JULGAMENTOS DE CONVENIÊNCIAS.
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- Criado: Sábado, 10 Junho 2017 01:43
- Escrito por Abdon Marinho
JULGAMENTOS DE CONVENIÊNCIAS.
NOUTRAS oportunidades já disse que vez ou outra me pego a pensar no que nos dizia Vieira a quase trezentos anos nos seus sermões.
Hoje, lembro-me de um em especial: o chamado «Sermão do Bom Ladrão», numa de suas passagens nos é narrado o encontro de Alexandre, o grande, com um pequeno salteador que tomava as coisas de outros em um barco. Quando o imperador o admoestou por seus malfeitos, este lhe respondeu com incomum altivez: — basta, senhor! eu, por que roubo em um barco, sou ladrão e vós por que roubais em uma armada sois integrador?
Pois é. Lembrava-me desta passagem por conta do julgamento da chapa Dilma-Temer pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral –TSE.
Certamente que todos votos dos ilustres magistrados estão calçados nos sábios princípios da legislação pátria. Tantos os que votaram pela cassação quanto os que votaram pela absolvição das condutas.
Em mais de 20 anos de efetiva militância no direito eleitoral, o que questiono é a aguda semelhança entre o que se passa nas nossas cortes de justiça e aquilo que o pequeno ladrão que afrontou Alexandre já detectava naquela oportunidade, trezentos e tantos anos antes do início da Era Cristã.
Quantas vezes não vimos prefeitos serem cassados, por até, desavisadamente, darem uma esmola e lhes impingirem a mácula de compradores de votos?
Quantas vezes não vimos lhes socorrerem embargos quando vitimados por meros erros burocráticos numa prestação de contas?
Quantas vezes não os vimos vitimados por adversários que tramam com depoimentos montados, a estratégia de derrubar eleitos e ganharem o apoio da justiça nos seus intentos?
Quantas vezes não vemos cassações que nada mais são que frutos de armações de adversários?
Temos exemplos não muito distantes disso. O casal Capiberibe, João e Janete, ele senador da República e ela deputada federal – ambos do estado do Amapá –, foram cassados e ficaram inelegíveis por que acusados por duas eleitoras de haverem comprados seus votos, num dispêndio de R$ 26,00 (vinte e seis reais).
Segundo a defesa dos dois, não se tratou de compra de votos.
O Tribunal do Amapá não quis saber, muito menos o colendo Tribunal Superior Eleitoral — TSE, que confirmou a cassação dos mandatos daqueles parlamentares e aplicou-lhes o rigor das penas estabelecidas na lei.
No julgamento da chapa Dilma-Temer não ouvimos falar reais, falou-se em milhões de reais, talvez bilhões. Falou-se em contas correntes de propinas mantidas pelas empresas que usufruem dos recursos da nação em seus benefícios.
Não falou de compra de um ou dois eleitores, mas de partidos inteiros; cidades e estados inteiros.
O ministro-relator da matéria, em seu detalhado voto, mostrou o caminho dos recursos sujos utilizados na campanha daquela chapa e numa coleção de provas de crimes jamais vista na história deste país. Na definição do próprio ministro «provas oceânicas».
Ainda assim, a maioria, em judiciosos votos entendeu não ser suficiente para aplicar-lhes a ex e ao atual presidente as penas estabelecidas pela legislação.
Vejam, o oceano, o Himalaia de provas estão aí, as vistas de todos. Um projeto político criminoso se assenhoreou do poder com o claro propósito de corromper a si mesmo e a todos ao seu redor. E isso passa incólume aos olhos da Justiça.
Repito, não duvido que nestes votos faltem fundamentação jurídica. Entretanto, diante de tudo que já vi, falta-lhes JUSTIÇA.
Uma jornalista com incomum acerto disse que a absolvição da chapa composta pela ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, e pelo atual presidente, Michel Temer, do PMDB, foi absolvida por excesso de provas. Perfeito.
Há um conceito de que não conseguimos ver as coisas grandes em demasia. Nosso campo de visão não consegue delimita-las. Talvez tenha se dado isso. O campo de visão de muitos julgadores não consegue ver coisas grandes em demasia.
Isso justifica que se mantenha presa, em infectos cárceres, uma mãe de família que roubou um supermercado para alimentar os filhos e deixar em prisão domiciliar a esposa do Cabral que junto com o marido roubou a não mais poder o Rio de Janeiro, a ponto de quebrar o Estado e infelicitar inúmeras famílias.
Também serve para justificar que se mantenha em cárceres desumanos «ladrões de galinhas», enquanto de fazem acordos de mega-delação premiada com os irmãos Batista, permitindo que vivam no estrangeiro usufruindo os bilhões que saquearam do país. Estes, até as multas que lhes foram impostas, sairão dos bolsos dos contribuintes brasileiros.
E são tantos nestas mesmas condições que chego a achar que o crime compensa. O cidadão rouba a não mais poder, depois delata, paga uma multa e vai curtir sua casa de praia, seu big AP no Rio de Janeiro, Nova Iorque, Londres ou Paris.
O Brasil tornou-se (ou sempre foi) o país da piada pronta, onde o correto é ser desonesto, onde os conluios se fazem presentes em todas as esferas e classes e onde os responsáveis por impor a ordem não conseguem ver as coisas «grandes demais».
Alguém sabe declinar os crimes que praticou o ex-governador Jackson Lago que justificaram a cassação de seu mandato?
As condutas que levaram a perda de seu mandato sequer eram atribuídas a ele diretamente. Ainda assim, em nome da probidade e da lisura dos pleitos eleitorais o cassaram sem qualquer consideração.
Nos processos da chapa PT/PMDB – por isso mesmo esse silêncio cúmplice de todos destes partidos e aliados –, entenderam que não se poderia colocar em risco a segurança das eleições, que não se poderia alargar as investigações e que, por isso mesmo, a Constituição delimitara em 15 dias o prazo decadencial para a propositura da ação.
Ora, além da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo — AIME, foram julgadas, em conjunto, as Ações de Investigação Judicial Eleitoral — AIJE, que servem justamente para permitir a investigação (o que óbvio pelo nome) que o próprio TSE, autorizara no ano de 2015, ademais, por ocasião do julgamento em abril, as próprias partes solicitaram a oitiva de novas testemunhas e juntada de novas provas.
Se não era para serem usadas no processo qual o sentido de autorizar a sua coleta? Qual o sentido de arrastarem uma instrução processual por três anos se a coleta de provas não seriam admitias no julgamento?
Me parece inusitado que passé mais de três anos instruindo um processo para depois se dizer que tais provas, ainda correlacionadas com o objeto das ações, não seriam usadas.
Outra coisa que me parece absolutamente inusitado é ver ministros tão sábios indo de encontro ao que diz a própria lei, no caso a Lei Complementar n.º 64, que estabelece textualmente: «Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral».
Será que, com tudo que se sabe, não estaria mais que justificada a cassação da chapa?
Vejam, o que me deixa angustiado não é a absolvição da chapa. Isso me é indiferente. O que não me parece justo é ver que a estrutura judiciária brasileira – e não me refiro individualmente a essa ou aquela –, agir com dois pesos e duas medidas em relação a situações idênticas.
Como o Brasil pode dizer-se uma democracia se o seu princípio mais básico não é observado?
Será que somos todos iguais perante a lei, como bem estabelece a Constituição Federal?
Na minha opinião não somos. E na sua opinião?
Abdon Marinho é advogado.