A SEDUÇÃO DO ERRO.
Por Abdon Marino.
ANTIGAMENTE a educação tinha início, pasmem, pelo início. Assim, começávamos por estudar a antiguidade clássica, sabíamos quase de cor tudo sobre a Grécia e sobre o vasto império Romano.
E, foi ainda no “primário”, como chamávamos a primeira fase do ensino fundamental, que aprendi sobre a imensa contribuição da civilização romana no desenvolvimento do direito, arte, literatura, tecnologia, religião, governo e mesmo da linguagem.
Embora muitos desconheçam, Roma é incontornável nas sociedades e culturas contemporâneas, raras são as coisas da atualidade que não tenham uma ligação, ainda que transversal, com a civilização romana. E, sendo Roma incontornável, ninguém, sobretudo na política, é mais incontornável que Júlio César (100 a.C. a 44 a.C.), chefe militar, conquistador, líder nato, imperador.
Por isso mesmo, as histórias dele, nas suas próprias palavras ou nas dos seus biógrafos, como Suetônio e Plutarco são tão ricas em ensinamentos. Plutarco, conta-nos, por exemplo, que o conquistador ao passar certa vez por uma pequena aldeia disse: “ — Garanto-lhe que prefiro ser o primeiro homem aqui que o segundo em Roma”.
Todas estas lembranças assaltaram-me na esteira da notícia dando conta que o alcaide da minha urbe pretenderia renunciar ao mandato – onde é o primeiro na aldeia –, para ser mais um no secretariado do governo estadual.
Quando li a notícia pela primeira vez, em que pesasse a segurança da informação, não lhe dei crédito, atribui ser mais uma “fake news”, para usar o termo da moda.
Ora, me era custoso acreditar que o alcaide fosse, mais uma vez, desafiar os milenares ensinamentos de Júlio César, sobretudo, depois dar com os “burros n’água”, como foi da vez anterior.
A menos que tenha perdido todas as aulas sobre a política clássica que se costumava ter no primário.
A confirmação da veracidade da informação (não tenha ou vá renunciar) trouxe-me à lume a convicção que o “erro” possui um certo encantamento.
Lembro que quando saiu a notícia sobre a possível saída do alcaide para ser secretário do governo Roseana Sarney, escrevi algo rememorando o ensinamento romano sobre ser preferível “ser o primeiro na aldeia do que o segundo Roma”.
Naquela oportunidade a situação do alcaide era infinitamente mais confortável. Era reconhecido como um dos melhores prefeitos do estado. Tanto assim que dividia com São José a atenção dos romeiros. Vale dizer, assim como apareciam por estas plagas caravanas de romeiros a saudar o santo padroeiro do estado, para cá acorriam prefeitos, secretários ou mesmo curiosos, para conhecer as inovações administrativas que o mesmo estava implantando.
Se era confortável a situação como gestor municipal, querido e respeitado por todos, melhor ainda a situação como seria recebido no governo estadual: na condição de “primeiro-secretário” e candidato “já escolhido” à sucessão da governadora nas eleições de 2014.
E, verdade seja dita, Roseana Sarney cumpriu religiosamente o papel de governadora “decorativa” enquanto o “primeiro-secretário” brilhava, mandava e desmandava no governo (respeitando, claro, alguns nichos: saúde, SEPLAN).
Não sei se por vontade dela ou não só não foi possível fazê-lo governador para disputar no cargo (faltou combinar com os “russos”). De resto, esteve “liberado” para se viabilizar como candidato.
Com tantas condições favoráveis – embora não conheçamos os bastidores –, o “primeiro-secretário” e ex-alcaide, não se viabilizou ou, pior, apesar de não ter nada a perder, não lhe socorreu a coragem para enfrentar a disputa.
Ao meu sentir, um dos maiores erros políticos da história recente do Maranhão, pois ainda que perdesse – e podia ganhar –, sairia com capital político para disputar futuramente o governo estadual, uma vaga de senador. Ou seja, seria figura importante no “tabuleiro” político.
Por um destes mistérios que só a política possui, o ex-todo-poderoso do governo estadual preferiu o “começar de novo”. Só que agora em situação bem distinta.
Sem adversários, voltou ao cargo ao qual renunciara pouco mais de meia década antes, com mais de noventa por cento dos votos válidos. Uma das maiores consagrações das urnas do estado.
Infelizmente, apesar da consagração das urnas, as condições administrativistas não têm permitido fazer um governo que seja comparável aos anos em que dirigiu o município anteriormente.
Se naqueles anos teve “dinheiro novo” para viabilizar uma série de demandas nunca atendidas pelas gestões anteriores, agora o dinheiro é o mesmo – e até menos –, e o que aumentaram foram as demandas.
Antes, a gestão, era comparada com gestões que pouco ou nada realizaram, agora é comparada com a sua primeira gestão de bonança, com muitas realizações e inovações.
Na comparação que os eleitores fazem o gestor anterior era o bambambã, o de agora – embora o mesmo –, crava um “medíocre” para, com sorte, “regular”, que saindo para ser “mais um secretário”, diferente da primeira vez, não deixaria saudades.
Embora o foguetório que se ouviu – e se noticiou –, quando se “vazou” a história do convite para ser secretário novamente, tenha sido mais obra de suas próprias “crias”, que sonham e vibram com o destruição do mito do bom gestor, não podemos deixar de registrar que se o clima entre os munícipes não é de festejo, também não é de pesar, como viu na vez anterior, acredito, mesmo que seja de apatia ou indiferença com uma pitada de decepção.
É neste contexto absolutamente desfavorável que faz menos sentido o convite feito ao alcaide – a menos que o governador o tenha chamado para perto “para matar de faca”, como sempre se atribuiu ao Sarney.
Menos sentido ainda que o alcaide vire secretário do governo em situação tão ruim. Diferente daquela vez em foi chamado para ser o “primeiro-secretário” e candidato à sucessão, agora seria apenas mais um no reinado do Rei Sol, sem chance de mandar em qualquer coisa no governo, nem mesmo na própria secretaria, conforme os exemplos aí à vista de todos.
Chances de ser candidato à sucessão? Nenhuma. Essa vaga já está “reservada” e a menos que se aconteça o “imponderável” o futuro governador já está definido, independente, até mesmo, da vontade do governador que virou uma espécie de refém de suas próprias ambições.
Ser candidato a vice-governador? Seria uma “emenda pior que o soneto”. Esmola pouca para quem já foi soberano.
Escapar à “sedução do erro” em que se enredou o alcaide – e diga-se, por suas próprias decisões –, exigirá muita dedicação, trabalho e muita ajuda, tanto do governo federal, quanto do estadual, além de uma boa dose de “sorte”, mercadoria escassa na política.
Em todo caso, como lá atrás decidiu “começar de novo”, o melhor caminho será fazendo valer a inquestionável votação que teve há pouco mais de dois anos. Mas essa é apenas uma opinião.
Abdon Marinho é advogado.