UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.
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- Criado: Quinta, 01 Fevereiro 2018 09:32
- Escrito por Abdon Marinho
UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.
Por Abdon Marinho.
A CORRENTE é das primeiras lembranças que trago da infância. A corrente da coletoria.
Aos mais jovens abro um parêntese para explicar que antigamente, em quase todos municípios do Maranhão tinha uma Coletoria com uma corrente na frente da estrada que obrigava os caminhões e outros veículos a pararem para que fosse verificada o que transportavam e fazer o recolhimento dos impostos.
Acho que o nome técnico dos funcionários eram fiscais da fazenda, mas, para todos, eram apenas chamados de coletor.
Na Gonçalves Dias da minha infância, a Coletoria – que tinha como coletor o senhor Marcionilio Lopes, se me falha a memória –, ficava na entrada da cidade, nas proximidades do cemitério municipal, mais ou menos em frente onde, depois construíram o depósito da Companhia Brasileira de Armazenagem ou, simplesmente, CIBRAZEM, e as residências dos seus funcionários – o primeiro condomínio da cidade.
Pois bem, muitos anos depois, já advogado iniciando a carreira, conheci outro coletor, o senhor Joel dos Santos, pai do meu sócio Welger Freire.
Já vivendo a sabedoria outonal da vida, seu Joel, como o chamava, costumava dizer – e Welger, vez por outra, também conta –, que em todos os anos em que foi coletor nunca entrou para fiscalizar um estabelecimento sem que não tenha encontrado mais de uma irregularidade.
Faço essa breve digressão para entrar no assunto propriamente dito e que me trouxe a lembrança das palavras do saudoso Joel dos Santos.
A imprensa notícia que o governador do Maranhão, por decisão do Conselho dos Procuradores do Ministério Público Estadual, foi agraciado com a mais importante comenda daquela instituição, a medalha Celso Magalhães.
Mais do que ao governador, que apenas é uma peça na engrenagem da administração, uma homenagem a todo o governo pelos relevantes serviços prestados à causa da instituição. Na verdade uma espécie de “atestado de honestidade” ao governador e a seu governo.
O Ministério Público Estadual, contrariando a lógica e a experiência do velho Joel, com a dita homenagem atesta que o atual governo é um primor de honestidade a não merecer reparos. Como se seu Joel olhasse apenas a fachada do estabelecimento e já fosse carimbando a “regularidade”.
Não duvido que o governador mereça, até porque faltam-me elementos para dizer se o governo é ou não honesto. Até porque tempo não me sobra para acompanhar suas ações, vigiar os diários ou investigar a verdade dos muitos boatos que ouvimos.
Isso é papel dos órgãos de controle, dos partidos de oposição e dos políticos que disputarão a preferência do eleitorado logo mais. Entretanto é fato que a oposição tem denunciado uma série de “malfeitos” da atual gestão, bem como não se pode olvidar que a Polícia Federal, por três vezes – tal como Pedro negou Cristo –, já amanheceu “na porta” do atual governo cobrando explicações diversas.
Mas, ainda que nada disso tivesse ocorrido, nem mesmo os reclames dos opositores, entendo que o Ministério Público possui uma relevante missão Constitucional que torna incompatível com esse tipo de proceder.
A convicção do equívoco se acentua, quando, segundo diversos meios de comunicação, além da honraria concedida ao governador, o que mais viu foram suas excelências, Procuradores de Justiça, em cenas de “tietagem” explícita em relação ao chefe do Poder Executivo estadual. Não estava lá, talvez seja apenas a maledicência dos opositores.
Noutra quadra, acredito que suas excelências não atentaram para as consequências da deliberação que tomaram.
Ainda que digam que o fato de concederem a tal honraria não os impedem do pleno exercício de suas atribuições, decerto que não é assim que os opositores ou mesmo o cidadão comum vão entender.
Outro dia publiquei um texto onde alertava para o incômodo silêncio do Ministério Público Estadual em face das diversas operações da Polícia Federal no estado. Pululavam as informações de desvios, pessoas presas, etcetera, e nada se ouvia do fiscal da lei, nem mesmo de uma declaração protocolar a patuleia tomou conhecimento.
Se eu – que nada tenho contra ou a favor ao governo –, não entendi o silêncio, o que dizer dos opositores ou mesmo dos cidadãos comuns que têm malquerenças ou demandas contra o governo ou o governador? Como entender que o MPE, tenha, praticamente, concedido um “atestado de honestidade” a atual gestão?
Claro, poderão dizer não atestaram honestidade de ninguém ou, ainda, que não é nada disso, entretanto, tal homenagem não comportava, excelências, sobretudo, agora, em pleno ano de eleições gerais.
Será que não atentaram para a possibilidade de algum “marqueteiro” ter a infeliz “ideia” de usar a tal medalha como instrumento de propaganda eleitoral dizendo que o Ministério Público “atestou” a honestidade do governador e que por isso o mesmo deve ser reeleito? Já pensaram no trabalho que será desmentir tal coisa? E como fica a lisura do pleito?
Não duvidem que isso ocorra. Mesmo que não seja feito “oficialmente” pela campanha, será feito por algum dos diversos blogueiros e/ou jornalistas à soldo das campanhas ou simplesmente simpatizantes. E ainda usarão as imagens com as cenas de “tietagem” – se é que estas ocorreram.
A maior preocupação de quem fará a eleição deste ano será com a disseminação de notícias falsas, destorcidas ou que não correspondem a totalidade da verdade. Sabemos que serão muitas. Os pré-candidatos já preparam seus “exércitos” para ocuparem as redes sociais e disseminarem loas a si e apontar os defeitos dos adversários.
Essa preocupação que é geral deveria cobrar maior discrição das instituições e não o contrário.
Noutras palavras, inadvertidamente, suas excelências, levaram o Ministério Público Estadual para dentro disputa eleitoral com todas suas nefastas consequências.
Um enorme passo atrás.
O Ministério Público, a partir da Carta de 1988, só não ganhou o nome de “poder”, mas é, efetivamente, um poder. Ele sabe disso e usa suas prerrogativas com tanta ênfase que já há, inclusive, quem réclame dos seus excessos e intromissões noutras esferas administrativas.
Quase trinta anos depois, com o Ministério Público, com as atribuições e independência consolidadas, o despropósito da homenagem, parece-nos, um ponto fora da curva, uma espécie de provincianismo tardio daqueles que, pensávamos, tinha ficado no passado.
Até porque, nas mais diversas comarcas temos visto o órgão ministerial extremamente atuante, por vezes – como anteriormente dito –, quase extrapolando de suas atribuições e invadindo as funções de quem foi legitimamente eleitos pelo povo – que é o detentor do poder originário.
E é este zelo que tem valido ao MPE o reconhecimento como o mais atuante do país no combate à corrupção, título este, aliás, cantado em prosa e verso e festejado por onde se passa.
Por isso mesmo, uma distinção ofertada a quem deva ser objeto das atribuições não deixa de causar assombro às pessoas sensatas.
Onde já viu prestar homenagem ou distribuir-se comendas aqueles que nada mais fazem que cumprirem com seu dever? Será que, doravante, os gestores municipais que cumprirem seu dever também serão agraciados? O MPE pretende criar um selo de qualidade administrativa? Os presos com bom comportamento também reclamarão o reconhecimento do órgão acusador? Farão jus à comendas?
Um amigo, em passagem por Lisboa, Portugal, contou aos nossos patrícios sobre a tal homenagem prestada pelo Ministério Público ao chefe do Poder Executivo maranhense e eles não acreditaram, pensaram tratar-se de uma piada de brasileiro.
Tal qual ocorria no passado, quando suas excelências não viam nada demais em comparecerem até em inaugurações de obras públicas para deitarem aplausos e elogios às autoridades, a atual homenagem revela-se fora de contexto, como uma ode ao provincianismo.
Devemos reconhecer, entretanto, que já foi bem pior.
Por estas plagas, já foram mais comuns os convescotes em hotéis de luxo ou mansões, onde todos se encontravam para se confraternizar e festejar – magistrados, membros do ministério público, empresários, políticos, advogados, etc. –, quando muitas vezes, nos dias posteriores, estes mesmos convivas eram clientes uns dos outros: julgadores e réus.
Para aumentar o provincianismo – e a falta de compostura –, ou revelar a falta de constrangimento, ainda posavam para fotos que sairiam nas colunas sociais de domingo ou durante a semana.
O saudoso jornalista Walter Rodrigues não cansava de me indagar sobre tais exotismos: — Abdon, esse povo não fica constrangido, de ficarem todos juntos e misturados e nos dias seguintes estarem disputando interesses divergentes? Ou ainda: — Abdon, que hora mesmo esse povo trabalha, ler ou estuda, se não nos cansamos de vê-los dia sim e no outro também, em festas e festas?
Ainda bem que estas, são coisas que ficaram no passado, pelo menos já estamos longe do que era. Vez por outra é que aparecem algumas recaídas, tais como estas da homenagem e tietagem fora de propósito.
Abdon Marinho é advogado.