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MAIS QUE UM FLERTE COM A MARGINALIDADE.

Escrito por Abdon Mar­inho

MAIS QUE UM FLERTE COM A MARGINALIDADE.

Por Abdon Marinho.

FOI ASSOM­BRADO que vi em um site lig­ado ao Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e, pos­te­ri­or­mente, em man­i­fes­tações de alguns líderes do par­tido, a saudação a uma ameaça feita – por mar­gin­ais – ao Supremo Tri­bunal Fed­eral – STF, e colo­cada na entrada de uma das mais vio­len­tas comu­nidades do Brasil, a Rocinha.

A faixa colo­cada na entrada da comu­nidade e saudada pelos petis­tas diz: “STF SE PREN­DER LULA O MORRO VAI DESCER”. Para alguns débeis men­tais esta­mos diante de uma rev­olução brasileira.

Não tenho motivos para duvi­dar que os inte­grantes da seita lid­er­ada pelo ex-​presidente perderam o juízo. A dita faixa «rev­olu­cionária» em tudo é con­trária ao con­de­nado Luiz Iná­cio Lula da Silva.

A começar pelo sta­tus que atribuem ao ex-​presidente: líder de crim­i­nosos. Sim, meus ami­gos, como esta­mos cansa­dos de assi­s­tir, sobre­tudo no estado do Rio de Janeiro, de onde parte a “hom­e­nagem”, sem­pre que um ban­dido é preso ou morto – mesmo os mais cruéis e vio­len­tos – os demais inte­grantes da quadrilha deter­mi­nam o “luto”, o fechamento do comér­cio, das esco­las, o “toque de recol­her” e, ainda, respon­dem com mais vio­lên­cia, ceifando a vida de rivais e inocentes.

A ameaça ao STF – algo inédito, até aqui –, sig­nifica que o con­de­nado pos­sui ele­vado sta­tus no meio dos crim­i­nosos que deter­mi­naram a colo­cação da faixa.

Talvez o amigo fique em dúvida se a faixa foi colo­cada por ban­di­dos ou por deter­mi­nação dos mes­mos. Com certeza foi, e digo isso por dois motivos: o cidadão comum não ousaria colo­car uma faixa na entrada da comu­nidade sem o con­sen­ti­mento dos traf­i­cantes. Na ver­dade, o cidadão comum está pouco lig­ando para essa con­de­nação, sobre­tudo em pleno Car­naval: ou estar envolvido com as fes­tivi­dades de sua escola ou bloco ou ten­tando fugir da vio­lên­cia que levou o Rio de Janeiro à situ­ação de guerra explícita. Segundo, porque se não foram mar­gin­ais inte­grantes de quadrilhas, com diver­sas pas­sagens pelo sis­tema de segu­rança, pas­saram a sê-​los ao ousarem ameaçar a mais impor­tante Corte de Justiça brasileira.

Movi­dos pelo deses­pero ou, por pura idi­o­tia, os ali­a­dos do ex-​presidente não percebem que estes mar­gin­ais usam a ameaça – por conta de sua con­de­nação e os está­gio de divisão da sociedade brasileira em torno da mesma –, como uma forma de se for­t­ale­cerem den­tro do crime.

Estes idio­tas, trav­es­ti­dos de mil­i­tantes políti­cos não enten­dem isso.

Não enten­dem que estão sendo usa­dos pelo crime orga­ni­zado. E não duvido que alguns – os mais rad­i­cais –, até se aliem aos crim­i­nosos no sen­tido de provo­carem tumul­tos ou crimes por ocasião da deter­mi­nação do cumpri­mento da pena, tais como fechamento das prin­ci­pais vias de acesso, assas­si­natos, etc.

Quando mil­hares de brasileiros estiverem mor­rendo por deter­mi­nação dos coman­dos de traf­i­cantes são capazes de diz­erem que é a «rev­olução» mate­ri­al­izada con­tra a prisão do ex-​presidente.

Estes «mili­ton­tos» não con­seguem perce­ber que a situ­ação do sen­hor Lula – a menos que crie uma leg­is­lação espe­cial só para enquadra-​lo – não tem outra solução que não seja a fuga para o exílio. E, caso isso não ocorra, ele será obri­gado a cumprir a pena a que foi con­de­nado, sem que o STF, den­tro de uma situ­ação de nor­mal­i­dade democrática, possa fazer nada. Ou seja, a ameaça – que acred­ito moti­vada por inter­esses próprios – é, abso­lu­ta­mente, inócua.

O ex-​presidente, seu par­tido, seus ali­a­dos e advo­ga­dos, ao insi­s­tirem no des­cumpri­mento da lei e, mais, em mantê-​lo na dis­puta para presidên­cia ape­nas aumen­tam o clima de insta­bil­i­dade política, de divisão social e o descrédito nas insti­tu­ições da democ­ra­cia brasileira ao redor do mundo.

Os crim­i­nosos que esten­deram a faixa só têm a gan­har com isso. Primeiro por se faz­erem sim­páti­cos à parte da sociedade ali­ada do con­de­nado e segundo porque na even­tu­al­i­dade de uma decisão favorável ao mesmo, eles, os crim­i­nosos, seriam os maiores ben­e­fi­ci­a­dos, con­forme explico abaixo.

Como sabe­mos, em 2016, uma decisão – por estre­ita margem –, do STF enten­deu que o cumpri­mento das penas pode­ria ser deter­mi­nado a par­tir da segunda instân­cia. Tal medida pas­sou a ser uma «fac­ul­dade» do órgão cole­giado de segundo grau da Justiça.

Ape­nas para efeitos de reg­istro, por ocasião da decisão fui um dos seus críti­cos, enten­dendo que a mesma estaria em con­tradição com o man­da­mento con­sti­tu­cional de que “ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória” (art. 5º, LVII).

Muitos dos meus ami­gos enten­deram que esperar o trân­sito em jul­gado da pena era algo que dis­tan­ci­ava, ainda mais, ricos de pobres, uma vez que os ricos – e são muitos os exem­p­los –, podem pagar caros advo­ga­dos que levam seus proces­sos às cal­en­das e as pre­scrições, ficando estes, ricos e poderosos, isen­tos do cumpri­mento das penas.

Pois bem, o certo é que o STF enten­deu que o cumpri­mento pro­visório da pena não ofende tal dis­pos­i­tivo con­sti­tu­cional fac­ul­tando aos órgãos da justiça de segundo grau a quem com­pe­tir jul­gar que deter­mine o ime­di­ato cumpri­mento das penas ou não.

O Tri­bunal Regional da Quarta Região, usando desta fac­ul­dade deter­mi­nou o cumpri­mento da pena de ime­di­ato, não ape­nas por parte do sen­hor Lula mas de tan­tos out­ros que con­fir­mou a condenação.

Assim, uma decisão sob medida para ben­e­fi­ciar o ex-​presidente, terá, obri­ga­to­ri­a­mente, que dizer que o cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia fere a pre­sunção de inocência.

Ora, ao dizer isso, o STF estará deter­mi­nando a soltura de todos os pre­sos do país cujo os proces­sos não ten­ham «tran­si­tado em jul­gado», tratar-​se-​á de uma ver­dadeira política de «celas aber­tas” que soltará, não ape­nas aos cor­rup­tos apan­hados nos mais dis­tin­tos escân­da­los, quando os traf­i­cantes, assas­si­nos, chefes dos cartéis criminosos.

É isso que estará em jogo, todos os crim­i­nosos cujo os proces­sos este­jam pen­dentes de recur­sos, terão o dire­ito de pedir a exten­são do ben­efi­cio con­ce­dido ao ex-​presidente condenado.

Assim, como disse, os ban­di­dos que esten­deram a faixa com ameaças ao STF, estão, tam­bém, defend­endo seus interesses.

Estou é pasmo ao ver pes­soas esclare­ci­das não se darem conta do que estar em jogo.

Outra coisa assom­brosa, e que rev­ela a falta de com­pro­misso do ex-​presidente, os par­tidos alin­hados ao mesmo, seus líderes e mil­i­tantes, com o Brasil e suas insti­tu­ições democráti­cas é a insistên­cia numa pré-​candidatura ile­gal e abusiva.

Indifer­entes às leis do país, saem Brasil afora fazendo comí­cios – sim, são comí­cios –, não ape­nas para si, uma vez que sabe da impos­si­bil­i­dade de ser can­didato, como para os demais ali­a­dos num claro acinte as leis.

Qual­quer pes­soa de bom senso sabe da impos­si­bil­i­dade de uma can­di­datura do sen­hor Lula – repito: a não ser que se revogue parte das leis que dão sus­ten­tação a democ­ra­cia brasileira –, além da chamada Lei da Ficha Limpa – lei que con­tou com amplo apoio da pop­u­lação brasileira com quase dois mil­hões de assi­nat­uras em seu favor, e que tem obje­tivo extir­par da vida pública os cor­rup­tos e os respon­sáveis por out­ros crimes –, pesa con­tra o mesmo a pena adi­cional decor­rente da Lei de Lavagem e Ocul­tação de Bens (Lei 9.613÷1998), qual seja: “a inter­dição do exer­cí­cio de cargo ou função pública de qual­quer natureza e de dire­tor, mem­bro de con­selho de admin­is­tração ou de gerên­cia das pes­soas jurídi­cas referi­das no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena pri­v­a­tiva de liber­dade apli­cada”. (art. 7º, II, da Lei 9.613÷98).

Mas não é só, além destes dois imped­i­men­tos, já con­fir­ma­dos pela segunda instân­cia da Justiça brasileira, con­tra o sen­hor Lula pesa, ainda, diver­sos out­ros pro­ced­i­men­tos onde o mesmo é réu – alguns em vias de con­de­nação em primeira instân­cia –, ou inves­ti­gado que o inabilita para o cargo pretendido.

Não sei se recor­dam, mas a des­graça do sen­hor Eduardo Cunha, ex-​deputado e ex-​presidente da Câmara dos Dep­uta­dos – sem desmere­cer a série de crimes que come­teu –, começou quando o mesmo se colo­cou na linha sucessória para o exer­cí­cio da Presidên­cia da República.

Naquela opor­tu­nidade o STF assen­tou que um réu não pode­ria fig­u­rar na linha sucessória da presidência.

A par­tir daí a car­reira do hoje con­de­nado e preso, só ruiu.

Assim, não passa de uma perigosa tolice essa ideia de querer levar adi­ante a can­di­datura do ex-​presidente.

Não se trata ape­nas de um mero “ficha-​suja” que deseja con­cor­rer «sub judice”, na ver­dade esta­mos diante de alguém que não pode pleit­ear jamais assumir o mais ele­vado cargo do país.

Se o outro não pode­ria fig­u­rar na linha de sucessão, o que dizer de alguém, com tan­tos per­calços, pre­tender a titularidade?

Como vemos, a insistên­cia só reflete a falta de com­pro­mis­sos com a esta­bil­i­dade do país, de duas uma: são tolos ou mal inten­ciona­dos. Sem desprezar a pos­si­bil­i­dade de serem os dois.

Abdon Mar­inho é advogado.

O DIRE­ITO E A ANGÚS­TIA DA DEFESA.

Escrito por Abdon Mar­inho

O DIRE­ITO E A ANGÚS­TIA DA DEFESA.
Por Abdon Mar­inho.
NOS primeiros anos que se seguiram a rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil, a médica Maria Aragão con­vi­dou para um ciclo de palestras o líder comu­nista Luís Car­los Prestes. Ado­les­cente, envolvido com o movi­mento estu­dan­til, par­ticipei de um destes debates que ocor­reu no auditório da Bib­lioteca Pública Bened­ito Leite, um lindo espaço local­izado na cúpula daquela casa, no ter­ceiro andar.
Em um dos momen­tos da palestra o líder comu­nista nar­rou sobre a sua relação com o advo­gado Herá­clito Fon­toura Sobral Pinto. Pes­soas, abso­lu­ta­mente dis­tin­tas, o comu­nista que tinha como defen­sor o advo­gado católico prat­i­cante e con­sid­er­ado, politi­ca­mente, con­ser­vador, porém, fer­renho defen­sor dos dire­itos humanos.
Ainda, na opor­tu­nidade, contou-​nos que na sua defesa, quando preso por ter lid­er­ado o lev­ante comu­nista de 1935, aquele ícone da advo­ca­cia, à mín­gua de qual­quer leg­is­lação que socor­resse seu cliente, valeu-​se da lei de pro­teção aos ani­mais, o Decreto Lei 24.645÷34, san­cionado pelo próprio Getúlio Var­gas, coman­dante do gov­erno que o man­dara pren­der, a ditadura do Estado Novo.
Mais de trinta anos depois, ocorreu-​me esta lem­brança diante da polêmica situ­ação de um colega advo­gado que, tam­bém, na defesa de um dire­ito de seu cliente, bus­cou no remé­dio hero­ico, o habeas cor­pus, a lib­er­ação de um veículo e, por conta disso, sofreu uma vio­lenta repri­menda – gros­seira e desproposi­tada – por parte do jul­gador que exam­inou a matéria. Tendo o jul­gador, num claro excesso, recomen­dado que o causídico fosse sub­metido a novo exame de ordem, ou que se ado­tasse outra medida, igual­mente jocosa e revestida de humil­hação e con­strang­i­mento ao advo­gado e à advo­ca­cia.
A polêmica alcançou-​me no tra­jeto para uns com­pro­mis­sos em Caru­ta­pera e Luís Domingues – mais uma vez. Uma mera coin­cidên­cia ou uma com­pro­vação de que estou indo demais ao extremo norte do estado.
Enquanto per­cor­ríamos o longo tra­jeto (tanto ida quanto volta), pen­sava sobre a situ­ação: o quanto às vezes, a vida, as opções, nos pregam peças e nos trazem cer­tos diss­a­bores.
Decerto que o colega con­hece os lim­ites do remé­dio con­sti­tu­cional. Mas, não se pode olvi­dar que mesmo teve a pre­ten­são de ver “livre” o veículo para o cliente – um cidadão, já alque­brado pelos anos –, que uti­lizava o bem que dis­punha para se loco­mover, sendo pri­vado de tal dire­ito pelo retardo do Estado.
Será que apelaria para medida tão rad­i­cal se o Estado (aqui incluso tam­bém o estado-​juiz) tivesse agido de forma célere e enten­dido que por trás de uma demanda exis­tem vidas depen­dendo de uma solução? Estou certo que não.
Mas, como não se angus­tiar quando vemos medi­das – mesmo as mais sin­ge­las –, como um sim­ples despa­cho, um “cite-​se”, “mor­garem” nas prateleiras do Judi­ciário? Quando, diante de tanta neces­si­dade, um alvará não ser emi­tido sem uma causa plausível que não a preguiça? Como achar nor­mal que uma mísera perí­cia em um veículo, pas­sa­dos mais de 45 dias, resta sem ser feita? Have­ria algo a ser peri­ci­ado, depois de tanto tempo, com o veículo sofrendo as intem­péries da natureza, ao relento, pegando sol e chuva? Como explicar tais coisas ao cliente, quando o que ele reclama é algo tão sim­ples como ter um bem que com­prou, pagou e dele neces­sita para se loco­mover?
Que atire a primeira pedra o que nunca se indig­nou com a falta sen­si­bil­i­dade e mesmo senso de justiça de tan­tos que operam o dire­ito.
Busquei na memória. Ainda não tinha um ano advo­gando (já se vão mais de vinte) quando, cuidando de uma cam­panha eleitoral, chegou-​me um caso curioso: a emis­sora de tele­visão respon­sável pela ger­ação da pro­pa­ganda, ao nosso sen­tir, nunca cumpria como devia ou retar­dava no cumpri­mento as pou­cas vitórias que obtín­hamos.
Um dia, já indig­nado (a palavra a ser usada dev­e­ria ser outra) pedi ao juiz que deter­mi­nasse a prisão da pres­i­dente da emis­sora.
Ora, sabíamos que não havia qual­quer amparo à pre­ten­são, que, nos ter­mos da lei, dev­eríamos fazer uma rep­re­sen­tação ao min­istério público e que este, se enten­desse, faria uma denún­cia, que cer­ta­mente não daria em nada.
Naquela opor­tu­nidade, ouvindo reclames diver­sos, pré­cisá­va­mos, ao menos, ten­tar estancar os pre­juí­zos que está­va­mos tendo. Foi o que fiz.
Algum tempo depois, con­ver­sando com Wal­ter Rodrigues, tocamos no assunto e ele foi categórico: — Abdon, fizestes muito bem. Pela primeira vez na vida alguém teve a cor­agem de pedir a prisão Teresa Murad Sar­ney. Só mesmo você.
Não sei se disse isso como um chiste ou como um elo­gio.
O ver­dadeiro advo­gado não tem medo de, respei­tando os lim­ites da lei, pedir e cla­mar pelo dire­ito do seu cliente. Pelo con­trário, é a sua obri­gação.
O próprio Sobral Pinto já pon­tu­ava que a advo­ca­cia não era lugar para covardes.
Advo­ga­dos, não podemos, não deve­mos e não temos o dire­ito de nos aco­modar­mos, de não ousar­mos. Não podemos nos “bito­lar­mos” a só faz­er­mos aquilo que con­sta nos man­u­ais.
A ver­dadeira Advo­ca­cia com “A” é auda­ciosa e ousada. A par­tir das deman­das soci­ais trans­forma o dire­ito.
Não podemos, diante das neg­a­ti­vas ou das pre­ten­sões não aten­di­das, nós sen­tar­mos no meio-​fio e choramos, pelo con­trário, temos que con­tin­uar a luta até as instân­cias der­radeiras, até nos faz­er­mos ouvir.
Lem­bro que não faz muito tempo, acho que na eleição de 2016, chegou-​nos um caso em que, pelas vias ordinárias, já tín­hamos ten­tado tudo para reverter, sem con­seguir. Como a argu­men­tação tinha origem numa decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, chamei os cole­gas e disse: — vamos fazer uma recla­mação ao Supremo. A reação deles foi: — tu é doido, onde já se viu ocu­par o Supremo com isso; não será con­hecido, etc.
Respondi-​lhes pior do que perder era não ten­tar­mos, não usar­mos de tudo que podíamos para resolver o réclame do cliente. Bem, para encur­tar a história, fize­mos a recla­mação e o Supremo não a con­heceu. Mas ten­ta­mos.
A Sobral Pinto só restou, segundo o próprio cliente, o decreto-​lei san­cionado para a pro­teção dos ani­mais. Será que não dev­e­ria usá-​lo? Será que foi ridículo fazê-​lo? Estou certo que não.
Conta o ane­dotário jurídico que, certa vez, no próprio Supremo, Rui Bar­bosa, defendeu, pela manhã uma tese, tendo obtido vitória e, à tarde, por ocasião de outra sus­ten­tação, defendeu uma tese que se opunha à primeira. Um dos min­istros o ques­tio­nou: — Dr. Rui, mais cedo o sen­hor defendeu uma tese diame­tral­mente oposta à esta.
O baian­inho, então, saiu-​se com esta: — Vossa Excelên­cia tem razão. Mas, na sessão da manhã eu estava errado.
Talvez seja ape­nas uma piada ou causo com o gênio do dire­ito brasileiro e tal fato nunca tenha se dado. Entre­tanto, estou certo que ele, difer­ente do afir­mado pelo mag­istrado, não se enver­gonharia da ati­tude do colega que, ante à sur­dez cos­tumeira da Justiça, teve de valer-​se do instru­mento excep­cional do Habeas Cor­pus na intenção de per­mi­tir que seu cliente pudesse se loco­mover em seu veículo.
Aliás, registre-​se, não foi a primeira vez que se fez uso de tal instru­mento para “lib­er­tar” coisas. Um caso, famoso pela sen­si­bil­i­dade – tanto do advo­gado quando do juiz –, foi o céle­bre “Habeas Pinho”, onde o advo­gado e boêmio Ronaldo Cunha Lima, em forma de poema, peti­cio­nou pela liber­dade do seu vio­lão e o juiz, igual­mente, em poema, o deferiu.
Eram out­ros tem­pos. Quando havia o respeito mútuo, quando mag­istra­dos se per­mi­tiam fazer poe­mas; quando o desejo de ver valer o bom dire­ito era supe­rior ao direto de fazer valer o inter­esse próprio e as próprias vaidades; quando a Justiça tinha o dire­ito de se fazer respeitar sem que lhe fosse apon­tado os próprios descam­in­hos.
Encerro estas pou­cas lin­has que escrevo a bordo do fer­ry­boat Baía de São José, que já se aprox­ima da Cidade de São Luís, não sem antes hipote­car minha total e sol­i­dariedade ao colega que, com deste­mor, ousou ir além dos lim­ites do foi ensi­nado nos ban­cos esco­lares. E, faço isso enquanto lamento o fato do mag­istrado haver se tor­nado, infe­liz­mente, ele próprio – que tem o dever zelar pelas boas relações e paci­ficar a sociedade – um pri­sioneiro das fór­mu­las e man­u­ais.
Abdon Mar­inho é advogado.

UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.

Escrito por Abdon Mar­inho

UM DESPROPÓSITO DE HOM­E­NAGEM.
Por Abdon Mar­inho.
A COR­RENTE é das primeiras lem­branças que trago da infân­cia. A cor­rente da cole­to­ria.
Aos mais jovens abro um parên­tese para explicar que antiga­mente, em quase todos municí­pios do Maran­hão tinha uma Cole­to­ria com uma cor­rente na frente da estrada que obri­gava os cam­in­hões e out­ros veícu­los a pararem para que fosse ver­i­fi­cada o que trans­portavam e fazer o recol­hi­mento dos impos­tos.
Acho que o nome téc­nico dos fun­cionários eram fis­cais da fazenda, mas, para todos, eram ape­nas chama­dos de cole­tor.
Na Gonçalves Dias da minha infân­cia, a Cole­to­ria – que tinha como cole­tor o sen­hor Mar­cionilio Lopes, se me falha a memória –, ficava na entrada da cidade, nas prox­im­i­dades do cemitério munic­i­pal, mais ou menos em frente onde, depois con­struíram o depósito da Com­pan­hia Brasileira de Armazenagem ou, sim­ples­mente, CIBRAZEM, e as residên­cias dos seus fun­cionários – o primeiro con­domínio da cidade.
Pois bem, muitos anos depois, já advo­gado ini­ciando a car­reira, con­heci outro cole­tor, o sen­hor Joel dos San­tos, pai do meu sócio Wel­ger Freire.
Já vivendo a sabedo­ria out­onal da vida, seu Joel, como o chamava, cos­tu­mava dizer – e Wel­ger, vez por outra, tam­bém conta –, que em todos os anos em que foi cole­tor nunca entrou para fis­calizar um esta­b­elec­i­mento sem que não tenha encon­trado mais de uma irreg­u­lar­i­dade.
Faço essa breve digressão para entrar no assunto pro­pri­a­mente dito e que me trouxe a lem­brança das palavras do saudoso Joel dos San­tos.
A imprensa notí­cia que o gov­er­nador do Maran­hão, por decisão do Con­selho dos Procu­radores do Min­istério Público Estad­ual, foi agra­ci­ado com a mais impor­tante comenda daquela insti­tu­ição, a medalha Celso Mag­a­l­hães.
Mais do que ao gov­er­nador, que ape­nas é uma peça na engrenagem da admin­is­tração, uma hom­e­nagem a todo o gov­erno pelos rel­e­vantes serviços presta­dos à causa da insti­tu­ição. Na ver­dade uma espé­cie de “ates­tado de hon­esti­dade” ao gov­er­nador e a seu gov­erno.
O Min­istério Público Estad­ual, con­trar­iando a lóg­ica e a exper­iên­cia do velho Joel, com a dita hom­e­nagem atesta que o atual gov­erno é um pri­mor de hon­esti­dade a não mere­cer reparos. Como se seu Joel olhasse ape­nas a fachada do esta­b­elec­i­mento e já fosse carim­bando a “reg­u­lar­i­dade”.
Não duvido que o gov­er­nador mereça, até porque faltam-​me ele­men­tos para dizer se o gov­erno é ou não hon­esto. Até porque tempo não me sobra para acom­pan­har suas ações, vigiar os diários ou inves­ti­gar a ver­dade dos muitos boatos que ouvi­mos.
Isso é papel dos órgãos de con­t­role, dos par­tidos de oposição e dos políti­cos que dis­putarão a prefer­ên­cia do eleitorado logo mais. Entre­tanto é fato que a oposição tem denun­ci­ado uma série de “malfeitos” da atual gestão, bem como não se pode olvi­dar que a Polí­cia Fed­eral, por três vezes – tal como Pedro negou Cristo –, já aman­heceu “na porta” do atual gov­erno cobrando expli­cações diver­sas.
Mas, ainda que nada disso tivesse ocor­rido, nem mesmo os reclames dos opos­i­tores, entendo que o Min­istério Público pos­sui uma rel­e­vante mis­são Con­sti­tu­cional que torna incom­patível com esse tipo de pro­ceder.
A con­vicção do equívoco se acen­tua, quando, segundo diver­sos meios de comu­ni­cação, além da hon­raria con­ce­dida ao gov­er­nador, o que mais viu foram suas excelên­cias, Procu­radores de Justiça, em cenas de “tietagem” explícita em relação ao chefe do Poder Exec­u­tivo estad­ual. Não estava lá, talvez seja ape­nas a maledicên­cia dos opos­i­tores.
Noutra quadra, acred­ito que suas excelên­cias não aten­taram para as con­se­quên­cias da delib­er­ação que tomaram.
Ainda que digam que o fato de con­ced­erem a tal hon­raria não os impe­dem do pleno exer­cí­cio de suas atribuições, decerto que não é assim que os opos­i­tores ou mesmo o cidadão comum vão enten­der.
Outro dia publiquei um texto onde aler­tava para o incô­modo silên­cio do Min­istério Público Estad­ual em face das diver­sas oper­ações da Polí­cia Fed­eral no estado. Pul­ulavam as infor­mações de desvios, pes­soas pre­sas, etcetera, e nada se ouvia do fis­cal da lei, nem mesmo de uma declar­ação pro­to­co­lar a pat­uleia tomou con­hec­i­mento.
Se eu – que nada tenho con­tra ou a favor ao gov­erno –, não entendi o silên­cio, o que dizer dos opos­i­tores ou mesmo dos cidadãos comuns que têm mal­querenças ou deman­das con­tra o gov­erno ou o gov­er­nador? Como enten­der que o MPE, tenha, prati­ca­mente, con­ce­dido um “ates­tado de hon­esti­dade” a atual gestão?
Claro, poderão dizer não ates­taram hon­esti­dade de ninguém ou, ainda, que não é nada disso, entre­tanto, tal hom­e­nagem não com­por­tava, excelên­cias, sobre­tudo, agora, em pleno ano de eleições gerais.
Será que não aten­taram para a pos­si­bil­i­dade de algum “mar­queteiro” ter a infe­liz “ideia” de usar a tal medalha como instru­mento de pro­pa­ganda eleitoral dizendo que o Min­istério Público “atestou” a hon­esti­dade do gov­er­nador e que por isso o mesmo deve ser reeleito? Já pen­saram no tra­balho que será des­men­tir tal coisa? E como fica a lisura do pleito?
Não duvi­dem que isso ocorra. Mesmo que não seja feito “ofi­cial­mente” pela cam­panha, será feito por algum dos diver­sos blogueiros e/​ou jor­nal­is­tas à soldo das cam­pan­has ou sim­ples­mente sim­pa­ti­zantes. E ainda usarão as ima­gens com as cenas de “tietagem” – se é que estas ocor­reram.
A maior pre­ocu­pação de quem fará a eleição deste ano será com a dis­sem­i­nação de notí­cias fal­sas, destor­ci­das ou que não cor­re­spon­dem a total­i­dade da ver­dade. Sabe­mos que serão muitas. Os pré-​candidatos já preparam seus “exérci­tos” para ocu­parem as redes soci­ais e dis­sem­inarem loas a si e apon­tar os defeitos dos adver­sários.
Essa pre­ocu­pação que é geral dev­e­ria cobrar maior dis­crição das insti­tu­ições e não o con­trário.
Noutras palavras, inad­ver­tida­mente, suas excelên­cias, levaram o Min­istério Público Estad­ual para den­tro dis­puta eleitoral com todas suas nefas­tas con­se­quên­cias.
Um enorme passo atrás.
O Min­istério Público, a par­tir da Carta de 1988, só não gan­hou o nome de “poder”, mas é, efe­ti­va­mente, um poder. Ele sabe disso e usa suas pre­rrog­a­ti­vas com tanta ênfase que já há, inclu­sive, quem réclame dos seus exces­sos e intro­mis­sões noutras esferas admin­is­tra­ti­vas.
Quase trinta anos depois, com o Min­istério Público, com as atribuições e inde­pendên­cia con­sol­i­dadas, o despropósito da hom­e­nagem, parece-​nos, um ponto fora da curva, uma espé­cie de provin­cian­ismo tar­dio daque­les que, pen­sá­va­mos, tinha ficado no pas­sado.
Até porque, nas mais diver­sas comar­cas temos visto o órgão min­is­te­r­ial extrema­mente atu­ante, por vezes – como ante­ri­or­mente dito –, quase extrap­olando de suas atribuições e invadindo as funções de quem foi legit­i­ma­mente eleitos pelo povo – que é o deten­tor do poder orig­inário.
E é este zelo que tem valido ao MPE o recon­hec­i­mento como o mais atu­ante do país no com­bate à cor­rupção, título este, aliás, can­tado em prosa e verso e fes­te­jado por onde se passa.
Por isso mesmo, uma dis­tinção ofer­tada a quem deva ser objeto das atribuições não deixa de causar assom­bro às pes­soas sen­sa­tas.
Onde já viu prestar hom­e­nagem ou distribuir-​se comen­das aque­les que nada mais fazem que cumprirem com seu dever? Será que, dora­vante, os gestores munic­i­pais que cumprirem seu dever tam­bém serão agra­ci­a­dos? O MPE pre­tende criar um selo de qual­i­dade admin­is­tra­tiva? Os pre­sos com bom com­por­ta­mento tam­bém recla­marão o recon­hec­i­mento do órgão acu­sador? Farão jus à comen­das?
Um amigo, em pas­sagem por Lis­boa, Por­tu­gal, con­tou aos nos­sos patrí­cios sobre a tal hom­e­nagem prestada pelo Min­istério Público ao chefe do Poder Exec­u­tivo maran­hense e eles não acred­i­taram, pen­saram tratar-​se de uma piada de brasileiro.
Tal qual ocor­ria no pas­sado, quando suas excelên­cias não viam nada demais em com­pare­cerem até em inau­gu­rações de obras públi­cas para deitarem aplau­sos e elo­gios às autori­dades, a atual hom­e­nagem revela-​se fora de con­texto, como uma ode ao provin­cian­ismo.
Deve­mos recon­hecer, entre­tanto, que já foi bem pior.
Por estas pla­gas, já foram mais comuns os con­vescotes em hotéis de luxo ou man­sões, onde todos se encon­travam para se con­frat­er­nizar e fes­te­jar – mag­istra­dos, mem­bros do min­istério público, empresários, políti­cos, advo­ga­dos, etc. –, quando muitas vezes, nos dias pos­te­ri­ores, estes mes­mos con­vi­vas eram clientes uns dos out­ros: jul­gadores e réus.
Para aumen­tar o provin­cian­ismo – e a falta de com­pos­tura –, ou rev­e­lar a falta de con­strang­i­mento, ainda posavam para fotos que sairiam nas col­u­nas soci­ais de domingo ou durante a sem­ana.
O saudoso jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues não cansava de me inda­gar sobre tais exo­tismos: — Abdon, esse povo não fica con­strangido, de ficarem todos jun­tos e mis­tu­ra­dos e nos dias seguintes estarem dis­putando inter­esses diver­gentes? Ou ainda: — Abdon, que hora mesmo esse povo tra­balha, ler ou estuda, se não nos cansamos de vê-​los dia sim e no outro tam­bém, em fes­tas e fes­tas?
Ainda bem que estas, são coisas que ficaram no pas­sado, pelo menos já esta­mos longe do que era. Vez por outra é que apare­cem algu­mas recaí­das, tais como estas da hom­e­nagem e tietagem fora de propósito.
Abdon Mar­inho é advogado.