BOLSONARO E A NOVA DEMOCRACIA POSSÍVEL.
Por Abdon Marinho.
— O DOUTOR vê brecha pra dá certo?
Assim um querido amigo petista – daqueles que, se não são capazes de cortar o dedinho como o líder da seita, não pensam duas vezes em fazer uma tatuagem em homenagem ao condenado que cumpre pena por corrupção em Curitiba –, após revelar todo o seu pessimismo e dizer não acreditar que o futuro governo dê certo.
Disse-lhe que responderia por escrito.
Conforme externei noutra oportunidade, minha manifestação política no segundo turno das eleições presidenciais foi pela abstenção.
Embora visceralmente contrário que se cedesse à chantagem do petismo que, ao meu sentir, teve grande importância na eleição do novo presidente, por outro lado, minha formação e, sobretudo, princípios, não me permitiram que sufragasse o voto no opositor, não tinha como votar em alguém que já proferiu tantas enormidades, dentre as quais a de dizer-se defensor da tortura.
Diferente de muitos que ante a iminência da vitória ou após a mesma se consolidar, viraram “bolsonaristas de carteirinha” e fiéis defensores de sua linha de pensamento (se é que existe algum), acho que ele nem nascendo outra vez seria um estadista à altura do nosso país.
A despeito disso, o senhor Bolsonaro é o comandante do Titanic chamado Brasil e, como membro de sua tripulação, tenho o dever de torcer e contribuir para que cheguemos todos sãos e salvos do outro lado da travessia.
Acredito ainda que ninguém deveria torcer ou se empenhar para que um governo fracasse.
O fracasso dos governos só trazem infortúnios aqueles mais frágeis e que, por si só não têm condição de defender-se.
Até aqui, não tenho condições de projetar sucesso ou fracasso do futuro governo. Tenho um profundo desprezo por conteúdos messiânicos de governantes, acho que tentam usar Deus em seus próprios interesses e para justificar eventuais fracassos. Entretanto, pelo que ouvi a respeito das medidas iniciais (como redução da máquina pública, combate à corrupção e a violência, respeito à Constituição), motivam-me a acreditar que possa ter sucesso.
Não é também por ter profundas divergências com o presidente eleito, que tenha o direito de desconhecer, independente do resultado do governo – o que somente saberemos no futuro –, a sua grande contribuição à democracia brasileira.
Vejam que ironia deliciosa, um suposto aprendiz de ditador dando uma grande contribuição à democracia.
A eleição do senhor Bolsonaro foi inédita na história republicana e pode servir de inspiração para uma profunda transformação no modelo de fazer política e participação popular.
Se nos despirmos dos preconceitos perceberemos que, pela primeira vez na história do país um presidente foi eleito sem o consórcio do “pacto da elites”; sem está calçado nos conchavos de Brasília; sem as estruturas corruptas de máquinas partidárias; sem a influência dos grandes conglomerados de comunicação ou do poderio econômico.
Pela primeira vez, temos um presidente eleito contando com a participação popular, que fez e financiou sua campanha. E esta consumiu, em recursos financeiros menos de dois milhões de reais, enquanto a do seu concorrente direto gastou mais de trinta milhões e a presidente anterior, oficialmente, mais de trezentos milhões de reais – mas, segundo o senhor Antônio Palocci, o gasto real foi de um bilhão e meio.
Um detalhe a mais, quase 90% (noventa por cento) dos recursos vieram da contribuição direta dos eleitores.
Na campanha do adversário direto, com seus mais trinta milhões, os recursos utilizados vieram dos cofres públicos: fundo partidário e fundo especial.
Trata-se de fato de algo extraordinário – fico imaginando se ele não tivesse tantos “senões” –, um presidente livre, finalmente, de tantas amarras, compromissos e interferências que levaram o país à beira do colapso.
A cegueira dos preconceitos ou dos interesses próprios não nos pode privar de enxergar isso.
O que se viu com a eleição do senhor Bolsonaro foi algo que nos remete ao inicio da redemocratização do país – e, em escala infinitamente menor –, com a eleição de alguns poucos deputados eleitos por conta de sua história de lutas e por representar alguma coisa.
No Maranhão foi o que vimos com a eleição de Juarez Medeiros e Conceição Andrade, como deputados estaduais e José Carlos Sabóia como deputado federal. Eleitos graças ao apoio direto e financeira de seus eleitores em 1986; o feito foi repetido, ainda, com Juarez Medeiros, Zé Costa, Luís Vila Nova, Domingos Dutra, Benedito Coroba, José Carlos Sabóia e outros poucos, em 1990.
A partir da eleição seguinte, à medida que caia o nível dos parlamentos e aumentava a influência do poderio econômico nas eleições.
Arrisco dizer que a grande maioria dos mandatos, senão todos, inclusive dos que assumirão em 1º de janeiro, foram “comprados”, uma ou outra exceção, apenas para justificar a regra. Diariamente nos chegam noticias do quanto gastou os nossos “campeões de votos”, muitos deles, verdadeiras fortunas.
O que a campanha do senhor Bolsonaro gastou é o que gasta, por exemplo, um candidato a vereador na capital do Maranhão (ou da região metropolitana) ou um candidato a prefeito de um município pequeno (dos menores mesmo). O resto é tudo na casa dos milhões, muitos milhões.
O que a eleição do senhor Bolsonaro mostrou e resgatou – e por isso devemos saudar como uma grande contribuição à democracia –, é que as campanhas políticas podem (e devem) ser diferentes do que vem se fazendo até o presente momento.
Mostrou que um cidadão sem poderio econômico, sem “vender” a alma ao diabo, sem estrutura partidária, sem “comprar” votos pode ser eleito.
O seu significado mais emblemático é a devolução do poder ao seu titular original: o povo, conforme manda a Constituição republicana.
Esta eleição, perdão por repetir, pela primeira vez, deu um sentido real ao parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal que diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
O povo mostrou na eleição do senhor Bolsonaro ser o verdadeiro “dono do poder”, fazendo e financiando a sua eleição. Mostrou-se, assim, o senhor do seu destino.
Este mesmo povo que colocou o Partido dos Trabalhadores — PT, no poder, como expressão das conquistas da sociedade, deu um basta, os empurrou para os rincões do império da miséria, antigos domínios da Arena, que deu sustentação ao régime militar por mais de duas décadas.
E temos aí uma outra ironia da história.
Ora, se o povo foi capaz de fazer isso com uma eleição presidencial de uma nação-continente, com quase 150 milhões de eleitores, o que impede que faça o mesmo com os futuros prefeitos, como os vereadores, com os próximos governadores, deputados e senadores?
Oxalá o povo tome o seu destino nas próprias mãos e faça as melhores escolhas para o seu futuro e que não tema consertar os erros que porventura cometa.
Abdon Marinho é advogado.