O SILÊNCIO SELETIVO DOS CÍNICOS.
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- Criado: Domingo, 28 Janeiro 2018 14:33
- Escrito por Abdon Marinho
O SILÊNCIO SELETIVO DOS CÍNICOS.
Por Abdon Marinho.
O BISPO silencia de forma obsequiosa;
E, assim, também, o faz, o frei;
O escritor de reputação internacional unão escreve uma linha;
O jornalista não faz uma matéria;
Os atores famosos – e os nem tanto – estão mudos;
As atrizes, tão talentosas, lindas e queridas, estão caladas;
O cantor de fama internacional finge que não ver ou que não sabe de nada;
O artista respeitado em todo mundo não tem nada a dizer;
A poetisa, que quando fala nos encanta com seus versos, não faz ou diz uma quadra a respeito.
As funções ou ofícios acima simbolizam diversos coletivos de cidadãos brasileiros. E, todos, praticamente sem exceção, se dizem humanistas, defensores da democracia, das liberdades individuais, dos direitos humanos e da cidadania.
Estranhamente, todos eles, praticamente sem exceções – a exceção justifica a regra, dizem –, adotam o silêncio em relação a maior crise humanitária da história da Venezuela. Alguns, mais audaciosos – ou sem noção –, ainda se arriscam na defesa da ditadura bolivariana.
Embora pareça distante do eixo Rio-São Paulo, onde, supostamente se concentra elite pensante nacional, a Venezuela é logo ali, está “grudadinha” na fronteira norte do Brasil, com seus desacertos políticos, econômicos e humanitários se refletindo do lado de cá da fronteira, principalmente em Roraima, com o aumento da demanda por saúde, educação, assistência social ou segurança pública, em face da crescente exploração dos migrantes, da prostituição e todas outras consequências de acréscimo populacional não planejado para um Estado que já sofria de problemas crônicos.
A ditadura implantada no país vizinho é responsável por uma crise humanitária sem precedentes na América do Sul, com inflação que passa de 1000% (mil por cento) ao ano, com um salário mínimo que não alcança dois dólares no mercado paralelo, com o desabastecimento que obriga a população inteira a ficar horas a fio nas filas para comprar pão subsidiado e racionado.
Nem devemos falar em outros produtos básicos que há tempos sumiram das prateleiras dos supermercados.
Em tempos recentes uma parcela da população tinha que disputar nos depósitos de lixo sobras de comida com os cães e urubus ou “pescarem” todos os tipos de metais nos esgotos dos mais favorecidos.
Por último tivemos a notícia de que seres humanos estariam completando a dieta alimentar com ração para cachorros e gatos.
Os grilhões da fome que ronda a população tem prejudicado especialmente as crianças, já sendo comum a diminuição da estatura e o raquitismo provocado pela falta de nutrientes, não sendo raros os casos de morte em decorrência do flagelo.
E, se falta o que comer é porque muitos dos outros serviços essenciais deixaram de ser oferecidos. São cirurgias e outros tratamentos médicos que não são ofertados por falta de equipamentos e insumos básicos. Ou seja, os cidadãos estão sendo condenados à morte por falta de tratamento.
A população alquebrada pela fome, pela desassistência e com os líderes presos, impedidos de manifestarem-se ou no exílio não tem como oferecer grandes resistência à ditadura cada vez mais opressora.
Porém dizem possuir uma das mais exemplares democracias do ocidente, tanto, que agora mesmo, antes de abril de 2018, já têm eleições presidenciais convocadas pela constituinte formada só por aliados do governo.
Na eleição que se avizinha os adversários do régime estão proibidos de se unirem e os principais líderes da oposição impedidos de concorrer.
Assim fica tão fácil quanto marcar pênalti com o goleiro amarrado num dos lados da trave. Uma odiosa prática de usar instrumentos democráticos para perpetuar ditaduras.
Mas, certamente, logo após as eleições, veremos muitos destes ilustres silenciosos saudando e defendendo a democracia bolivariana. Ou fingindo que nada têm com o descalabro político-repressivo daqueles que com a desculpa de libertar o povo do capitalismo usa como estratégia matar esse mesmo povo de fome.
A lista de cínicos silenciosos que nada vêem de errado ou nada têm a dizer sobre a crise humanitária venezuelana é composta pelos mesmos que saem em defesa do ex-presidente Lula da Silva condenado por corrupção, com sentença confirmada em segunda instância.
Aliás o mesmo Lula Silva que se abalou de ir a Venezuela para participar ativamente da campanha do senhor Nicolás Maduro, o ditador da ocasião.
Por aqui – e para além do Brasil –, estes cínicos silenciosos se prestam ao papel de difamarem o Judiciário brasileiro, como se vivêssemos uma ditadura, apesar de termos todas as instituições da República funcionando de forma regular e, logo mais, em eleições gerais previamente determinadas e sem surpresa, para ninguém, sendo realizadas, onde qualquer um do povo – desde que preenchidos os requisitos legais – poderá concorrer – e até ganhar –, o direito de conduzir o país, um dos estados da federação ou exercer um mandato de senador ou deputado federal no Congresso Nacional ou um de deputado estadual nas Assembléias Legislativas.
Apesar disso, para estes iluminados, o Brasil é uma ditadura em detrimento do modelo de democracia que é o país vizinho, e ainda há uns tolos sem juízo, seguidos por outros igualmente tolos, falando em “desobediência civil” ou mesmo que se faça uma “revolução armada” no nosso país.
Chega a ser estarrecedor que a intelectualidade brasileira – pelo menos a parte que se diz ativa politicamente ou que se manifesta neste sentido –, assinta com o discurso em defesa da corrupção e de quê o funcionamento regular dos poderes públicos caracteriza atentado contra a democracia enquanto não dá um pio, ainda que protocolar, contra o régime opressor da Venezuela, este sim, promotor de inomináveis violências contra os cidadãos.
A causa da cidadania, deveriam saber, não está restrita às fronteiras nacionais. Onde quer que estejam presentes as injustiças, contra elas devem se manifestar os homens de bem.
O silêncio obsequioso e o alarido seletivo serve apenas aos que não possuem honestidade nos princípios.
A seletividade da crítica é o refúgio do cinismo.
Abdon Marinho é advogado.