quinze tiroteios por dia. Talvez a Síria ou o Iraque não reg­istrem tantos.

Não bas­tassem os tiroteios que, dia e noite, reme­tem a cidade a uma rotina de guerra civil, há a vio­lên­cia no “mano a mano”, como daquela, e tan­tas out­ras moças, que são assaltadas diari­a­mente, à luz do dia, não sendo raros os que per­dem a vida em tais ações crim­i­nosas, como um garoto de quinze anos que levou um tiro na testa por não ter dado um celu­lar na hora que o ban­dido pediu ou, dos tan­tos out­ros, que per­dem a vida ou são esfaque­a­dos, por um cordão, um celu­lar, uma bicicleta.

No inter­esse do crime as prin­ci­pais vias do estado são “fecha­dos» por ban­di­dos, que fazem arrastões e neles ferem, matam, tiram vidas.

Não restam dúvi­das que as autori­dades são ou estão inca­pazes de apre­sen­tar soluções, sobre­tudo, de curto prazo, para tan­tos problemas.

O gov­erno estad­ual não con­segue, sequer, pagar em dia a folha do pes­soal ativo e dos aposen­ta­dos. Estes últi­mos, já cansa­dos pelos anos, pade­cem mais ainda. A humil­hação a que são sub­meti­dos corta o coração ver suas lágri­mas ao não con­seguirem hon­rar com seus com­pro­mis­sos rotineiros, como pagar suas con­tas de aluguel, água, luz, tele­fone, com­prar os medica­men­tos de uso con­tínuo ou mesmo a alimentação.

Situ­ação que não é difer­ente daquela que vivem os servi­dores da ativa, com meses de salários atrasa­dos e que tendo de recor­rer a cari­dade alheia para, após horas a fio, rece­berem uma cesta básica.

E, se falta recur­sos para paga­mento da folha de pes­soal e aposen­ta­dos , é porque desde muito já fal­tam recur­sos para out­ras ativi­dades bási­cas do estado, como edu­cação, saúde e segu­rança pública.

Sim, a segu­rança pública que tem sido negada à pop­u­lação de uma maneira geral e aos mais frágeis em espe­cial, é o primeiro direto. As pes­soas pre­cisam, primeiro estarem vivas para usufruírem os demais direitos.

Como aumen­tar o quan­ti­ta­tivo de poli­ci­ais nas ruas se não podem pagar os salários? Se não pos­suem recur­sos para colo­car as viat­uras para rodar ou dar manutenção as mesmas?

Ora, se não con­seguem, num momento tão agudo, exercer uma política de repressão à crim­i­nal­i­dade, menos ainda terão condições de implan­tar políti­cas públi­cas que visem o com­bate ao crime no médio e longo prazo.

No nível de aban­dono que o Estado do Rio de Janeiro (e sua prin­ci­pal cidade) chegaram, não sei se a solução da inter­venção – a única que parece viável no momento –, resolveria.

A sucessão de equívo­cos políti­cos no Rio de Janeiro, com gov­er­nantes desprepara­dos, cor­rup­tos ou os dois jun­tos, não é recente, vem desde os anos setenta, mais não resta dúvi­das que nos últi­mos anos o quadro de descal­abro só se agravou e con­t­a­minou toda malha estatal.

Se antes tín­hamos tumores can­cerígenos setor­iza­dos, hoje é como se estes estivessem e metás­tases em todo o corpo.

Dúvi­das tam­bém não exis­tem de que a cor­rupção que tomou de conta do estado nos últi­mos anos é um fator que con­tribui larga­mente com o descal­abro atual.

Os números da cor­rupção do gov­erno Sér­gio Cabral, aquele que está preso e responde já a mais de uma dúzia de ações penais, é algo assom­broso. Ele, e muitos de sua equipe, segundo se sabe agora, tin­ham mais pre­ocu­pação em roubar, desviar, rece­ber propinas, que gov­ernar o estado, realizar políti­cas públi­cas, devolver ao con­tribuinte seus impos­tos em forma de serviços comuns.

O din­heiro que afa­naram e a ener­gia que gas­taram em tais ofí­cios, fiz­eram falta e hoje se rev­ela o legado de aban­dono, daquela que já foi a prin­ci­pal unidade da fed­er­ação e cartão postal do Brasil.

Abdon Mar­inho é advogado.

LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

Escrito por Abdon Mar­inho

LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

UM dos bor­dões mais fes­te­ja­dos nos tem­pos do gov­erno Lula e que, prati­ca­mente, se fazia pre­sente em todos os dis­cur­sos do ex-​presidente, dizia: “nunca antes na história deste país …”. Seguido desta ou daquele fato que, muitas vezes, nem tinha o seu gov­erno, ou sua ini­cia­tiva como precursora.

Hoje, numa daque­las iro­nias que só a história pode pro­por­cionar, o ex-​presidente tornou-​se sujeito é objeto do seu próprio bor­dão: nunca antes na história deste país um ex-​presidente foi con­de­nado por corrupção.

Desta vez, não se trata de mero exer­cí­cio de retórica a reforçar feitos, muitas vezes imag­inários, pela primeira na história do país temos um ex-​presidente con­de­nado por cor­rupção pas­siva, lavagem de din­heiro, com uma pena que quase chega a uma década, proibição de ocu­par car­gos públi­cos por quase uma década.

Este é um fato histórico, inde­pen­dente do venha acon­te­cer em seguida, a página da história já foi escrita.

O infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio que abateu-​se sobre o ex-​presidente não seria difer­ente. Se noutros casos ou situ­ações, fico indifer­ente, no pre­sente caso, não deixo de sen­tir pena. Não o pesar pela pes­soa, mas por toda a situ­ação, pelas decepções que o fato causa e provoca em muitas pes­soas boas; pesar pela deses­per­ança que tal con­de­nação provoca.

Entre­tanto, qual­quer pes­soa min­i­ma­mente infor­mada sobre os fatos rela­ciona­dos ao processo que cul­mi­nou com essa primeira con­de­nação do ex-​presidente, sabia e/​ou sabe que, de fato, o imóvel era do sen­hor ex-​presidente.

O fato era público, notório e já tinha, até, sido noti­ci­ado por veícu­los da mídia.

Todos sabiam.

O porteiro disse isso em seu depoi­mento; os moradores ouvi­dos dis­seram isso nas entre­vis­tas que deram; as profis­sion­ais que tra­bal­haram na reforma do imóvel dis­seram isso e, tam­bém, os exec­u­tivos da empresa con­fes­saram que o imóvel era, mesmo, objeto de propina ao ex-​presidente.

Repito: o fato era público.

Os cor­re­tores ao ofer­e­ce­ram unidades do edifí­cio Solaris, “ven­diam”, tam­bém, o fato de que os futuros adquirentes teriam como viz­in­hos a família Lula da Silva.

O sen­hor Leo Pin­heiro, con­de­nado junto com o ex-​presidente no processo, foi tax­a­tivo ao afir­mar que, desde que sua empresa assumiu as obras – tam­bém uma forma de livrar a cara dos ex-​dirigentes da Ban­coop, que desviaram os recur­sos da con­strução dos pré­dios para cam­pan­has políti­cas do Par­tido dos Tra­bal­hadores –, fora avisado que aquele imóvel estava des­ti­nado ao ex-​presidente e sua família.

Não pre­cisavam sequer diz­erem isso nada.

O bom senso não sus­cita maiores indagações.

Quem com­pra imóvel sabe como estas con­stru­toras os entregam. Nem piso colocam.

Quem já viu con­stru­tora entre­gar imóvel todo refor­mado, “ao gosto do freguês”, com dire­ito à móveis pro­je­ta­dos, ele­vador pri­v­a­tivo, coz­inha de alto padrão?

Quem já viu faz­erem gas­tos adi­cionais supe­ri­ores ao próprio valor do imóvel?

Registre-​se que ape­nas uma unidade de todo o con­junto teve isso.

O bom senso já indi­cava que era para aten­der alguém muito impor­tante. E isso con­fir­mava o que diziam todos. As vis­i­tas da ex-​primeira-​dama, fil­hos e mesmo do ex-​presidente, reforçava o sen­ti­mento geral.

A questão posta não era saber se o ex-​presidente era inocente ou não. Essa situ­ação já estava esclare­cida pela clareza da realidade.

O que se dis­cu­tia era se os acu­sadores con­seguiriam provar as imputações feitas: que o ex-​presidente rece­bera o aparta­mento como acerto de propina, se a sun­tu­osa reforma fazia parte do pacote e se estavam, tam­bém, através do imóvel, lavando dinheiro.

A sen­tença do juiz Moro esclare­ceu essas questões: há sim, segundo ele, provas cabais das imputações ofer­e­ci­das pelo Min­istério Público. Provas capazes de fun­da­men­tar a condenação.

Ocupei-​me da leitura da sen­tença e ao longo de 218 pági­nas – acho que um recorde –, o mag­istrado anal­isa os argu­men­tos da acusação e da defesa; exam­ina depoi­men­tos e provas e forma sua convicção.

O decreto con­de­natório tem fun­da­men­tos con­tun­dentes e didáti­cos – difer­ente do que vimos noutros casos –, não se trata de uma con­de­nação baseada em duvi­dosas e mod­er­nosas teses jurídi­cas. Há, sim, o exame de um acervo pro­batório, como e-​mails, men­sagens, perí­cias, fotografias, doc­u­men­tos e depoi­men­tos cor­rob­o­rando com todos eles e for­mando um con­junto provas consistente.

Sim, há, tam­bém, a con­fis­são de parte dos impli­ca­dos a coroar tudo.

Aque­les que acusam o juiz de ter con­de­nado o ex-​presidente sem provas, acred­ito que não leram, com a dev­ida acuidade, os ter­mos da sen­tença. Ou, noutra quadra, como o fazem, desde o iní­cio do processo, ten­tam refu­tar argu­men­tos jurídi­cos com uma argu­men­tação política.

Logo que foi divul­gada a sen­tença assisti depoi­men­tos de inúmeros ali­a­dos do ex-​presidente batendo nesta tecla: de par­cial­i­dade do jul­gador e da falta de provas para fun­da­men­tar a condenação.

Ora, àquela altura, pouco depois da divul­gação da sen­tença, cer­ta­mente nen­hum deles tin­ham tido tempo hábil para leitura de toda sen­tença e faziam um dis­curso mera­mente político e ensaiado.

Na mesma linha foram as notas do par­tido do con­de­nado e dos seus satélites. Não leram ou não são capazes de refu­tar a fun­da­men­tação da sentença.

Como sabiam que a sen­tença não estaria fun­da­men­tada? O que não é verdade.

Mod­esta­mente, entendo, que ao enveredarem uni­ca­mente pelo dis­curso político, sem enfrentarem os fatos cola­ciona­dos na sen­tença, não terão muito êxito nas instân­cias supe­ri­ores, con­forme prom­e­teram. Pelo con­trário, podem con­tribuir para agravarem a situ­ação do condenado.

Mas, talvez, só lhes restem isso. Sabedores que não terão como refu­tar os argu­men­tos que moti­varam a con­de­nação, ten­tem tumul­tuar ou afrontar as insti­tu­ições nacionais com ape­los políticos.

Então é líc­ito rece­ber propina? Con­ceder favores a ter­ceiros com recur­sos públi­cos? É isso que defen­dem? O ex-​presidente pos­sui, por ter sido um gestor pop­u­lar, imu­nidade para roubar, rece­ber propinas?

Segundo ouvi, prom­e­tem ir até a ONU. Sem con­tar a pro­moção de atos políti­cos em defesa da impunidade para o ex-​presidente. Defend­erão a insti­tu­cional­iza­ção da cor­rupção como prática aceitável?

Será que não con­fiam nas instân­cias judi­ciárias do Brasil? Ou será que pre­ten­dem constrangê-​las na defesa de suas teses exdrúxulas?

No fundo, talvez, achem que o con­de­nado tem todo o dire­ito de rece­ber propinas de empre­sas nacionais em troca de favorec­i­men­tos. Afi­nal, o que é um sítio? um aparta­mento? Palestras bem remu­ner­adas? Con­tas sec­re­tas em nome de ter­ceiros para usar ao bel prazer? Todos não já fiz­eram isso? Argumentam.

Lula tam­bém pode. Aliás, deve.

Com mais de setenta anos, ainda que a sen­tença seja con­fir­mada ou agravada em segunda instân­cia, é bem provável que o ex-​presidente nunca cumpra um dia de pena. Em se tratando dele é capaz que o per­mita recor­rer a todas instân­cias da Justiça brasileira e mesmo aos órgãos mul­ti­lat­erais, longe do inferno do sis­tema pri­sional brasileiro.

Isso faz parte da sina. O Brasil por mais que tente ser uma nação onde todos são iguais per­ante a lei, sem­pre tem os que são mais iguais que os demais.

A estes tudo é permitido.

Em todo caso, tudo isso é muito triste. Temos um ex-​presidente, o primeiro líder pop­u­lar a ocu­par o cargo máx­imo da nação, um homem capaz, ainda hoje, de mobi­lizar mul­ti­dões, enredado e con­de­nado num escân­dalo de cor­rupção e lavagem de din­heiro. Nunca antes na história deste país se tinha acontecido.

O Brasil não mere­cia isso.

Abdon Mar­inho é advogado.

A TRAGÉ­DIA DAS MENINAS.

Escrito por Abdon Mar­inho

A TRAGÉ­DIA DAS MENI­NAS.
UM ASSUNTO vem marte­lando minha cabeça por estes dias, emb­ora não saiba, ainda, qual a mel­hor forma de trazê-​lo à dis­cussão sem pare­cer que quero dar lição de moral ou revelar-​me como uma espé­cie de falso moral­ista desconec­tado das coisas dos nos­sos dias.
Vamos a ele.
Numa de min­has incursões pelo norte do estado reuni-​me com um sindi­cato de pro­fes­sores para tratar de assun­tos rel­a­tivos à pauta do dia a dia. Ao fim da reunião, esgo­ta­dos os assun­tos objeto da mesma, uma pro­fes­sora trouxe uma infor­mação que me deixou pre­ocu­pado.
Ela, pro­fes­sora, chamou a atenção para o número ele­vado de meni­nas grávi­das. E quando falamos meni­nas, esta­mos falando de pes­soas na faixa de doze, treze anos.
O assunto trazido pela pro­fes­sora motivou um pro­longa­mento da reunião para dis­cu­tir o tema, com out­ros pro­fes­sores tam­bém expondo suas exper­iên­cias com situ­ações idên­ti­cas.
A mesma pro­fes­sora que trouxe o tema, nar­rou que fora pro­fes­sora da mãe da ado­les­cente grávida e que esta, por sua vez, ficara grávida na ado­lescên­cia, na mesma faixa de doze para treze anos.
Ora, temos, no espaço de um quarto de século, a for­mação (equiv­o­cada) de duas ger­ações. Trata-​se um fato grave, con­forme lev­an­tado pela lente, pois se sente impo­tente para tratar do assunto com a mãe da infanta quando esta, em espaço de ape­nas treze anos, tornou-​se mãe e avó.
O norte do Brasil sem­pre teve um grave histórico de explo­ração sex­ual de ado­les­centes. Explo­ração, inclu­sive, que não fica restrita às meni­nas, já tendo moti­vado doc­u­men­tários, a pros­ti­tu­ição dos meni­nos, depois man­da­dos para os grandes cen­tros do país para tra­bal­harem como trav­es­tis. Uma espé­cie de crime duplo con­tra estas cri­anças.
Na rota da pros­ti­tu­ição tem-​se de tudo, desde pais é mães “vendendo” ou ofer­en­cendo os favores sex­u­ais de suas cri­anças ao trá­fico puro e sim­ples e a expor­tação destas para out­ros esta­dos e/​ou out­ros países, onde são explo­radas sex­ual­mente sem qual­quer piedade.
Lem­bro de já ter tratado deste tema tem­pos atrás, sendo este um assunto para as autori­dades poli­ci­ais, que pouco ou quase nada tem feito para estancar essa ver­gonha.
O assunto desta opor­tu­nidade, emb­ora na mesma linha, é de outra natureza.
Esta­mos falando de uma sex­u­al­iza­ção “vol­un­tária” por motivos que vão além da explo­ração sex­ual de cri­anças por moti­vação econômica no mer­cado da pros­ti­tu­ição.
O local onde dis­cu­ti­mos este assunto está dis­tante da rota da pros­ti­tu­ição com­er­cial e é uma região de grande reli­giosi­dade, contando-​se mais de uma igreja para cada grupo de menos de mil pes­soas.
Tanto é assim que no debate que se seguiu os partícipes intuíram sobre as causas de tan­tas ado­les­centes ini­cia­rem a vida sex­ual, apon­taram que estas cri­anças têm no sexo uma forma de “diver­são”, tendo em vista não “terem out­ras coisas a faz­erem”; ou a forma de rece­berem uma renda através dos pro­gra­mas gov­er­na­men­tais como o “Bolsa Família” e out­ros do gênero; e ainda os aspec­tos cul­tur­ais da região.
Observei que, talvez, pela quan­ti­dade de casos, desta natureza, ocor­rendo diari­a­mente, a sociedade, mesmo os edu­cadores, adotem uma certa nat­u­ral­i­dade no trato destas questões.
Acred­ito que qual­quer um saiba que uma cri­ança de doze, treze, qua­torze ou quinze anos, não está apta a uma vida sex­ual e muito menos para exercer as respon­s­abil­i­dades da mater­nidade (não falo pater­nidade, porque, para estes, basta o fazer, o colo­car no mundo).
Acred­ito não ser razoável a cada doze ou treze anos o surg­i­mento de uma nova ger­ação.
Não acho que isto esteja cor­reto, e aqui falo sem fal­sos moral­is­mos.
A infân­cia não é lugar para cri­anças brin­carem “fazendo sexo”, ainda que sem a con­se­quên­cia da gravidez inde­se­jada.
A sex­u­al­i­dades deve sur­gir nat­u­ral­mente e em sin­to­nia com a maturi­dade, o que acon­tece de forma dis­tinta em cada um.
Infe­liz­mente muitos pais acham bonito que suas fil­has ou fil­hos, em ten­ras idades, ao invés de estarem brin­cando com suas bonecas, car­rin­hos, bolas ou lendo seus gibis, já este­jam “namorando”. Cri­ança não namora, não tem maturi­dade para isso. Chega de lou­cura.
As músi­cas e deter­mi­nadas cul­turas dos nos­sos dias trazem como nor­mal a ideia das “nov­in­has”, uma forma de sex­u­alizar cri­anças e ado­les­centes, cujos pais perderam qual­quer noção de deveres para com elas.
O que são as “nov­in­has” que trazem as músi­cas – de gosto duvi­doso –, senão um claro con­vite para que se explore, como se fos­sem mer­cado­ria, estas cri­anças?
Outro dia me atraiu uma polêmica envol­vendo pes­soas do mundo tele­vi­sivo. Um octa­genário apre­sen­ta­dor – uma prova clara de que a falta de ver­gonha não tem idade –, insis­tia, segundo li, em ban­car o cupido de dois de seus fun­cionários, um rapa­zote de 19 para 20 anos e uma menina de 15 anos. Repito, 15 anos.
No imbróglio que se seguiu, pelo que soube, a ado­les­cente foi quem pare­ceu mais adulta, ao refu­tar com veemên­cia o arranjo de caráter ver­gonhoso.
Pior mesmo no episó­dio, só o papel da sociedade e das autori­dades ao terem como nor­mal esse tipo de pro­gra­mação. Como se fosse nor­mal colo­car em rede nacional uma cri­ança de 15 anos para namorar.
Ora, se é nor­mal que se alcovite namoros para uma menina de quinze anos em rede nacional de tele­visão, que inter­pre­tação terá as de dez, onze, doze ou treze anos?
Falta cen­sura? Não creio. Sinto que falta é bom senso, dis­cern­i­mento da real­i­dade do país e uma boa dose de ver­gonha na cara.
Faz tempo que os pais – com as hon­radas exceções –, deixaram de ter respon­s­abil­i­dades para com seus fil­hos, pelo con­trário, entre­garam o papel de edu­car, ori­en­tar ou mesmo encam­in­har suas escol­has, ao encargo do Estado. Os pais dese­jam a cumpli­ci­dade dos fil­hos, querem ser “ami­gos”, pés­si­mos a,Igor por sinal, não os repreen­dendo ou mostrando-​lhes os erros, como se isso não fosse impre­scindível ao seu cresci­mento.
Para com­ple­tar a tragé­dia mais que anun­ci­ada, temos aspec­tos da chamada cul­tura pop a estim­u­lar – até mesmo com dire­ito a pro­gra­mas na TV –, a sex­u­al­iza­ção de cri­anças e ado­les­centes.
Em maior ou menor grau este é um fenô­meno que alcança todo ter­ritório nacional, nos menores ou nos maiores municí­pios, lá estão nos­sas cri­anças sendo empurradas para uma vida adulta pre­coce e para a qual não estão preparadas.
As cam­pan­has, até aqui, empreen­di­das pelas autori­dades são estanques e não voltadas para estraté­gias de enfrenta­mento per­ma­nente, seja na sociedade, nas esco­las, nos lares.
Assim, a sociedade brasileira, com sua omis­são, leniên­cia e per­mis­sivi­dade vai roubando a infân­cia de suas cri­anças e o futuro do nosso país.
Abdon Mar­inho é advogado.