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OS MATA­DORES DE SONHOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

OS MATA­DORES DE SONHOS.

UMA reportagem exibida por uma rede local de tele­visão chama a atenção para o drama, sem fim, da edu­cação ludovi­cense. Qual­quer pes­soa, com um mín­imo de com­pro­misso com a real­i­dade no seu entorno, não pode deixar de ver o deses­pero de pais, mães de famílias, mesmo os avós, que, acred­i­tando na edu­cação como fator deter­mi­nante para a mudança social, pas­sam noites em filas, bus­cando uma vaga para o filho na rede munic­i­pal de ensino.

Uma mãe, em deses­pero, não deixa de rev­e­lar sua revolta, como cidadã pagadora de impos­tos, pela humil­hação infligida pela admin­is­tração pública. Con­sciente, diz saber ser um dire­ito dos fil­hos a edu­cação sem que tenha que pas­sar dias e noites nas filas para garan­tir uma vaga.

Angús­tia maior é a sen­tida pelos estu­dantes que têm de supor­tar uma pre­ocu­pação que não é sua e, querendo estu­dar, não encon­tram apoio no poder público, como o caso de Maria Luiza já há três três meses fora da sala de aula e sem poder se matric­u­lar no sétimo ano posto que não con­cluiu o sexto ou do estu­dante Maciel Dias que falta con­cluir o sétimo ano do qual deve dois meses do ano de 2016 para ingres­sar no ano seguinte e se rev­ela pre­ocu­pado com a pos­si­bil­i­dade de vir a perder o ano.

Desde muito tempo que critico o desin­ter­esse das admin­is­trações da cap­i­tal (mas que serve para quase todos os municí­pios) com a edu­cação. Esta­mos em 2017 e, em ape­nas dois pará­grafos temos descorti­na­dos prob­le­mas sérios: a falta de vagas e a não con­clusão do ano letivo ante­rior, seja pelas greves – nem sem­pre jus­tas –, dos profis­sion­ais, seja pelas caras e infind­áveis refor­mas da rede de ensino, sem­pre pro­gra­madas – parece que de propósito –, para ocor­rerem quando os alunos dev­e­riam está em sala de aula.

O caos na edu­cação de São Luís parece não ter fim e são de todos os naipes.

Ainda hoje, a cap­i­tal, com mais de qua­tro­cen­tos anos, man­tém, com recur­sos públi­cos, cerca de 100 (cem) escol­in­has comu­nitárias que fun­cionam em pés­si­mas condições, em casas, com quar­tos minús­cu­los, trans­for­ma­dos em salas de aula, sem ilu­mi­nação nat­ural, sem insta­lações hidráuli­cas e elétri­cas cor­re­tas, sem insta­lações san­itárias decentes e suficientes.

Tais “arran­jos”, não podemos chamar isso de edu­cação – com as ressal­vas que sem­pre sabe­mos exi­s­tir –, nada mais são que instru­men­tos de dom­i­nação política que servem tam­bém ao propósito de enricar alguns esper­tal­hões. Muitas destas “escol­in­has» cobram men­sal­i­dade dos pais e ainda recebem recur­sos públi­cos do municí­pio e do gov­erno fed­eral. Pior, recebem, por per capita como se fizessem uma edu­cação de qualidade.

Os gov­er­nos munic­i­pais – a situ­ação não vem de agora pois já moro na ilha há mais de trinta anos e desde que cheguei acom­panho o prob­lema –, têm se mostra­dos inca­pazes de romper com um mod­elo de edu­cação que pode servir a tudo, menos para levar per­spec­ti­vas de mel­ho­ras à vida das crianças.

Deve servir, sim, para o toma lá da cá de pres­i­dentes de asso­ci­ações e vereadores, ao desvio de recur­sos públi­cos, à manutenção de famílias em cur­rais eleitorais e à corrupção.

Só isso jus­ti­fica que, em plena cap­i­tal do estado, em pleno 2017, ainda ten­hamos cerca de cem esco­las comu­nitárias, a maio­ria fun­cio­nando nas condições nar­radas acima servindo a rede pública.

Uma cap­i­tal com mais de qua­tro­cen­tos anos que não con­segue, sequer, ofer­e­cer vagas sufi­cientes aos estu­dantes da sua cir­cun­scrição, só pode ter muitos equívo­cos de gestão, sem con­tar o silên­cio cômodo dos órgãos de controle.

Será os pro­mo­tores de justiça e os procu­radores fed­erais con­hecem a real­i­dade destas esco­las comu­nitárias? Será que fiz­eram alguma visita incerta em algu­mas delas? Será que acom­pan­ham, com o rigor dev­ido, o gasto dos recur­sos públi­cos des­ti­na­dos à edu­cação? Como fun­cionam estas refor­mas sem fim, será que são feitas com qual­i­dades, com os pro­du­tos cer­tos e den­tro dos quan­ti­ta­tivos pagos? Será que os recur­sos são sufi­cientes ou estão sendo bem gastos?

Não con­sigo aceitar que um municí­pio do porte de São Luís não pos­sua estru­tura física para aco­modar seus estu­dantes. Há, clara­mente, uma falta de plane­ja­mento e com­pro­misso com a educação.

E esta falta plane­ja­mento e/​ou com­petên­cia é patente até para exe­cu­tar as coisas mais sim­ples da admin­is­tração do sistema.

Vejamos um exem­plo: o gov­erno fed­eral des­ti­nou para a cap­i­tal, segundo soube, 40 (quarenta) creches do tipo 1 e 2; destas, até onde se sabe, só foram lic­i­tadas 24 (vinte e qua­tro); e, destas 24, ape­nas 03 (três) foram ini­ci­adas e ainda assim, estas estão com as obras par­al­isadas por motivos diver­sos, desde a falta reg­u­lar de repasses a ali­men­tação defeitu­osa dos pro­gra­mas de con­t­role do FNDE. Não faz sen­tido algum isso.

Ora, quarenta creches, se não resolvessem o prob­lema, ao menos o amenizaria, e con­tra­partida do municí­pio, pelas regras do pro­grama é ape­nas con­seguir e entre­gar os ter­renos ter­raple­na­dos. O municí­pio não tem se desin­cumbido de um ônus tão sim­ples e que aliviaria, e muito, o prob­lema de mil­hares de famílias.

Se o municí­pio não con­segue rece­ber creches e mesmo esco­las ofer­e­ci­das “de graça” pelo gov­erno fed­eral, sorte mel­hor não tem a rede que gere. As esco­las munic­i­pais, pelo menos uma grande parcela, não pos­suem condições de fun­ciona­mento ou de ofer­e­cer uma edu­cação min­i­ma­mente sat­is­fatória as cri­anças, estão depredadas e muitas estão, estru­tu­ral­mente falando, obso­le­tas e se valem de incon­táveis anexo (casas alu­gadas) para enten­derem a demanda. Em resumo: no improviso.

Nes­tas condições, ainda que muitos pro­fes­sores ten­tem – exis­tem pro­fes­sores com­pro­meti­dos –, a edu­cação não será de qual­i­dade, estará bem aquém de colo­car os estu­dantes em condições de igual­dade com os seus cole­gas da rede pri­vada (que tam­bém não é grande coisa) ou de out­ras partes do país e do mundo.

A política edu­ca­cional brasileira é um fra­casso abso­luto, con­forme ates­tam quase todos os insti­tu­tos que medem a qual­i­dade do ensino, entre­tanto, aqui no Maran­hão, na grande ilha, ela sim­ples­mente não existe, esta­mos na mesma dis­cursão por décadas, enquanto o quadro só piora. Fal­tam vagas, segu­rança, trans­porte, estru­tura, qual­i­dade. Falta tudo. Não tem um ano em que as aulas não sejam inter­romp­i­das por qual­quer motivo. Tudo isso em pre­juí­zos de cri­anças como Maciel, Ana Luiza e tan­tos hoje que insis­tem em acred­i­tar na edu­cação como fatores deter­mi­nantes à mudança em suas vidas, que brigam com todas as forças por um futuro melhor.

Não bas­tasse o descal­abro da falta de estru­tura física, com­pro­me­ti­mento, as pou­cas coisas que se têm, não são colo­cadas para funcionar.

Querem um exem­plo? Cer­ta­mente as pou­cas esco­las da rede em fun­ciona­mento pos­suem lab­o­ratórios de infor­mática. Quan­tos será que funcionam?

Como é que cri­anças sem acesso as coisas mais comez­in­has do mundo poderão se sen­tir val­orizadas, voca­cionadas ou estim­u­ladas a con­tin­uarem seus estudos?

As nos­sas cri­anças e jovens foram (uma grande parte delas) aban­don­adas pelos pais que não se sen­tem na obri­gação de educá-​las; estão sendo aban­don­adas, mais uma vez, pelo Estado que não cumpre seu papel de ofer­e­cer uma edu­cação de qualidade.

Sem as per­spec­ti­vas que dev­e­riam obter tanto do núcleo famil­iar quanto do Estado e sofrendo as ten­tações do mundo externo, com o con­sum­ismo, din­heiro fácil, não pre­cisamos ser gênios para desco­brir o futuro que aguarda a sociedade.

O cidadão comum pos­sui pou­cas alter­na­ti­vas na vida para mudar sua vida e ser o sen­hor do seu des­tino, as prin­ci­pais são: a edu­cação e muito trabalho.

O que fazem com a edu­cação tor­nam os gestores públi­cos autên­ti­cos mata­dores de sonhos.

Abdon Mar­inho é advogado.

O PECADO DA HONESTIDADE.

Escrito por Abdon Mar­inho

O PECADO DA HONESTIDADE.

NESTE iní­cio de ano disseminou-​se, prin­ci­pal­mente, por meio das redes soci­ais, mas tam­bém por out­ras mídias, uma espé­cie de cor­rente no qual o mote prin­ci­pal era o fato do pres­i­dente norte-​americano, Barack Obama, encer­rar seus oito anos de mandato sem qual­quer escân­dalo, fosse no campo pes­soal, fosse no campo político. A proeza, desta­cada até por grandes veícu­los de comu­ni­cação, estendia-​se aos famil­iares e tam­bém aos seus auxiliares.

Não resta dúvida que o feito foi extra­ordinário. Um gov­erno con­cluir oito anos de poder sem pon­tif­icar escân­da­los é, de fato, uma bênção, mas, como podemos ver, per­feita­mente pos­sível, tanto que Obama conseguiu.

O que me causa espé­cie é ver a sociedade (não só a brasileira) tratar uma coisa que dev­e­ria ser nor­mal, rotineira em quais­quer gov­er­nos, como algo extra­ordinário, capaz de causar estupefação:

– Olha eles são honestos!

– Hon­estos?!

– Meu Deus, existe pes­soas honestas!

Pois é, esta foi a reação de boa parte da comu­nidade mundial ao fato dos Obama, não terem pon­tif­i­cado escân­da­los. Mas o que dizer num mundo em que aquilo que dev­e­ria ser a regra tornou-​se exceção?

Esta sem­ana mesmo o gov­erno da Romê­nia teve a bril­hante ideia de «anis­tiar» a cor­rupção até deter­mi­nado valor, só voltando atrás na patus­cada após amplas man­i­fes­tações pop­u­lares con­trárias a tal cor­rupção censitária.

No Brasil há quem aposte e defenda pro­posta neste sen­tido. Só que, por aqui, defende-​se anis­tiar o crime, vez que os desvios não encon­tram para­lelo no mundo inteiro, a ideia é esta­b­ele­cer que políti­cos ou par­tidos que rece­beram recur­sos do chamado caixa 2, inde­pen­dente da origem do din­heiro – seja da velha con­hecida cor­rupção ou de out­ras fontes igual­mente espúrias –, não sejam alcança­dos pela lei.

Recen­te­mente con­de­nado o casal de mar­queteiros das cam­pan­has pres­i­den­ci­ais de Lula e Dilma e inúmeros out­ros políti­cos no Brasil e no mundo, assen­taram de forma cân­dida que a cul­tura das cam­pan­has políti­cas era de se fazer os paga­men­tos «por fora», no caixa 2, em con­tas no estrangeiro. Não duvido disso. Ainda hoje, com o lim­ite de gas­tos esta­b­ele­cido para as cam­pan­has, muitos políti­cos gas­tam infini­ta­mente além daquele valor, muito emb­ora na prestação de con­tas nada disso apareça.

O juiz não se con­venceu que o aspecto cul­tural de uma prática crim­i­nosa os inven­tassem de pagar por ela e os con­de­nou a uma pena de oito anos.

Mas a real­i­dade é que vive­mos em um mundo de con­du­tas inver­tidas, onde a hon­esti­dade causa estu­por e os crimes são tidos como aspec­tos culturais.

Outro dia um amigo, engen­heiro dos mais com­pe­tentes e que fazia tempo que via, apare­ceu pelo escritório. Perguntei-​lhe a razão do desa­parec­i­mento. Explicou-​me que estava tra­bal­hando em deter­mi­nado órgão, mas que naquele dia entre­gara o cargo. Curioso indaguei a razão de ter saído ao que respondeu-​me:

– A razão da minha saída foi o fato de ter impe­dido a san­gria dos cofres públi­cos em mais de 800 mil no inter­valo de ape­nas oito meses. Isso só nos proces­sos que me per­mi­ti­ram fis­calizar. Se tivessem per­mi­tido a fis­cal­iza­ção nos demais proces­sos a econo­mia aos cofres públi­cos seriam de bem mais de 2 mil­hões de reais, neste período.

Com­ple­tou:

– Segundo fui infor­mado estava «atrapalhando».

A real­i­dade do Brasil é esta: as pes­soas hon­es­tas «atra­pal­ham», por isso mesmo não chegam muito longe. São demi­ti­das, difamadas, humil­hadas. Ao con­trário daque­les que são capazes de tudo para aten­der aos mais incon­fessáveis inter­esses. Esses vão longe e se troux­erem no gene o DNA da adu­lação atingem os pín­caros do sucesso.

Certa vez – já faz muito tempo –, um cliente reclamou da minha insistên­cia na obe­diên­cia a lei:

– Abdon quer que eu faça tudo certo. Se for para fazer tudo certo não pre­cis­arei de advogado.

Este, tempo depois veio a agrade­cer por nunca tê-​lo deix­ado fazer o que lhe vinha à cabeça.

Mas a cul­tura da ban­dalha parece ter gan­hado mais adep­tos do que se imag­i­nava a ponto de deter­mi­na­dos órgãos recla­marem da con­tratação de advo­ga­dos sob o argu­mento de que há pouco ou quase nada a ser feito. Não passa pela cabeça de tais gênios que a ausên­cia de demanda ocorre jus­ta­mente pelo fato de que houve um bom tra­balho de assessoria/​consultoria a impedir os equívo­cos ou erros, ou mesmo a delib­er­ada von­tade de se fazer as coisas de qual­quer jeito.

Não faz muito acon­te­ceu algo bem semel­hante. Um amigo com quem tra­bal­hei noutras empre­itada recomen­dava nosso escritório a deter­mi­nado cliente:

– Acho que seria muito bom se pudésse­mos con­tratar o Dr. Abdon, já tra­bal­hei com ele e me sinto muito mais seguro con­tar­mos com a sua assessoria.

O cliente, um amigo de mais de vinte anos virou-​se para ele e respondeu:

– Tam­bém gosto muito do tra­balho do Dr. Abdon, meu amigo de muito tempo. Mas tem um prob­lema, ele é muito «certinho».

O amigo que nunca perde a viagem não se deu por vencido:

– Mas, doutor, nos tem­pos atu­ais, talvez seja hora de con­tar­mos com alguém que nos ori­ente a fazer o certo e não nos deixe errar.

São tem­pos estran­hos estes em que vive­mos quando a hon­esti­dade, o zelo pela coisa pública pas­sou a ser um «defeito», pas­sou a atra­pal­har. Atra­pal­har o que? Que esse ou aquele faça con­luio para saquear o din­heiro que dev­e­ria virar esco­las, pos­tos de saúde ou obras de infraestrutura?

O tempo passa, gov­er­nos mudam, mas a prática, infe­liz­mente, é quase sem­pre a mesma, com os os inter­esses políti­cos e pes­soais sendo colo­ca­dos à frente do inter­esse público.

Dizia Rui Bar­bosa que chegaria o dia em que o cidadão de bem teria ver­gonha de se dizer hon­esto. Para o deses­pero dos bons, esse dia já chegou.

Abdon Mar­inho é advogado.

DE ULYSSES A TEORI: A TRAGÉ­DIA ÉTICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA.

Escrito por Abdon Mar­inho

DE ULYSSES A TEORI: A TRAGÉ­DIA ÉTICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA.
NUMA tarde, ainda naquela fatídica sem­ana de out­ubro de 1992, o jor­nal­ista Ademário Cav­al­cante entrou na minha sala na Assem­bleia Leg­isla­tiva, na Rua do Egito e, antes mesmo dos cumpri­men­tos ini­ci­ais foi logo dizendo: – Que ver­gonha! Como pode um homem da estatura do Dr. Ulysses Guimarães, com uma história inve­jável, mor­rer enquanto voava «de favor» no helicóptero de um empresário, não é Abdon?
Naque­les anos era asses­sor do dep­utado estad­ual Juarez Medeiros (PSB/​MA), e, emb­ora fosse um menino de vinte e poucos anos, rece­bia, quase diari­a­mente, a maio­ria dos jor­nal­is­tas que faziam a cober­tura das ativi­dades do par­la­mento. Ademário Cav­al­cante era um dos mais pre­sentes, ele já ido nos anos e com vasta exper­iên­cia no jor­nal­ismo, fora secretário de Estado de Comu­ni­cação no gov­erno Cafeteira, era edi­to­ri­al­ista do Jor­nal Pequeno e morava/​mora na Avenida Beira Mar. Assim, quase que todos os dias, após a sessão ou quando subia para o jor­nal, pas­sava no gabi­nete para um dedo de prosa. Emb­ora, para os padrões de hoje, fosse pouco mais que um ado­les­cente, ele gostava de con­ver­sar comigo e eu, pelo meu lado de apren­der com as histórias que con­tava. Muitas das vezes via as ideias par­til­hadas no dia ante­rior virar edi­to­r­ial no JP no dia seguinte. Me diver­tia quando algum crítico chegava e per­gun­tava: – Já leste o “ade­mar­ial» de hoje? Chamavam o edi­to­r­ial de “ade­mar­ial” por serem lon­gos e, quase sem­pre, em lin­guagem clás­sica. Vez por outra, algum amigo daquele tempo chama meus arti­gos de “ade­mar­ial”. Gosto da lem­brança e do apren­dizado daque­les dias.
Durante os dois anos seguintes – tempo que ainda pas­sei na ALEMA –, Ademário, vez ou outra me fazia lem­brar do desvio ético do Dr. Ulysses, pes­soa que por sua história de vida, na luta por uma nação mais democrática e justa, que enfren­tou os desafios da anti-​candidatura, que impediu a rup­tura da ordem democrática por ocasião da morte de Tan­credo Neves, que pre­sidiu a Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, nos legando a Con­sti­tu­ição pos­sível, segundo suas próprias palavras, mas que nem por isso deixou de ser cidadão, mor­rera enquanto se servia de “mimo» de um empresário num voo com a esposa e uma casal de ami­gos.
Quase um quarto de século sep­ara o perec­i­mento de Ulysses Guimarães da morte do min­istro do STF, Teori Zavascki, igual­mente num voo de favor. Uma nódoa indelével numa car­reira jurídica inques­tionável. Tão inques­tionável que ninguém, sequer lem­brou de ques­tionar tal falha ética. Muito pelo con­trário, foi saudado e ref­er­en­ci­ado por todos os tri­bunais Brasil a fora por ocasião do iní­cio do ano judi­ciário.
Mas, vejamos, se já não fazia sen­tido há 25 anos que um dep­utado recebesse, de quem quer que fosse o “mimo” de um voo, como igno­rar o fato de um min­istro do STF, num momento em que se clama tanto por ética, transparên­cia e inde­pendên­cia, receba um favor de igual natureza? Será que em 1992 o apuro ético, talvez na esteira da cam­panha pelo impeach­ment de Col­lor, estava mais pre­sente? É pos­sível.
Na ver­dade a rel­a­tiviza­ção ética no país, no atual momento chega até ser com­preen­sível – aceitável jamais. Como criar um cav­alo de batalha por conta de um voo quando se sabe que as maiores fig­uras públi­cas no Brasil em todos os poderes são apon­ta­dos – muitos com provas cabais –, como líderes de quadrilhas orga­ni­zadas que tin­ham como alvo prin­ci­pal os cofres públi­cos?
Um voo seria o de menos quanto se sabe que grandes empre­sas man­tinham «depar­ta­mento de propinas», assim mesmo, insti­tu­cional­izado, encar­regado de dis­tribuir van­ta­gens inde­v­i­das aos políti­cos; quando se sabe que de vereador a pres­i­dente da República se lam­buzaram em favores inde­v­i­dos; quando min­istros de tri­bunais supe­ri­ores são apon­ta­dos como não isen­tos para jul­garem esta ou aquela causa por pos­suir amizades entre os que serão jul­ga­dos.
Quase um quarto século sep­a­ram a morte Ulysses e Teori, o mesmo tempo do impeach­ment de Col­lor do que apeou a sen­hora Dilma do poder, a leitura que faze­mos – pelo menos a princí­pio –, é que a mis­éria ética da República só aumen­tou.
Os próprios fatos respon­sáveis pelo imped­i­mento do então pres­i­dente, pare­cem meras con­tra­venções diante da avalanche de provas já descober­tas (e a desco­brir) que pesam con­tra seus suces­sores – e con­tra ele próprio, que, ao que parece, apri­morou o gosto e a gula pelos malfeitos –, como dito, autên­ti­cas quadrilhas den­tro da máquina pública a desviar os recur­sos que dev­e­riam ser investi­dos na saúde, na edu­cação, na infraestru­tura do país.
O pior de tudo isso é que fato de ter­mos os maiores empresários e políti­cos enfrentando agruras do cárcere ou bem próx­imo disso, de pouco ou nada tem valido para mod­i­ficar os cos­tumes. Os malfeitos se suce­dem indifer­entes as con­se­quên­cias judi­ci­ais que poderão advir. Como se ninguém acred­i­tasse no alcance da lei. Ou, pas­mem, cer­tos do império da impunidade.
A mis­éria ética do país é rev­e­lado em tudo, em toda sua grandeza. Mesmo na forma ide­ol­o­gizada como a sociedade encara e absorve a cor­rupção, acei­tando ou negando con­forme suas próprias con­veniên­cias. É assim que o Brasil afunda.
Um voo inde­v­ido levou Ulysses. Um voo inde­v­ido levou Teori. A tragé­dia ética ficou. É de todo nação.
Abdon Mar­inho é advogado.