A SENSIBILIDADE QUE FALTA.
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- Criado: Sábado, 23 Setembro 2017 10:35
- Escrito por Abdon Marinho
A SENSIBILIDADE QUE FALTA.
DIZEM que os Leões levaram um susto com o resultado de uma pesquisa que aponta o seu atual inquilino em ligeira desvantagem em relação à inquilina anterior. Deste assunto trataremos em um outro texto.
Se verdadeiros os números – e razão não tenho para deles duvidar –, uma das razões para o empate técnico de alguém com a campanha na rua para a outra que até aqui não se disse candidata, talvez seja a já famosa e proverbial sensibilidade dos atuais inquilinos do poder – ou a falta dela.
Não digo com isso, claro, que os antecessores fossem uns primores de sensibilidade, apenas que as pancadas recentes são mais sentidas.
Um exemplo bem claro disso encontra-se presente numa matéria que li – incrédulo –, por estes dias. Noticiou-se que o governo faz “cavalo de batalha” em torno do tratamento do cidadão Márcio Ronny, inclusive, agravando de decisões judiciais que obrigam o Estado a garantir-lhe as condições mínimas para o tratamento.
Fui atrás da informação e descobri que as dificuldades já vinham ocorrendo desde sempre, tendo se intensificado nos anos de 2015⁄2016. As reclamações referem-se a ajuda de custo e diárias nas viagens que o cidadão necessita fazer para continuar o tratamento ou mesmo para os medicamentos ou produtos que tem de usar.
Acho louvável que demonstrem tanto zelo com os recursos do contribuintes, mas me preocupo se não falta sensibilidade na análise do caso e/ou, talvez, bom senso.
Sempre tive – e ainda tenho –, um pé atrás com com o endeusamento de pessoas, entretanto, parece-me claro que se alguém, neste estado é merecedor de alguma deferência por parte do poder público, este é o Márcio Ronny da Cruz Nunes.
Não o conheço, exceto, pelas noticias veiculadas nos meios de comunicação.
Aos que não se lembram, por ocasião dos ataques aos coletivos da capital, no começo de 2014, ordenados, de dentro do presídio, pelos chefes das quadrilhas, por sorte ou azar do destino, quis que este cidadão estivesse dentro de um ônibus tomado pelos facínoras que atearam fogo com os passageiros dentro.
Apesar de já encontrar-se, a salvo, fora do coletivo, retornou ao mesmo para ajudar uma mãe e duas crianças, uma de colo e outra de apenas 6 anos. Esta última, chamada Ana Clara, com quase todo o corpo queimado, veio a óbito dias depois.
O ato de extremo destemor, heroísmo e generosidade – a ponto de enfrentar o fogo alto sem qualquer proteção, apenas movido pelo sentimento de humanidade e desejo de salvar aquelas vidas indefesas –, o levou a ter setenta e cinco por cento do corpo queimado e é a principal razão do seu sofrimento e dissabores.
Já nos momentos seguintes ao ataque, tanto ele, quanto as demais vítimas, sofreram com o desleixo das autoridades da saúde local, com o jogo de empurra-empurra entre a secretaria estadual e municipal, enquanto agonizavam à espera de atendimento especializado, se não me falha a memória, no Socorrão II.
Na época denunciei o abuso da exploração política do caso no texto: “Tomem Tenência, Senhores”. Os pacientes literalmente “cozinhando” e as autoridades brigando por questiúnculas tolas, sobre quem era ou não o culpado ou responsável pelo atendimento.
Como vemos, o Estado tem falhado com este cidadão desde sempre. Quando permitiu que presos, sob seus cuidados, ordenassem, de dentro das celas, repito, ataque contra a população; quando não garantiu a devida segurança aos cidadãos usuários de transporte público; quando inteligência ignorou o que se sabia que iria acontecer; quando negligenciou o atendimento; quando submete a vítima a toda sorte de humilhação para ter um direito já reconhecido até pela própria Justiça.
Fico imaginando se estas autoridades se dão conta da responsabilidade do Estado no episódio – e suas dolorosas consequências na vida destas pessoas –, e se sabem o quanto é penoso um tratamento de queimados?
O cidadão, por seu ato de heroísmo, diante do fracasso do Estado, teve sua vida interrompida, posto que não possui condições de trabalho, sobrevive com uma pensão de pouco mais de mil reais – que qualquer um sabe não é suficiente para atender às necessidades de uma pessoa. quanto mais de um pai de família com cinco filhos –, e ainda ter de buscar o amparo da Justiça para garantir, minimamente, um atendimento digno.
Acredito que ele não está buscando fortunas, reclama, apenas, que os valores repassados pelo estado não são suficientes para o seu custeio e de seu acompanhante nas viagens rotinas do seu tratamento.
Não bastasse todo o sofrimento do tratamento, ainda passa pelo desconforto de ter que ocupar um familiar – que, certamente, deixa seus afazeres para acompanhá-lo –, e passar necessidades junto com ele.
A secretaria, segundo soube, alega que cumpre a lei e faz os repasses segundo a política do SUS.
Não duvido, mas falta sensibilidade as autoridades para compreenderem e separarem os casos.
Neste, desde os momentos que antecederam os acontecimentos de janeiro de 2014, o Estado é o principal culpado, conforme explicamos acima. Não se está diante de uma requisição para tratamento fora de domicílio comum, onde o seu papel é prover o atendimento nos termos da lei e da Constituição, que garantem o direito do paciente à saúde.
É disso que se trata: sensibilidade. Será que passa pela cabeça de alguém que o rapaz é culpado e deve ser punido por seu ato extremo de generosidade? Será acham que não deveria ter voltado ao ônibus em chamas para socorrer aquela mãe e suas duas crianças? Será que acham que o Estado já fez muito, diante de tanto sofrimento pelo qual passou e passa essa vítima?
Pois é, talvez achem que essa pensão seja suficiente para que se sustente e aos seus filhos e ainda custear o tratamento de queimados, que sabemos, não é fácil.
Certamente, acham que a indenização que recebeu (ou receberá) do Estado é suficiente para compensar todo sofrimento que já passou e que ainda passará durante o resto de sua vida. Talvez, não por maldade, ignorem que o valor de tal indenização deve ser ou ter sido inferior ao que foi gasto apenas no convescote oferecido pelo governador do Maranhão ao ex-presidente Lula.
O que é pleiteado é tão ínfimo que não vejo justificativas para que o aparato estatal trabalhe com afinco no sentido de dificultar e causar mais sofrimento a quem tanto já sofreu.
As autoridades do Estado parecem ignorar que seres humanos são mais que números, por isso não se esforçam em demonstrar empatia com o sofrimento alheio.
Sentimentos são vias de mão dupla: se não há interesse em oferecer, certamente, não receberão de volta.
Lembro que não faz muito tempo uma jovem foi vítima de uma operação desastrada das forças de segurança pública do Estado do Maranhão. Até hoje, pelo menos não tomei conhecimento, o governador ou outra autoridade se dignou a reconhecer o erro e a pedir, formalmente, desculpas aos familiares e amigos da vítima. E, não tenho dúvidas, irá brigar a não mais poder para não pagar a indenização devida.
Falei disso no texto “Custa Pedir Desculpas?».
Dizia um bordão de campanha eleitoral: governar, é cuidar das pessoas.
Demonstrar um pouco de sensibilidade e solidariedade faz parte deste cuidado.
Abdon Marinho é advogado.