ATÉ TU, Ó SUPREMO?
UM fato prosaico talvez sirva para dimensionar o prestígio da Corte Suprema do Brasil perante a sociedade de jurisdicionados.
Por estes dias aquela digna Corte decidiu “transferir» o feriado do servidor público, que caiu no sábado, 28 de outubro, para o dia 03 de novembro, sexta-feira e garantir aos ilustres membros do Poder Judiciário um feriado prolongado, que certamente terá inicio já na terça-feira, dia 1º novembro, por conta da Lei nº. 5.010÷66, art. 62, IV, que estabelece os feriados na Justiça Federal e Tribunais Superiores.
Ora, como é comum que façam, poderiam, simplesmente ter decretado ponto facultativo na corte na sexta-feira, 03, o que causou estranhamento à patuleia foi a “transferência» do feriado. Mesmo porque, salvo um ou outro servidor ou plantonistas, a Justiça não funciona aos sábados, não fazendo sentido, à quiça de se festejar o Dia do Servidor, o deslocamento da data, sobretudo, quando a semana, para o Poder Judiciário, já estará praticamente “perdida”.
Para a imagem da Corte, causaria menos estrago, se não tivessem arranjado uma justificativa, pra lá de esfarrapada, para justificar o não funcionamento dos órgãos da justiça – pois o efeito cascata, foi imediato –, em plena sexta-feita.
Antes, fatos como este mobilizava apenas a comunidade jurídica, os advogados, principalmente, o excesso, em se deslocar um feriado, protagonizado pela maior instância da justiça brasileira, causou escândalo para toda a sociedade. Até mesmo os programas matutinos e vespertinos de rádio, deram destaque ao “feriado fora de época” dos senhores ministros. E olhem que nem sabiam que o feriadão começa, efetivamente, na quarta-feira.
O que se passa com aquela Corte? Será que para ela o tempo só passou para a degradação dos costumes, mas não em relação à desconexão com a sociedade e a realidade do país?
Outro dia um historiador se deu ao trabalho de investigar o destino do orçamento da Corte. Comprovou: São milhões e milhões de reais gastos com mordomias, com penduricalhos, mimos, umas coisas que tornam suas excelências autênticos marajás, tais como aqueles da Índia de séculos pretéritos.
Situações absurdamente dissociadas da realidade nacional, incompatíveis com a Constituição da República, a qual têm a missão de guardar, conforme se extrai do artigo 102: «Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição…”.
Esta mesma Carta Magna, estabelece que todos são iguais perante a mesma e as leis, não admitindo distinção de qualquer natureza, artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:..”.
Ora, por mais “exaustivo» que seja o trabalho de suas excelências, não tenho dúvidas que gozam de vantagens e deferências incompatíveis com a realidade dos demais trabalhadores, o que, ainda, indiretamente, é uma «distinção”, a começar, apenas para citar um exemplo, com férias de 60 (sessenta) dias por ano.
E ainda acham pouco? Que outro trabalhador brasileiro, mesmo aqueles que executam as tarefas mais penosas, tem tal e tantas outras vantagens?
Pois bem, se por um lado “habitam» o Olimpo das pompas que lhes conferem a dignidade da função de Estado, por outro descem aos infernos das brigas de rua e misturam ao que há de pior na falta de boas maneiras.
Nunca um dito popular foi tão apropriado a nossa Suprema Corte quanto aquele que diz: “Uma corrente será tão forte quanto o seu elo mais fraco”, cujo o autor não lembro.
Quem poderia imaginar que um evento com ministros de tão elevada Corte fosse recepcionado com populares jogando tomates?
Não duvido se amanhã os próprios ministros sejam os alvos de tais tomates ou de outras coisas.
Trata-se de um fato gravíssimo, acredito que inédito. E é a consequência mais eloquente do desprestígio da Corte perante os seus jurisdicionados.
Ainda que tenha sido orquestrado por alguém que teve algum interesse contrariado, não há como ocultar que os acontecimentos dos últimos tempos, têm atraído estas e outras insatisfações da sociedade em relação ao STF.
Como chagamos a tão estranha situação? Impossível identificar uma causa única.
As razões são muitas.
Uma das lições herdadas de meu pai – que era analfabeto de pai, mãe e parteira – foi que se quiséssemos respeito dos outros teríamos de nos respeitar antes.
Está aí o segredo, não podemos cobrar o respeito dos outros se nós mesmos não nos respeitamos.
O que acontece com Supremo Tribunal Federal é que as ações de seus membros, as suspeitas de favorecimentos, as ilações de beneficiamentos indevidos, favores pessoais de agentes públicos e mesmos terceiros, favorece ao desrespeito.
Isso tudo, sem contar que já vem de longas datas o fato do Pleno do Supremo Tribunal Federal, ter deixado de ser um ambiente de respeito mútuo e de discussões de teses jurídicas e a sua melhor aplicação em beneficio da sociedade, para se tornar uma espécie de «ringue de vaidades” e de interesses mesquinhos, onde as agressões pessoais – gravíssimas –, são desferidas por uns contra os outros sem quaisquer constragimentos.
Certamente os moleques que se “pegam” nas ruas para tirar suas diferenças no “braço”, não ficam devendo, em nada, muitas vezes, ao comportamento de suas excelências. Estes, como o próprio nome faz crê, se “pegam” nas ruas, respeitando o recesso de certos ambientes.
Como é possível que a sociedade acredite e confie numa corte cujo seus integrantes são imputados mutuamente a prática de crimes diversos, como vimos outro dia acontecer no célebre e vergonhoso bate-boca entre os ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes?
Além da falta de respeito mútuo, profanaram o principal ambiente da Justiça brasileira, não lhes valendo, sequer, os apelos feitos, em um fiapo de voz, pela ministra-presidente.
Ali foram imputadas condutas criminosas. O que um ministro disse do outro foi que eles teriam praticados crimes. Crimes contra a sociedade, contra os que confiam na Justiça.
Algo impensável, mas que não terá qualquer consequência que não seja esta que estamos assistindo: o desprestigio da Corte perante a sociedade.
Em vários canais de comunicação, como se estivéssemos em rinque de MMA, UFC – não sei como chamam –, vi a formação de torcidas: ministro fulano colocou o ministro sicrano no seu lugar; ministro beltrano “descatitou» com sicrano, e por aí vai, como se fossem torcidas organizadas destes ou daqueles.
Meus senhores, o STF não é ringue, não assistíamos a uma luta de boxe ou uma partida de futebol, infelizmente. Estávamos, sim, diante de um julgamento da mais elevada Corte do país.
Mesmo operadores do direito ou agentes políticos e sociais, com papel relevante perante a comunidade, pareceram não perceber a gravidade da situação, se perfilando como “torcedores” de um e de outro, quando, na verdade, estávamos numa casa onde falta pão, na qual todos gritam e nenhum tem razão.
Embora já tivéssemos tido a oportunidade de assistir a espetáculos igualmente deprimentes e grotesco, tenho a impressão que este último ultrapassou as fronteiras do aceitável e, numa situação extrema, permitiria que qualquer do povo, conforme manda a lei, desse ordem de prisão aos contendores em flagrante delito.
Infelizmente, mais que a eles próprios, que, não duvido, são acusados justamente, as agressões ofendem a dignidade Corte como um todo.
Por onde passo, nas sustentações que faço, costumo dizer que os tribunais são as derradeiras trincheiras da cidadania. O que assistimos, não sem nos estarrecer, é que esta trincheira está mais vulnerável que nunca.
E sem ela, que Deus tenha piedade de nós.
Abdon Marinho é advogado.
ATÉ TU, Ó SUPREMO?
Escrito por Abdon Marinho
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