AbdonMarinho - A DEMOCRACIA DE CRISTAL E A INDIGNAÇÃO SELETIVA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A DEMOC­RA­CIA DE CRISTAL E A INDIG­NAÇÃO SELETIVA.

A DEMOC­RA­CIA DE CRISTAL E A INDIG­NAÇÃO SELETIVA.

Por Abdon Mar­inho.

OS MEIOS de comu­ni­cação, políti­cos de vários matizes e mes­mos min­istros do STF têm desta­cado com exces­siva ênfase uma fala do filho do pres­i­den­ciável e dep­utado fed­eral Eduardo Bol­sonaro.

Pelo que “pesquei” na mídia, este cidadão, em um ambi­ente fechado, teria dito que “para fechar o Supremo bas­taria um sol­dado é um cabo”. Isso ou algo bem semel­hante.

A declar­ação fora feita a cerca de qua­tro meses e teria sido pub­li­cizada pelo próprio falas­trão naquela época.

Em matéria de falar sandices a família Bol­sonaro, pelo que con­hece­mos, tem sido insu­perável. As boçal­i­dades pro­feri­das pelo patri­arca da família nestes últi­mos trinta anos em que os con­tribuintes o sus­tenta, são sufi­cientes para preencher inúmeras fol­has de papel, quiçá uma flo­resta inteira.

Os fil­hos são a prova viva do dito pop­u­lar de que “os que saem aos seus não degen­eram”.

Em que pese ter feito a colo­cação em um ambi­ente fechado (emb­ora tenha pub­li­cizado), as palavras do dep­utado não ficam bem. Em tem­pos de democ­ra­cia chega a ser uma ofensa a mere­cer sev­era cen­sura das instituições.

Mas, a César o que é de César, ensinou-​nos Jesus Cristo.

As palavras acin­tosas do dep­utado não são muito difer­entes daque­las ditas pelo ex-​presidente Lula em con­versa tele­fônica com a hoje, tam­bém, ex-​presidente Dilma Rouss­eff, quando disse que a “suprema Corte estava aco­var­dada”. Tudo bem – dirão –, tratou-​se de uma con­versa tele­fônica de um ex-​presidente com a então pres­i­dente, que fora tor­nada pública inde­v­i­da­mente.

Ape­sar disso não se ouviu, ainda que através de basti­dores, nen­huma recla­mação quanto aque­las palavras.

Em tem­pos mais recentes, o ex-​candidato Ciro Gomes, vestido de “o gatilho mais rápido do Nordeste”, disse que rece­be­ria a Polí­cia Fed­eral e o juiz Sér­gio Moro à bala, caso fosse expe­dida alguma ordem judi­cial restri­tiva de sua liberdade.

Ninguém achou que nada tinha demais em suas palavras.

O mesmo ex-​candidato disse, ainda, noutra ocasião, que eleito pres­i­dente (toc, toc, toc, na madeira) iria colo­car a Polí­cia Fed­eral, o Min­istério Público e, até mesmo, todo o Poder Judi­ciário den­tro de suas “caixinhas”.

Nova­mente ninguém protestou, ninguém disse tratar-​se de uma ofensa às insti­tu­ições.

Do mesmo modo não se ouviu protestos quando o dep­utado fed­eral, pelo Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, Wadih Damous, falou em fechar o Supremo.

Mais uma vez “pas­sou batido”.

Assim como pas­saram bati­das as recentes declar­ações do sen­hor José Dirceu, con­de­nado a mais trinta anos – e que se encon­tra solto por causa da exces­siva gen­erosi­dade, para não dizer leniên­cia, do próprio supremo –, de que o papel do STF e do Min­istério Público pre­cisam serem tol­hi­dos e falou “tomar o poder”.

Fazendo questão de deixar claro que não estava falando em gan­har eleições, mas sim tomar o poder, talvez nos moldes em que “tomaram o poder” na Venezuela ou em Cuba.

Pois é, ninguém disse nada.

Ninguém, tam­bém, estran­hou o fato de um can­didato à presidên­cia da República, ter como com­pro­misso inafastável, rece­ber “instruções” de um con­de­nado por cor­rupção a mais de doze anos, que se encon­tra cumprindo pena numa das celas da Polí­cia Fed­eral, em Curitiba, Paraná. Fez isso até que o próprio pre­sidiário o dis­pen­sou das vis­i­tas sem­anais.

Esse mesmo can­didato prom­e­teu, caso fosse eleito, subir a rampa do Palá­cio do Planalto, de mãos dadas com o mesmo pre­sidiário.

Nova­mente ninguém estran­hou ou achou afron­toso tal com­por­ta­mento à autori­dade do Poder Judi­ciário.

Vou além, quem se deu ao tra­balho de ler a pro­posta de gov­erno do can­didato petista deve ter perce­bido que a mesma estava rec­heada de ini­cia­ti­vas, cuja final­i­dades era reduzir (ou aniquilar) os demais poderes, partindo da lóg­ica de que só pos­sui legit­im­i­dade o poder emanado do voto pop­u­lar.

Mesmo a pro­posta de uma nova Assem­bléia Nacional Con­sti­tu­inte tem por final­i­dade essa rup­tura com a ordem vigente.

E, mais uma vez ninguém achou que dev­e­ria protes­tar ou mesmo ques­tionar a pro­posta ou saber, de fato, do que se tratava.

Entendo que não podemos, em hipótese alguma, deixar de repreen­der ou de rebater com veemên­cia estas ideias, ainda que acober­tadas pelo mando da liber­dade de expressão ou das imu­nidades parlamentares.

Por outro lado, não vejo razão para tamanho alar­ido, sobre­tudo, de parte das autori­dades, diante da colo­cação destem­per­ada do dep­utado Bol­sonaro. Ele e o seu grupo politico, talvez seja quem menos ofer­ece qual­quer risco à segu­rança da nossa democracia.

Difer­ente do pen­sam todos – ou grande parte dos que protes­taram, até mesmo de den­tro do STF –, não enx­ergo essa frag­ili­dade toda na democ­ra­cia brasileira a ponto de suas insti­tu­ições não se mostrarem capazes de con­ter “arrou­bos” ou as incon­tinên­cias ver­bais de quem quer que seja.

A democ­ra­cia brasileira não é de cristal.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, e já se vão mais de trinta anos, temos enfrentado uma crise atrás da outra, com a insti­tu­ições respon­dendo muito bem a elas.

Respon­deram bem a crise de legit­im­i­dade logo no ini­cio do gov­erno Sar­ney, a hiper­in­flação, ao con­fisco da poupança do gov­erno Col­lor e ao seu impeach­ment, aos escân­da­los do gov­erno FHC, ao men­salão do PT, estraté­gia pela qual o gov­erno Lula, para se man­ter com­prou apoios no Con­gresso Nacional, ao petrolão e aos des­do­bra­men­tos da Oper­ação Lava Jato, aos protestos nas ruas, em 2013, ao impeach­ment da Dilma Rouss­eff em 2016 e as infind­áveis denún­cias de cor­rupção envol­vendo o gov­erno Temer.

Em todos estes anos, com tan­tas crises em curso, o país nunca deixou de cumprir o cal­endário eleitoral pre­vi­a­mente ajus­tado, empos­sar os eleitos ou impediu que os eleitos exercessem livre­mente os mandatos con­feri­dos pelo povo.

Então, porque uma declar­ação boçal, é ver­dade, mas como tan­tas out­ras, seria capaz de mac­u­lar nossa democ­ra­cia? Por que a eleição de um ou outro can­didato seria capaz de romper a ordem insti­tu­cional que vemos man­tendo ape­sar de tudo que ocor­reu no Brasil nas últi­mas três décadas?

O Brasil e suas insti­tu­ições têm se mostrado bem maiores que seus inte­grantes.

É assim que tem que ser, os cidadãos elegerão o próx­imo pres­i­dente da República não porque con­fiam neste ou naquele indi­vid­ual­mente, mas porque con­fiam nas insti­tu­ições e na democ­ra­cia que temos con­struído estes anos todos.

Acred­i­tar – e propa­gar –, que a democ­ra­cia está em risco por uma ou outra colo­cação infe­liz de quem quer que seja é descon­hecer ou igno­rar tudo que já fomos capazes de superar nos últi­mos tem­pos.

Um país capaz de se sub­me­ter ao voto pop­u­lar de mais de cem mil­hões de cidadãos reg­u­la­mente, a cada dois anos, não pode ser con­sid­er­ado uma republi­queta de bananas, que quais­quer palavras fora do tom, possa colo­car em risco a democ­ra­cia e suas insti­tu­ições.

Acred­i­tar nisso é, ver­dadeira­mente, insul­tar a democ­ra­cia brasileira.

Abdon Mar­inho é advo­gado.