AbdonMarinho - OS TIRANETES E A IMPRENSA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

OS TIRANETES E A IMPRENSA.

OS TIRANETES E A IMPRENSA.

Por Abdon Marinho.

COMO se tornou lugar comum, mais uma vez, a liber­dade de expressão e infor­mação, gan­hou destaque nos meios soci­ais. Mal havíamos saído do imbróglio envol­vendo o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que deter­mi­nara a cen­sura prévia a algu­mas pub­li­cações (revista dig­i­tal Cru­soé e

site O Antag­o­nista) por estas con­terem críti­cas ao ministro-​presidente daquela corte – cen­sura reti­rada cerca de uma sem­ana depois –, e, abrir e con­duzir um inquérito sig­iloso por supostas ofen­sas aos inte­grantes do tri­bunal – ainda em curso –, foi a vez de dis­cussão semel­hante chegar nes­tas ter­ras de Gonçalves Dias.

Explica-​se: durante o XI Con­gresso Nacional de Dire­ito, pro­movido pelo Insti­tuto Maran­hense de Defesa do Con­sum­i­dor e Ensino Jurídico (Imadec), um dep­utado estad­ual, escal­ado para palestrar sobre o tema “edu­cação e democ­ra­cia em tem­pos de crise”, fez a seguinte colo­cação: “primeiro passo é não ler blogs, pronto! Saiam disso. Vai lá no com­puta­dor de vocês (sic), denun­ciem todos os blogs. Não leiam blogs. Por que blogs, sen­ho­ras e sen­hores, eles pub­li­cam aquilo que eles são pagos para publicar”.

A con­strução é pobre, mas o con­teúdo é bem pior.

Como podemos perce­ber a proposição do ilus­tre dep­utado revelou-​se con­trária ao próprio tema: “edu­cação e democ­ra­cia em tem­pos de crise”.

A ideia cen­tral de democ­ra­cia é a capaci­dade de con­vivên­cia com a plu­ral­i­dade de ideias, o respeito às diver­sas man­i­fes­tações de pen­sa­mento, sobre­tudo, a capaci­dade de aceitar críti­cas. A proposição/​recomendação de sua excelên­cia iguala-​se, guardadas as dev­i­das pro­porções, à prática prim­i­tiva de se man­dar queimar livros, punir seus autores, con­fis­car ou cen­surar jor­nais ou mesmo liquida-​los por quais­quer meios.

Ao rev­e­lar tanta con­trariedade com um meio de comu­ni­cação, caso tivesse poder para tanto, não impediria suas edições? Qual difer­ença exi­s­tiria entre a sug­estão feita e aque­les que, valendo-​se do poder, cen­surava, proibia, queimavam jor­nais em tristes tem­pos pretéritos?

A difer­ença talvez resida uni­ca­mente na ausên­cia de poder.

A colo­cação de sua excelên­cia, quando sug­ere uma moti­vação econômica para as pub­li­cações de jor­nal­is­tas e blogueiros, assemelha-​se, a uma outra, esta pro­ferida por Adolf Hitler no dias ante­ri­ores a implan­tação do nazismo, disse ele: “eles falam sobre liber­dade de imprensa quando na ver­dade todos esses jor­nais têm um dono, e em todos os casos, o dono é o finan­ciador. E então, essa imprensa molda a opinião pública”.

Pouco tempo depois a Ale­manha já não tinha mais uma imprensa que não estivesse vin­cu­lada ao ideário da nova ordem implantada.

O exem­plo acima não é único, antes fosse, todos os regimes total­itários para se fir­marem destruíram antes a imprensa livre e crítica.

Tem sido assim desde sem­pre. Nazismo, Fas­cismo, Maoísmo, Stal­in­ismo, Cas­trismo, Chav­ismo e tan­tos out­ros. Com o agra­vante de que quanto mais total­itários os regimes, mais vio­lenta a reação à liber­dade de imprensa, chegando-​se à sua total aniquilação e a implan­tação do pen­sa­mento único.

Foi neste con­texto que o líder comu­nista, não menos tirano, Josef Stálin, cun­hou a frase: “a imprensa é a arma mais poderosa do nosso partido”.

Na ver­dade chamava de imprensa o que nada mais era sua máquina de pro­pa­ganda dis­sem­i­nadora de pen­sa­mento único na antiga União Soviética.

Exem­plo mais recente, e à vista de todos, é o que se deu na Venezuela a par­tir da ascen­são do chav­ismo ao poder quando o mundo inteiro assis­tiu ao fim dos meios de comu­ni­cação inde­pen­dentes, sob os argu­men­tos mais bizarros, como diz­erem que estavam à serviço dos “con­trar­rev­olu­cionários” ou à serviço de potên­cias estrangeiras. Um a um foram tendo as con­cessões cas­sadas, não ren­o­vadas ou, sim­ples­mente, expropriadas.

Aqui mesmo, no Brasil, pas­saram todos os anos dos gov­er­nos petis­tas ten­tando lim­i­tar ou restringir a liber­dade de expressão e comu­ni­cação. Pro­puseram a cri­ação de um con­selho de con­t­role da mídia – que não foi aprovado –, e diver­sos mecan­is­mos para con­tro­lar as lin­has edi­to­ri­ais e a pro­priedade dos meios de comunicação.

O dis­curso é sem­pre muito bonito: temos que colo­car o povo para con­tro­lar a mídia, os veícu­los de imprensa.

Acon­tece que nunca dizem que estes tais con­sel­hos – que sem­pre for­mam para tudo e com o obje­tivo de drenar recur­sos públi­cos para suas causas –, são con­tro­la­dos por eles.

Daí que emb­ora soe inverosímil e até para­doxal que em uma palestra sobre edu­cação e democ­ra­cia, se pro­ponha que não se leiam deter­mi­na­dos veícu­los de comu­ni­cação, e, mais, que os “denu­cie” tais veícu­los, trata-​se de uma ideia per­feita­mente com­patível com aquilo que pregam: qual seja, que a imprensa deve ser sub­metida à linha de pen­sa­mento daque­les que hoje estão no poder em nosso estado.

Mas isso, como dito antes, não é um priv­ilé­gio ape­nas deles, mesmo nas democ­ra­cias oci­den­tais mais avançadas, já assis­ti­mos ten­ta­ti­vas de coop­tação ou de restrição à liber­dade de expressão. Há uma frase lap­i­dar de Richard Nixon, então pres­i­dente amer­i­cano, acos­sado por denún­cias e mais denún­cias do chamado “escân­dalo Water­gate”, que retrata bem esse sen­ti­mento anti-​imprensa, disse ele: “a imprensa é o inimigo”.

Dito isso, lá pelos anos setenta, naquela que já era o mod­elo de democ­ra­cia para todas as nações civ­i­lizadas, como uma pro­teção expressa, através de emenda à con­sti­tu­ição, asse­gu­rando a plena liber­dade de expressão.

Mais recen­te­mente, tam­bém, dos Esta­dos Unidos, vêm outra série de ataques à liber­dade de expressão. A par­tir da cam­panha de Don­ald Trump – já usada em larga escala –, e con­tin­u­a­mente no seu gov­erno, que é a con­ceitu­ação de algo que se chamou de “pós-​verdade” e, para desmere­cer os veícu­los de comu­ni­cação, qual­quer notí­cia que con­trarie sua linha de pen­sa­mento é tratada com “fakes news”.

Trata-​se de com­por­ta­mento que con­traria toda história — e tradição -, amer­i­cana de dis­pen­sar espe­cial respeito aos veícu­los de comu­ni­cação e a liber­dade de pen­sa­mento, com con­se­quên­cias danosas pelo resto mundo.

O povo e os veícu­los de comu­ni­cação dos EUA, decerto, não sen­tirão os efeitos mais deletérios desta “nova política”, mas no resto do mundo já se sente.

Temos visto out­ros líderes mundi­ais autoritários reprim­irem com mais vigor as liber­dades indi­vid­u­ais e o dire­ito de livre man­i­fes­tação de pensamento.

Na Turquia, por exem­plo, temos mil­hares de jor­nal­is­tas e opos­i­tores ao atual gov­erno encar­cer­ado. Tam­bém por lá, o gov­erno sau­dita deu cabo a um jor­nal­ista que se opunha ao seu régime.

Na Rús­sia, na China e tan­tos out­ros lugares, o trata­mento dis­pen­sado pelo gov­erno amer­i­cano aos veícu­los de comu­ni­cação tem servido de inspi­ração à verve infini­ta­mente mais autoritária que nos reme­tem aos mais tristes acon­tec­i­men­tos ao longo da história.

O Brasil, ape­sar da extra­ordinária con­quista no se ref­ere à liber­dade de expressão, a par­tir da edição da Con­sti­tu­ição de 1988, ainda é um dos países que mais reg­is­tra vio­lên­cia con­tra tal conquista.

No último dia 30 de abril se divul­gou um estudo feito pelo Con­selho do Min­istério Público e pela Estraté­gia Nacional de Justiça e Segu­rança Pública — Enasp, segundo o qual o nosso país é o sexto mais perigoso do mundo para os jor­nal­is­tas, só ficando atrás de países com man­i­festa crise insti­tu­cional, política e human­itária, como Síria, Iraque, Paquistão, Méx­ico e Somália.

Ainda segundo o lev­an­ta­mento, entre os anos 1995 a 2018, 64 jor­nal­is­tas, profis­sion­ais de imprensa e comu­ni­cadores foram mor­tos no exer­cí­cio da profis­são no nosso país.

Um quadro desalen­ta­dor para uma nação que asse­gurou em seu texto con­sti­tu­cional ampla liber­dade de expressão e de imprensa, dizendo que a mesma não sofre­ria qual­quer embaraço.

A vio­lên­cia con­tra a livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento não alcança ape­nas jor­nal­is­tas ou out­ros comu­ni­cadores, ela vai a qual­quer um que ouse dis­cor­dar do pen­sa­mento dos “tiranetes” de plan­tão, e ela tam­bém não é ape­nas física –,visando a elim­i­nação física ou encar­ce­ra­mento dos pen­sam difer­ente –, ela, através da força e dos apar­el­hos do Estado, persegue a con­de­nação de jornalistas/​blogueiros e demais comu­ni­cadores, inclu­sive, na esfera penal, visando a aniquilação finan­ceira dos mesmos.

Não faz muito tempo um grupo de juízes – reparem bem, juízes –, sentindo-​se “atingi­dos” por deter­mi­nada pub­li­cação, pas­saram a abrir, em diver­sas comar­cas, ações con­tra os jor­nal­is­tas. E eram tan­tas as ações – e em tan­tas comar­cas – , que os profis­sion­ais da imprensa não tin­ham mais como tra­bal­harem, pas­savam todo o tempo se des­colo­cando entre as diver­sas comar­cas para respon­derem às ações pro­postas pelos mag­istra­dos apren­dizes de tiranos.

A situ­ação chegou a tal ponto que o próprio Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, viu-​se obri­gado a inter­vir diante de tamanha violência.

Até o Supremo, que atual quadra, acha que deve e pode cen­surar pub­li­cações, enten­deu exces­sivo e ver­gonhoso que vinha acon­te­cendo. Assim como é exces­sivo e absurdo o que a própria corte faz ao abrir inquérito para inves­ti­gar críti­cas ou levar a cabo a cen­sura a veícu­los de comu­ni­cação. Exces­sivo, absurdo e vergonhoso.

Essa tene­brosa e obscura quadra política, com jor­nal­is­tas e blogueiros sendo con­de­na­dos, inclu­sive a pena de prisão por deli­tos de opinião, tem alcançado e com muita ênfase, tam­bém, o Maranhão.

Desde que os atu­ais donatários chegaram ao poder que ouço jor­nal­is­tas, blogueiros e comu­ni­cadores, que não se sub­me­tem à linha “edi­to­r­ial dos Leões”, recla­marem de perseguição. São infini­tos proces­sos cíveis e penais atra­van­cando as varas da justiça visando a punição – física e finan­ceira –, por crimes de opinião.

A sociedade pre­cisa ficar atenta a estes com­por­ta­men­tos. Todos os pro­je­tos autoritários de poder têm iní­cio com a repressão à imprensa livre. E quanto maior o poder mais autoritários se tornam.

A liber­dade para se expres­sar livre­mente sem qual­quer receio, não é uma con­quista de um jor­nal­ista, blogueiro ou qual­quer outro comu­ni­cador, é uma con­quista da sociedade. Depois de calarem os jor­nal­is­tas, farão o mesmo com o cidadão comum.

Ainda lem­bro das palavras do pres­i­dente da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte naque­les tumul­tua­dos dias de debates sobre a Con­sti­tu­ição, disse o velho Ulysses Guimarães: “antes uma imprensa que erre ou cometa exces­sos, que imprensa nenhuma”.

Acres­cen­taria: “antes poder ler diver­sos tex­tos e for­mar minha própria con­vicção do que só ter acesso à ver­são dos fatos que querem que saibamos”.

Abdon Mar­inho é advogado.