FINDA O REINADO DE D. ZEZINHO, O BREVE.
Por Abdon Marinho.
DUROU menos do que se esperava o reinado de D. Zezinho, primeiro e único do Maranhão. Designado por sua Excelência, o governador do estado, para dar a última palavra sobre o cumprimento de decisões judiciais – mesmos as oriundas da Supremo Tribunal Federal — STF –, que implicassem em incorporação de vantagens aos servidores públicos, condicionando as mesmas ao seu “ateste” de disponibilidade orçamentária, D. Zezinho teve seus poderes “extintos” com edição do Decreto nº. 34.667, de 8 de fevereiro de 2019.
Com pouco mais de dois meses, reinado de D. Zezinho pode – e deve – , ser classificado como “brevíssimo”, não se tendo como aferir a eficácia do seu “reinado” no controle das finanças públicas, até porque, começou pouco antes do recesso e teve o seu fim decretado pouco depois do termino da folga forense, ou seja, de 03 de dezembro de 2018, com a publicação do Decreto nº. 34.593, de 30 de novembro de 2018 a 08 de fevereiro de 2019, com a edição e publicação do Decreto nº 34.667.
Assim, D. Zezinho, o breve, não teve a oportunidade de mostrar seu acurado discernimento no exercício do Poder Moderador, no qual foi investido pela obra e graça do senhor governador do Maranhão.
Como dito acima, pelo curto espaço de tempo, não temos como saber quantas sentenças judiciais foram chanceladas com o “ateste” para cumprimento ou não.
Como vivemos dias em que as pessoas só consegue entender a literalidade das coisas, devo registrar que na exposição acima estou sendo irônico.
Quando da edição do estrambótico decreto estadual criando a “quinta” instância no Poder Judiciário brasileiro, também ironizei, dizia, naquela oportunidade, que aquela instância judiciária seria exercida pelo “Seu Zezinho”, o funcionário de quarto ou quinto escalão da estrutura da Secretaria de Planejamento — SEPLAN, encarregado de acompanhar a execução do orçamento.
Vamos combinar, foi uma “estudantada” capaz de comprometer o notório conhecimento jurídico das excelências responsáveis pela “jabuticaba” jurídica.
Nos termos do decreto governamental, estávamos assim: um juiz, um desembargador ou mesmo um ministro do STJ ou STF, determinavam a implantação de uma vantagem qualquer nos vencimentos do servidor, mas essa implantação ficaria “no limbo”, ou purgatório, somente seria cumprida a decisão judicial e implantada se a SEPLAN “atestasse” a disponibilidade orçamentária.
Com um pouco de criatividade – e licença –, até dava para imaginar a cena:
Chega no Palácio dos Leões uma decisão com um ofício do STF determinando a implantação de uma vantagem no salário do servidor Sebastião da Silva. O governador imediatamente manda para a SEPLAN. Lá chegando, o secretário da pasta liga para o Seu Zezinho:
–– Boa tarde, Seu Zezinho!
–– Boa tarde, secretário!
–– Seu Zezinho, é o seguinte: chegou agora de Brasília – o governador acabou de enviar –, uma decisão do ministro Celso de Mello mandando implantar 21,07% no salário do servidor Sebastião da Silva. Como vamos fazer?
–– Olha seu secretário, melhor avisar o Celso que “num” vai dá. Não tem mais orçamento para isso.
–– Mais seu Zezinho, é uma ordem do ministro do Supremo, Celso de Mello, decano do tribunal.
–– “Num dá”, secretário, não tem mais dotação. Diz “pro” Celso reclamar com o Papa. Tem um decreto do governador dizendo que não pode implantar e pronto!
— M.. mais … foi o ministro, Seu Zezinho, balbucia o secretário.
— “Num dá”, já disse, secretário, “tá” no decreto. Só pode implantar se tiver d-i-s-p-o-n-i-b-i-l-i-d-a-d-e.
Ainda como exercício literário, vamos combinar, o decreto de suas excelências, não fazia o menor o sentido.
Onde já se viu através de um decreto do Poder Executivo colocar no limbo uma decisão judicial?
Ainda nos dias de extremas excepcionalidades, como os atuais, não fazia qualquer sentido.
Tratei disso em um texto anterior, intitulado ‘Cumpra-se, Conforme a Vontade Del Rei”. Na esteira daquela publicação, um ou outro magistrado, com quem falei disseram-me que constataram a ausência de reintegrações de posses desde o início do primeiro mandato do atual governo.
Esse é um fato, conforme narrara naquela oportunidade.
Aos poucos a propriedade privada, assegurada pela Constituição, vai sofrendo ataques, os mais diversos, no Maranhão.
Não faz muito, duas senhoras me procuraram com uma história insólita, segundo elas, viviam com suas famílias, há mais de quarenta anos numa propriedade, possuindo, inclusive, uma procuração do titular da matrícula para usar e dispor da terra. Ocorre que ano passado (2018), tiveram as terras invadidas por pessoas ligadas a supostos “movimentos sociais”, com amplo trânsito nos corredores do poder, que, com diversos artifícios e estratagemas, não apenas conseguiram ocupar a propriedade e fazer a exploração comercial da madeira – pois se trata de uma área de reserva –, como, pasmem, ainda conseguiram a prisão de todos (ou quase todos) os membros da família.
São pessoas bem pobres e me procuraram em busca de ajuda, pois segundo elas, estes invasores conseguiram, mais uma vez que fosse decretada a prisão de cinco membros da família, sob o argumento de que estariam sendo ameaçados.
O governo estadual, que não costuma “dá bola” para decisões judiciais relacionadas a conflitos agrários, no sentido de determinar as reintegrações, ainda, segundo elas, mobilizou um grande contingente, por seus cálculos, mais de trinta homens de vários batalhões, para cumprirem a ordem de prisão daqueles familiares, sendo que um tomava café em casa; outro estava colhendo açaí e outros executando trabalhos de pedreiro, ajudante, etc. As vítimas não ameaçavam ninguém.
Pediam ajuda por não terem condições de arcar com as despesas com advogados, não apenas para soltar os familiares como, também, para se manterem na propriedade, que, alegam, serem os verdadeiros legitimados.
Embora sabendo que em conflitos pela posse de terras, poucos são os inocentes, depois de ouvir o relato fiquei “matutando”, em sendo verdade tudo que acabara de ouvir, estamos diante uma situação muito grave a merecer especial atenção das autoridades sérias que ainda restarem. Uma vez que a partir da inserção de pessoas ligadas a movimentos sociais dentro da máquina pública estadual, os órgãos e poderes públicos, inclusive o Judiciário e o Ministério Público, podem está sendo “usados” para legitimar abusos e crimes contra pessoas simples e humildes – e contra o direito de propriedade.
Mas isso é assunto para outro texto, após apurar melhor estes fatos.
Pois bem, voltando ao decreto governamental, aquele que deu amplos poderes ao Seu Zezinho, da SEPLAN, resta-nos claro que os próprios autores da “façanha” acharam aquilo um excesso. A justificativa de ele perdera parte de seu objeto parece-nos inverossímil. Se assim fosse, teriam feito constar que o mesmo se aplicaria aquele exercício (2018).
O que nos parece mais factível é que o governo, sabendo contar com simpatia de parte da magistratura, que através de sua representação, não apenas deixou de protestar contra o esbulho de suas prerrogativas, como até, pasmem, mais uma vez, “endossou” o decreto, partiu para outra estratégia.
Qualquer um é capaz de entender que a razão de ser do decreto era a “enxurrada” de ordens para a implantação dos 21,7% nos salários dos servidores – muitos já estão com esse direito assegurado há alguns anos faltando apenas a implantação –, o que poderia, em tese, causar desequilíbrio nas contas públicas, sobretudo, quando os gestores pouco fizeram para elevar o estado a um outro patamar de desenvolvimento.
Apesar da incorporação dos 21,7%, ser um assunto que na última década “subiu e desceu” todas as escadas das instâncias judiciárias nacionais – tendo o estado perdido todas as vezes –, os autores do “decreto da desobediência as decisões judiciais”, acharam muito mais fácil revogar o decreto e conseguir uma decisão favorável na … justiça.
E isso foi feito, ao menos temporariamente, com êxito.
O Poder Judiciário, em sede de rescisória, entendeu que existe plausibilidade no pleito do estado – brilhantemente representado por sua procuradoria –, e suspendeu a execução daquele direito dos servidores conquistados nos últimos anos – segundo a representação da categoria cerca de 60 mil servidores terão que esperar mais um pouco para melhorar o holerite.
Tudo muito bem, tudo muito bom para o estado com a estrepitosa vitória, exceto por um “senão”. A mesma PGE que sustenta ser a incorporação dos 21,7% para os servidores ilegal, inconstitucional e “engordativa”, como já dizia o rei Roberto Carlos, recebe tal vantagem em seus contracheques desde o ano de 2017, conforme noticia o jornal “O Estado do Maranhão”.
Não é por nada, mas, ao meu sentir soa um “tantinho” contraditório que pessoas (ou entes) que sustentam ser uma vantagem ao servidor, indevida, ilegal, inconstitucional, seja ao mesmo tempo beneficiárias de tal vantagem.
O que farão? Abrirão mão da “vantagem ilegal, inconstitucional”?
É, talvez tivesse sido melhor terem deixado a “bola” com o Seu Zezinho?
Abdon Marinho é advogado.