AbdonMarinho - LUÍS INÁCIO, 71, CONDENADO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

LUÍS INÁ­CIO, 71, CONDENADO.

UM dos bor­dões mais fes­te­ja­dos nos tem­pos do gov­erno Lula e que, prati­ca­mente, se fazia pre­sente em todos os dis­cur­sos do ex-​presidente, dizia: “nunca antes na história deste país …”. Seguido desta ou daquele fato que, muitas vezes, nem tinha o seu gov­erno, ou sua ini­cia­tiva como precursora.

Hoje, numa daque­las iro­nias que só a história pode pro­por­cionar, o ex-​presidente tornou-​se sujeito é objeto do seu próprio bor­dão: nunca antes na história deste país um ex-​presidente foi con­de­nado por corrupção.

Desta vez, não se trata de mero exer­cí­cio de retórica a reforçar feitos, muitas vezes imag­inários, pela primeira na história do país temos um ex-​presidente con­de­nado por cor­rupção pas­siva, lavagem de din­heiro, com uma pena que quase chega a uma década, proibição de ocu­par car­gos públi­cos por quase uma década.

Este é um fato histórico, inde­pen­dente do venha acon­te­cer em seguida, a página da história já foi escrita.

O infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio que abateu-​se sobre o ex-​presidente não seria difer­ente. Se noutros casos ou situ­ações, fico indifer­ente, no pre­sente caso, não deixo de sen­tir pena. Não o pesar pela pes­soa, mas por toda a situ­ação, pelas decepções que o fato causa e provoca em muitas pes­soas boas; pesar pela deses­per­ança que tal con­de­nação provoca.

Entre­tanto, qual­quer pes­soa min­i­ma­mente infor­mada sobre os fatos rela­ciona­dos ao processo que cul­mi­nou com essa primeira con­de­nação do ex-​presidente, sabia e/​ou sabe que, de fato, o imóvel era do sen­hor ex-​presidente.

O fato era público, notório e já tinha, até, sido noti­ci­ado por veícu­los da mídia.

Todos sabiam.

O porteiro disse isso em seu depoi­mento; os moradores ouvi­dos dis­seram isso nas entre­vis­tas que deram; as profis­sion­ais que tra­bal­haram na reforma do imóvel dis­seram isso e, tam­bém, os exec­u­tivos da empresa con­fes­saram que o imóvel era, mesmo, objeto de propina ao ex-​presidente.

Repito: o fato era público.

Os cor­re­tores ao ofer­e­ce­ram unidades do edifí­cio Solaris, “ven­diam”, tam­bém, o fato de que os futuros adquirentes teriam como viz­in­hos a família Lula da Silva.

O sen­hor Leo Pin­heiro, con­de­nado junto com o ex-​presidente no processo, foi tax­a­tivo ao afir­mar que, desde que sua empresa assumiu as obras – tam­bém uma forma de livrar a cara dos ex-​dirigentes da Ban­coop, que desviaram os recur­sos da con­strução dos pré­dios para cam­pan­has políti­cas do Par­tido dos Tra­bal­hadores –, fora avisado que aquele imóvel estava des­ti­nado ao ex-​presidente e sua família.

Não pre­cisavam sequer diz­erem isso nada.

O bom senso não sus­cita maiores indagações.

Quem com­pra imóvel sabe como estas con­stru­toras os entregam. Nem piso colocam.

Quem já viu con­stru­tora entre­gar imóvel todo refor­mado, “ao gosto do freguês”, com dire­ito à móveis pro­je­ta­dos, ele­vador pri­v­a­tivo, coz­inha de alto padrão?

Quem já viu faz­erem gas­tos adi­cionais supe­ri­ores ao próprio valor do imóvel?

Registre-​se que ape­nas uma unidade de todo o con­junto teve isso.

O bom senso já indi­cava que era para aten­der alguém muito impor­tante. E isso con­fir­mava o que diziam todos. As vis­i­tas da ex-​primeira-​dama, fil­hos e mesmo do ex-​presidente, reforçava o sen­ti­mento geral.

A questão posta não era saber se o ex-​presidente era inocente ou não. Essa situ­ação já estava esclare­cida pela clareza da realidade.

O que se dis­cu­tia era se os acu­sadores con­seguiriam provar as imputações feitas: que o ex-​presidente rece­bera o aparta­mento como acerto de propina, se a sun­tu­osa reforma fazia parte do pacote e se estavam, tam­bém, através do imóvel, lavando dinheiro.

A sen­tença do juiz Moro esclare­ceu essas questões: há sim, segundo ele, provas cabais das imputações ofer­e­ci­das pelo Min­istério Público. Provas capazes de fun­da­men­tar a condenação.

Ocupei-​me da leitura da sen­tença e ao longo de 218 pági­nas – acho que um recorde –, o mag­istrado anal­isa os argu­men­tos da acusação e da defesa; exam­ina depoi­men­tos e provas e forma sua convicção.

O decreto con­de­natório tem fun­da­men­tos con­tun­dentes e didáti­cos – difer­ente do que vimos noutros casos –, não se trata de uma con­de­nação baseada em duvi­dosas e mod­er­nosas teses jurídi­cas. Há, sim, o exame de um acervo pro­batório, como e-​mails, men­sagens, perí­cias, fotografias, doc­u­men­tos e depoi­men­tos cor­rob­o­rando com todos eles e for­mando um con­junto provas consistente.

Sim, há, tam­bém, a con­fis­são de parte dos impli­ca­dos a coroar tudo.

Aque­les que acusam o juiz de ter con­de­nado o ex-​presidente sem provas, acred­ito que não leram, com a dev­ida acuidade, os ter­mos da sen­tença. Ou, noutra quadra, como o fazem, desde o iní­cio do processo, ten­tam refu­tar argu­men­tos jurídi­cos com uma argu­men­tação política.

Logo que foi divul­gada a sen­tença assisti depoi­men­tos de inúmeros ali­a­dos do ex-​presidente batendo nesta tecla: de par­cial­i­dade do jul­gador e da falta de provas para fun­da­men­tar a condenação.

Ora, àquela altura, pouco depois da divul­gação da sen­tença, cer­ta­mente nen­hum deles tin­ham tido tempo hábil para leitura de toda sen­tença e faziam um dis­curso mera­mente político e ensaiado.

Na mesma linha foram as notas do par­tido do con­de­nado e dos seus satélites. Não leram ou não são capazes de refu­tar a fun­da­men­tação da sentença.

Como sabiam que a sen­tença não estaria fun­da­men­tada? O que não é verdade.

Mod­esta­mente, entendo, que ao enveredarem uni­ca­mente pelo dis­curso político, sem enfrentarem os fatos cola­ciona­dos na sen­tença, não terão muito êxito nas instân­cias supe­ri­ores, con­forme prom­e­teram. Pelo con­trário, podem con­tribuir para agravarem a situ­ação do condenado.

Mas, talvez, só lhes restem isso. Sabedores que não terão como refu­tar os argu­men­tos que moti­varam a con­de­nação, ten­tem tumul­tuar ou afrontar as insti­tu­ições nacionais com ape­los políticos.

Então é líc­ito rece­ber propina? Con­ceder favores a ter­ceiros com recur­sos públi­cos? É isso que defen­dem? O ex-​presidente pos­sui, por ter sido um gestor pop­u­lar, imu­nidade para roubar, rece­ber propinas?

Segundo ouvi, prom­e­tem ir até a ONU. Sem con­tar a pro­moção de atos políti­cos em defesa da impunidade para o ex-​presidente. Defend­erão a insti­tu­cional­iza­ção da cor­rupção como prática aceitável?

Será que não con­fiam nas instân­cias judi­ciárias do Brasil? Ou será que pre­ten­dem constrangê-​las na defesa de suas teses exdrúxulas?

No fundo, talvez, achem que o con­de­nado tem todo o dire­ito de rece­ber propinas de empre­sas nacionais em troca de favorec­i­men­tos. Afi­nal, o que é um sítio? um aparta­mento? Palestras bem remu­ner­adas? Con­tas sec­re­tas em nome de ter­ceiros para usar ao bel prazer? Todos não já fiz­eram isso? Argumentam.

Lula tam­bém pode. Aliás, deve.

Com mais de setenta anos, ainda que a sen­tença seja con­fir­mada ou agravada em segunda instân­cia, é bem provável que o ex-​presidente nunca cumpra um dia de pena. Em se tratando dele é capaz que o per­mita recor­rer a todas instân­cias da Justiça brasileira e mesmo aos órgãos mul­ti­lat­erais, longe do inferno do sis­tema pri­sional brasileiro.

Isso faz parte da sina. O Brasil por mais que tente ser uma nação onde todos são iguais per­ante a lei, sem­pre tem os que são mais iguais que os demais.

A estes tudo é permitido.

Em todo caso, tudo isso é muito triste. Temos um ex-​presidente, o primeiro líder pop­u­lar a ocu­par o cargo máx­imo da nação, um homem capaz, ainda hoje, de mobi­lizar mul­ti­dões, enredado e con­de­nado num escân­dalo de cor­rupção e lavagem de din­heiro. Nunca antes na história deste país se tinha acontecido.

O Brasil não mere­cia isso.

Abdon Mar­inho é advogado.