AbdonMarinho - A SENSIBILIDADE QUE FALTA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A SEN­SI­BIL­I­DADE QUE FALTA.

A SEN­SI­BIL­I­DADE QUE FALTA.

DIZEM que os Leões levaram um susto com o resul­tado de uma pesquisa que aponta o seu atual inquilino em ligeira desvan­tagem em relação à inquilina ante­rior. Deste assunto tratare­mos em um outro texto.

Se ver­dadeiros os números – e razão não tenho para deles duvi­dar –, uma das razões para o empate téc­nico de alguém com a cam­panha na rua para a outra que até aqui não se disse can­di­data, talvez seja a já famosa e prover­bial sen­si­bil­i­dade dos atu­ais inquili­nos do poder – ou a falta dela.

Não digo com isso, claro, que os ante­ces­sores fos­sem uns pri­mores de sen­si­bil­i­dade, ape­nas que as pan­cadas recentes são mais sentidas.

Um exem­plo bem claro disso encontra-​se pre­sente numa matéria que li – incré­dulo –, por estes dias. Noticiou-​se que o gov­erno faz “cav­alo de batalha” em torno do trata­mento do cidadão Már­cio Ronny, inclu­sive, agra­vando de decisões judi­ci­ais que obrigam o Estado a garantir-​lhe as condições mín­i­mas para o tratamento.

Fui atrás da infor­mação e desco­bri que as difi­cul­dades já vin­ham ocor­rendo desde sem­pre, tendo se inten­si­fi­cado nos anos de 20152016. As recla­mações referem-​se a ajuda de custo e diárias nas via­gens que o cidadão neces­sita fazer para con­tin­uar o trata­mento ou mesmo para os medica­men­tos ou pro­du­tos que tem de usar.

Acho lou­vável que demon­strem tanto zelo com os recur­sos do con­tribuintes, mas me pre­ocupo se não falta sen­si­bil­i­dade na análise do caso e/​ou, talvez, bom senso.

Sem­pre tive – e ainda tenho –, um pé atrás com com o endeusa­mento de pes­soas, entre­tanto, parece-​me claro que se alguém, neste estado é mere­ce­dor de alguma defer­ên­cia por parte do poder público, este é o Már­cio Ronny da Cruz Nunes.

Não o con­heço, exceto, pelas noti­cias veic­u­ladas nos meios de comunicação.

Aos que não se lem­bram, por ocasião dos ataques aos cole­tivos da cap­i­tal, no começo de 2014, orde­na­dos, de den­tro do presí­dio, pelos chefes das quadrilhas, por sorte ou azar do des­tino, quis que este cidadão estivesse den­tro de um ônibus tomado pelos facíno­ras que atearam fogo com os pas­sageiros dentro.

Ape­sar de já encontrar-​se, a salvo, fora do cole­tivo, retornou ao mesmo para aju­dar uma mãe e duas cri­anças, uma de colo e outra de ape­nas 6 anos. Esta última, chamada Ana Clara, com quase todo o corpo queimado, veio a óbito dias depois.

O ato de extremo deste­mor, heroísmo e gen­erosi­dade – a ponto de enfrentar o fogo alto sem qual­quer pro­teção, ape­nas movido pelo sen­ti­mento de humanidade e desejo de sal­var aque­las vidas inde­fe­sas –, o levou a ter setenta e cinco por cento do corpo queimado e é a prin­ci­pal razão do seu sofri­mento e dissabores.

Já nos momen­tos seguintes ao ataque, tanto ele, quanto as demais víti­mas, sofr­eram com o desleixo das autori­dades da saúde local, com o jogo de empurra-​empurra entre a sec­re­taria estad­ual e munic­i­pal, enquanto agon­i­zavam à espera de atendi­mento espe­cial­izado, se não me falha a memória, no Socor­rão II.

Na época denun­ciei o abuso da explo­ração política do caso no texto: “Tomem Tenên­cia, Sen­hores”. Os pacientes lit­eral­mente “coz­in­hando” e as autori­dades brig­ando por questiún­cu­las tolas, sobre quem era ou não o cul­pado ou respon­sável pelo atendimento.

Como vemos, o Estado tem fal­hado com este cidadão desde sem­pre. Quando per­mi­tiu que pre­sos, sob seus cuida­dos, orde­nassem, de den­tro das celas, repito, ataque con­tra a pop­u­lação; quando não garan­tiu a dev­ida segu­rança aos cidadãos usuários de trans­porte público; quando inteligên­cia ignorou o que se sabia que iria acon­te­cer; quando neg­li­gen­ciou o atendi­mento; quando sub­mete a vítima a toda sorte de humil­hação para ter um dire­ito já recon­hecido até pela própria Justiça.

Fico imag­i­nando se estas autori­dades se dão conta da respon­s­abil­i­dade do Estado no episó­dio – e suas dolorosas con­se­quên­cias na vida destas pes­soas –, e se sabem o quanto é penoso um trata­mento de queimados?

O cidadão, por seu ato de heroísmo, diante do fra­casso do Estado, teve sua vida inter­romp­ida, posto que não pos­sui condições de tra­balho, sobre­vive com uma pen­são de pouco mais de mil reais – que qual­quer um sabe não é sufi­ciente para aten­der às neces­si­dades de uma pes­soa. quanto mais de um pai de família com cinco fil­hos –, e ainda ter de bus­car o amparo da Justiça para garan­tir, min­i­ma­mente, um atendi­mento digno.

Acred­ito que ele não está bus­cando for­tu­nas, reclama, ape­nas, que os val­ores repas­sa­dos pelo estado não são sufi­cientes para o seu custeio e de seu acom­pan­hante nas via­gens roti­nas do seu tratamento.

Não bas­tasse todo o sofri­mento do trata­mento, ainda passa pelo descon­forto de ter que ocu­par um famil­iar – que, cer­ta­mente, deixa seus afaz­eres para acompanhá-​lo –, e pas­sar neces­si­dades junto com ele.

A sec­re­taria, segundo soube, alega que cumpre a lei e faz os repasses segundo a política do SUS.

Não duvido, mas falta sen­si­bil­i­dade as autori­dades para com­preen­derem e sep­a­rarem os casos.

Neste, desde os momen­tos que ante­ced­eram os acon­tec­i­men­tos de janeiro de 2014, o Estado é o prin­ci­pal cul­pado, con­forme expli­camos acima. Não se está diante de uma req­ui­sição para trata­mento fora de domicílio comum, onde o seu papel é prover o atendi­mento nos ter­mos da lei e da Con­sti­tu­ição, que garan­tem o dire­ito do paciente à saúde.

É disso que se trata: sen­si­bil­i­dade. Será que passa pela cabeça de alguém que o rapaz é cul­pado e deve ser punido por seu ato extremo de gen­erosi­dade? Será acham que não dev­e­ria ter voltado ao ônibus em chamas para socor­rer aquela mãe e suas duas cri­anças? Será que acham que o Estado já fez muito, diante de tanto sofri­mento pelo qual pas­sou e passa essa vítima?

Pois é, talvez achem que essa pen­são seja sufi­ciente para que se sus­tente e aos seus fil­hos e ainda custear o trata­mento de queima­dos, que sabe­mos, não é fácil.

Cer­ta­mente, acham que a ind­eniza­ção que rece­beu (ou rece­berá) do Estado é sufi­ciente para com­pen­sar todo sofri­mento que já pas­sou e que ainda pas­sará durante o resto de sua vida. Talvez, não por mal­dade, ignorem que o valor de tal ind­eniza­ção deve ser ou ter sido infe­rior ao que foi gasto ape­nas no con­vescote ofer­e­cido pelo gov­er­nador do Maran­hão ao ex-​presidente Lula.

O que é pleit­eado é tão ínfimo que não vejo jus­ti­fica­ti­vas para que o aparato estatal tra­balhe com afinco no sen­tido de difi­cul­tar e causar mais sofri­mento a quem tanto já sofreu.

As autori­dades do Estado pare­cem igno­rar que seres humanos são mais que números, por isso não se esforçam em demon­strar empa­tia com o sofri­mento alheio.

Sen­ti­men­tos são vias de mão dupla: se não há inter­esse em ofer­e­cer, cer­ta­mente, não rece­berão de volta.

Lem­bro que não faz muito tempo uma jovem foi vítima de uma oper­ação desastrada das forças de segu­rança pública do Estado do Maran­hão. Até hoje, pelo menos não tomei con­hec­i­mento, o gov­er­nador ou outra autori­dade se dig­nou a recon­hecer o erro e a pedir, for­mal­mente, des­cul­pas aos famil­iares e ami­gos da vítima. E, não tenho dúvi­das, irá brigar a não mais poder para não pagar a ind­eniza­ção devida.

Falei disso no texto “Custa Pedir Desculpas?».

Dizia um bor­dão de cam­panha eleitoral: gov­ernar, é cuidar das pessoas.

Demon­strar um pouco de sen­si­bil­i­dade e sol­i­dariedade faz parte deste cuidado.

Abdon Mar­inho é advogado.