DE 1989 a 2019: O QUE FOI ISSO, COMPANHEIRO?
Por Abdon Marinho.
CHOVEU naquele dia de 1989 quando o ex-operário Lula esteve em São Luís para um ato público na Praça Deodoro. Choveu, inclusive, durante o evento político. Estava lá, anônimo, como ainda sou, no meio da multidão. Alba Maria Rodrigues estava comigo, era minha companheira de sonhos e até se recorda de um texto que escrevi por ocasião do evento. Éramos tão jovens. Éramos tão sonhadores.
Engraçado que não lembro o dia ou mesmo mês, minha lembrança é apenas que choveu bastante naquele fim de tarde.
Chovia, também – e forte –, numa destas tardes de 2019 enquanto me ocupava da leitura da sentença proferida pela juíza Gabriela Hardt condenando o ex-presidente Lula a uma pena de doze anos e onze meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Já é o segundo decreto condenatório que, acrescido ao primeiro, já somam um quarto de século atrás das grades.
Pior que isso – se é que pode existir algo pior –, só a certeza que outras condenações advirão, algumas até mais robustas que estas duas primeiras.
Os enfáticos protestos após a primeira condenação, turbinados pela discurseira eleitoral, deram lugar a chochas e inconsistentes manifestações nas redes sociais. Algumas delas, meras retransmissões de outras.
Mesmos os oportunistas de sempre, interessados mais em “virarem” herdeiros do baú de votos dos ingênuos, não se “rasgaram” na defesa da inocência do bi-condenado. Inocência, esta, que só eles fingem acreditar.
Jogam para plateia com os chavões, os argumentos pré-fabricados que nada dizem – porque nada são –, além de proselitismos toscos.
Ainda os poucos muxoxos passam longe de ofuscar os fundamentos da sentença da magistrada – expostos em 360 páginas –, onde enfrentou e demonstrou as razões do seu convencimento para condenação dos implicados no processo.
Não voltaremos à velha discussão sobre o que aconteceu ou que fizeram nos dezesseis verões passados.
O certo, é que divulgada a sentença numa quinta-feira, já no sábado/domingo, ninguém mais dava “bola” para a condenação do ex-presidente, que aos poucos vai sendo esquecido no cárcere ou vira motivo de chacota entre seus próprios aliados: “— Lula está preso, babaca”, disse o senador Cid Gomes (PDT/CE), ainda durante o segundo turno das eleições presidenciais.
No mesmo dia que foi divulgada a segunda condenação, se não me falha a memória, foi a vez do ex-candidato à presidência, Ciro Gomes (PDT/CE), repetir o “mantra”, desta vez num encontro ou congresso da “juventude” vinculada ao Partido Comunista do Brasil — PCdoB: “— Lula está preso, babaca”.
Faltou acrescentar que está preso em “prisão perpétua”, pois, a menos que lhe concedam um indulto humanitário, alegando idade avançada e/ou enfermidades diversas, que todos fingirão acreditar, não lhe virá a soltura antes da extinção.
Apenas trinta anos separam aquela chuva de 1989 desta de 2019, enquanto leio a segunda sentença condenatória do ex-presidente Lula.
E, trinta anos é quase a soma dos anos de “cana”, até aqui – analistas experientes dizem que a soma de todas as penas nos processos em curso alcançará mais de cem anos –, que terá de cumprir o outrora depositário de tantos sonhos e confiança.
O que foi isso, companheiro?
Em 1989, o mote de todas as discussões era a corrupção desenfreada que tomava de conta do país e era retratada com quase toda sua crueza no folhetim global “Vale Tudo”, do noveleiro Aguinaldo Silva.
Na política, o operário Lula da Silva fazia, por onde passava, suas pregações contra a corrupção e contra o governo Sarney. Travava uma “disputa” particular contra o Collor de Melo, ex-governador de Alagoas – e candidato como ele –, para saber quem acusaria mais o ex-presidente Sarney de corrupto.
Numa das mais bisonhas ironias do destino, trinta anos depois, o ex-presidente Sarney nunca foi molestado pelas autoridades judiciárias, pelo contrário, mesmo um inquérito aberto por ocasião da Operação Lava Jato, foi arquivado, a pedido do Ministério Público, por ausência de provas; o ex-presidente Collor de Mello “enrolado” até onde não mais poder em tudo que é escândalo, vai se safando, escondido no biombo do mandato de senador e contando com a lentidão do Supremo Tribunal Federal — STF; já o ex-presidente Lula, como fazem questão de enfatizar seus próprios aliados, “está preso, babaca”.
Estamos falando do marco temporal de trinta anos – quando ocorreu a primeira eleição presidencial direta depois dos vinte e anos do régime militar e mais os cinco anos do governo Sarney –, poderíamos limitar bem mais, a partir de 2003, quando teve início a “era lulopetista” e seu estilo de governar. A partir daí, temos 16 anos, onde o ex-operário que se fez presidente da República, saiu da condição de artífice de uma nova era de combate à corrupção e a todos os malefícios dela decorrentes, para a condição de condenado e preso por … corrupção e lavagem de dinheiro. Tudo aquilo que jurou de pés juntos combater.
Ainda que venham com a discurseira sem fim de que está havendo “perseguição” ao ex-presidente, tal argumento não convence ninguém – exceto os que querem se convencer –, mera retórica. As provas dos delitos estão aí, à vista de todos, e foram amplamente expostas pelo juiz Moro na primeira condenação (o caso do triplex do Guarujá) e, agora, pela juíza Hardt no caso do sitio de Atibaia.
Os incautos querem acreditar, mesmo após a segunda condenação, que o Lula é inocente; os oportunistas querem “vender” a ilusão da inocência para conquistar os votos destes incautos; os corruptos precisam acreditar pois temem ser este o seu destino.
Trinta anos e parece que foi ontem. Quanta alegria, quanta esperança nos trouxe aquele ano de 1989. Nossa primeira campanha presidencial com votação direta, o primeiro voto de inúmeros brasileiros e vemos, todos nós, depois de tanto trabalho, o símbolo de tudo aquilo restar encarcerado.
Trinta anos em termos históricos não é nada, entretanto, no caso presente, foi tempo que separou a esperança da desilusão, o sonho do pesadelo, a liberdade do cárcere.
O que foi isso, companheiro?
Estamos em 2019, chove em São Luís, chove em Curitiba…
Abdon Marinho é advogado.