AbdonMarinho - JULGAMENTOS DE CONVENIÊNCIAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

JUL­GA­MEN­TOS DE CONVENIÊNCIAS.

JULGA­MEN­TOS DE CON­VENIÊN­CIAS.
NOUTRAS opor­tu­nidades já disse que vez ou outra me pego a pen­sar no que nos dizia Vieira a quase trezen­tos anos nos seus ser­mões.
Hoje, lembro-​me de um em espe­cial: o chamado «Ser­mão do Bom Ladrão», numa de suas pas­sagens nos é nar­rado o encon­tro de Alexan­dre, o grande, com um pequeno salteador que tomava as coisas de out­ros em um barco. Quando o imper­ador o admoestou por seus malfeitos, este lhe respon­deu com inco­mum altivez: — basta, sen­hor! eu, por que roubo em um barco, sou ladrão e vós por que roubais em uma armada sois inte­grador?
Pois é. Lembrava-​me desta pas­sagem por conta do jul­ga­mento da chapa Dilma-​Temer pelo egré­gio Tri­bunal Supe­rior Eleitoral –TSE.
Cer­ta­mente que todos votos dos ilus­tres mag­istra­dos estão calça­dos nos sábios princí­pios da leg­is­lação pátria. Tan­tos os que votaram pela cas­sação quanto os que votaram pela absolvição das con­du­tas.
Em mais de 20 anos de efe­tiva mil­itân­cia no dire­ito eleitoral, o que ques­tiono é a aguda semel­hança entre o que se passa nas nos­sas cortes de justiça e aquilo que o pequeno ladrão que afron­tou Alexan­dre já detec­tava naquela opor­tu­nidade, trezen­tos e tan­tos anos antes do iní­cio da Era Cristã.
Quan­tas vezes não vimos prefeitos serem cas­sa­dos, por até, desav­isada­mente, darem uma esmola e lhes impin­girem a mácula de com­pradores de votos?
Quan­tas vezes não vimos lhes socor­rerem embar­gos quando viti­ma­dos por meros erros buro­cráti­cos numa prestação de con­tas?
Quan­tas vezes não os vimos viti­ma­dos por adver­sários que tra­mam com depoi­men­tos mon­ta­dos, a estraté­gia de der­rubar eleitos e gan­harem o apoio da justiça nos seus inten­tos?
Quan­tas vezes não vemos cas­sações que nada mais são que fru­tos de armações de adver­sários?
Temos exem­p­los não muito dis­tantes disso. O casal Capiberibe, João e Janete, ele senador da República e ela dep­utada fed­eral – ambos do estado do Amapá –, foram cas­sa­dos e ficaram inelegíveis por que acu­sa­dos por duas eleitoras de haverem com­pra­dos seus votos, num dis­pên­dio de R$ 26,00 (vinte e seis reais).
Segundo a defesa dos dois, não se tra­tou de com­pra de votos.
O Tri­bunal do Amapá não quis saber, muito menos o colendo Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, que con­fir­mou a cas­sação dos mandatos daque­les par­la­mentares e aplicou-​lhes o rigor das penas esta­b­ele­ci­das na lei.
No jul­ga­mento da chapa Dilma-​Temer não ouvi­mos falar reais, falou-​se em mil­hões de reais, talvez bil­hões. Falou-​se em con­tas cor­rentes de propinas man­ti­das pelas empre­sas que usufruem dos recur­sos da nação em seus bene­fí­cios.
Não falou de com­pra de um ou dois eleitores, mas de par­tidos inteiros; cidades e esta­dos inteiros.
O ministro-​relator da matéria, em seu detal­hado voto, mostrou o cam­inho dos recur­sos sujos uti­liza­dos na cam­panha daquela chapa e numa coleção de provas de crimes jamais vista na história deste país. Na definição do próprio min­istro «provas oceâni­cas».
Ainda assim, a maio­ria, em judi­ciosos votos enten­deu não ser sufi­ciente para aplicar-​lhes a ex e ao atual pres­i­dente as penas esta­b­ele­ci­das pela leg­is­lação.
Vejam, o oceano, o Himalaia de provas estão aí, as vis­tas de todos. Um pro­jeto político crim­i­noso se assen­horeou do poder com o claro propósito de cor­romper a si mesmo e a todos ao seu redor. E isso passa incólume aos olhos da Justiça.
Repito, não duvido que nestes votos fal­tem fun­da­men­tação jurídica. Entre­tanto, diante de tudo que já vi, falta-​lhes JUSTIÇA.
Uma jor­nal­ista com inco­mum acerto disse que a absolvição da chapa com­posta pela ex-​presidente Dilma Rouss­eff, do PT, e pelo atual pres­i­dente, Michel Temer, do PMDB, foi absolvida por excesso de provas. Per­feito.
Há um con­ceito de que não con­seguimos ver as coisas grandes em dema­sia. Nosso campo de visão não con­segue delimita-​las. Talvez tenha se dado isso. O campo de visão de muitos jul­gadores não con­segue ver coisas grandes em dema­sia.
Isso jus­ti­fica que se man­tenha presa, em infec­tos cárceres, uma mãe de família que roubou um super­me­r­cado para ali­men­tar os fil­hos e deixar em prisão domi­cil­iar a esposa do Cabral que junto com o marido roubou a não mais poder o Rio de Janeiro, a ponto de que­brar o Estado e infe­lic­i­tar inúmeras famílias.
Tam­bém serve para jus­ti­ficar que se man­tenha em cárceres desumanos «ladrões de gal­in­has», enquanto de fazem acor­dos de mega-​delação pre­mi­ada com os irmãos Batista, per­mitindo que vivam no estrangeiro usufruindo os bil­hões que saque­aram do país. Estes, até as mul­tas que lhes foram impostas, sairão dos bol­sos dos con­tribuintes brasileiros.
E são tan­tos nes­tas mes­mas condições que chego a achar que o crime com­pensa. O cidadão rouba a não mais poder, depois delata, paga uma multa e vai cur­tir sua casa de praia, seu big AP no Rio de Janeiro, Nova Iorque, Lon­dres ou Paris.
O Brasil tornou-​se (ou sem­pre foi) o país da piada pronta, onde o cor­reto é ser des­on­esto, onde os con­luios se fazem pre­sentes em todas as esferas e classes e onde os respon­sáveis por impor a ordem não con­seguem ver as coisas «grandes demais».
Alguém sabe dec­li­nar os crimes que prati­cou o ex-​governador Jack­son Lago que jus­ti­ficaram a cas­sação de seu mandato?
As con­du­tas que levaram a perda de seu mandato sequer eram atribuí­das a ele dire­ta­mente. Ainda assim, em nome da pro­bidade e da lisura dos pleitos eleitorais o cas­saram sem qual­quer con­sid­er­ação.
Nos proces­sos da chapa PT/​PMDB – por isso mesmo esse silên­cio cúm­plice de todos destes par­tidos e ali­a­dos –, enten­deram que não se pode­ria colo­car em risco a segu­rança das eleições, que não se pode­ria alargar as inves­ti­gações e que, por isso mesmo, a Con­sti­tu­ição delim­i­tara em 15 dias o prazo deca­den­cial para a proposi­tura da ação.
Ora, além da Ação de Impug­nação de Mandato Ele­tivo — AIME, foram jul­gadas, em con­junto, as Ações de Inves­ti­gação Judi­cial Eleitoral — AIJE, que servem jus­ta­mente para per­mi­tir a inves­ti­gação (o que óbvio pelo nome) que o próprio TSE, autor­izara no ano de 2015, ade­mais, por ocasião do jul­ga­mento em abril, as próprias partes solic­i­taram a oitiva de novas teste­munhas e jun­tada de novas provas.
Se não era para serem usadas no processo qual o sen­tido de autor­izar a sua coleta? Qual o sen­tido de arrastarem uma instrução proces­sual por três anos se a coleta de provas não seriam admi­tias no jul­ga­mento?
Me parece inusi­tado que passé mais de três anos instru­indo um processo para depois se dizer que tais provas, ainda cor­rela­cionadas com o objeto das ações, não seriam usadas.
Outra coisa que me parece abso­lu­ta­mente inusi­tado é ver min­istros tão sábios indo de encon­tro ao que diz a própria lei, no caso a Lei Com­ple­men­tar n.º 64, que esta­b­elece tex­tual­mente: «Art. 23. O Tri­bunal for­mará sua con­vicção pela livre apre­ci­ação dos fatos públi­cos e notórios, dos indí­cios e pre­sunções e prova pro­duzida, aten­tando para cir­cun­stân­cias ou fatos, ainda que não indi­ca­dos ou ale­ga­dos pelas partes, mas que pre­servem o inter­esse público de lisura eleitoral».
Será que, com tudo que se sabe, não estaria mais que jus­ti­fi­cada a cas­sação da chapa?
Vejam, o que me deixa angus­ti­ado não é a absolvição da chapa. Isso me é indifer­ente. O que não me parece justo é ver que a estru­tura judi­ciária brasileira – e não me refiro indi­vid­ual­mente a essa ou aquela –, agir com dois pesos e duas medi­das em relação a situ­ações idên­ti­cas.
Como o Brasil pode dizer-​se uma democ­ra­cia se o seu princí­pio mais básico não é obser­vado?
Será que somos todos iguais per­ante a lei, como bem esta­b­elece a Con­sti­tu­ição Fed­eral?
Na minha opinião não somos. E na sua opinião?
Abdon Mar­inho é advogado.