FRACASSAMOS. O BRASIL FRACASSOU. O MARANHÃO FRACASSOU.
Por Abdon Marinho.
PODE parecer mórbido – ainda que feito na melhor das intenções: orar pelos que partiram –, mas, quase todos os dias, antes de me recolher, dou uma última conferida no número de infectados e mortos pelo novo coronavírus.
Confiro a situação no mundo, através de um aplicativo de monitoramento, olho a situação nos mais variados países, das Américas, da Europa, da Ásia, da Oceania; depois me dedico a situação do Brasil, olhando a situação de cada estado, vejo onde aumentou, o quanto aumentou, se estabilizou – faço isso através do site G1; por fim, examino os números do Maranhão, olhando o quanto que aumentou, as mortes, o alastramento da pandemia pelo interior – geralmente alguém me encaminha o boletim epidemiológico disponibilizado pelas 21 horas.
Uma das coisas que mais me chama a atenção nas análises, antes mesmo dos números, é a posição da curva de infectados.
A do Brasil, comparada com outros países, mesmo aqueles que têm mais casos que nós, parece-me, assustadoramente, inclinada.
O mesmo ocorre com a curva do Maranhão, e os números confirmam isso, como já dissemos aqui diversas vezes.
Em relação aos nossos vizinhos, que começaram a registar casos em datas semelhantes aos registrados por aqui, a situação só encontra paralelo com o Pará.
Já o Brasil, para o desgosto de todos, tornou-se uma ameaça sanitária para os vizinhos e para o mundo, a ponto de diversos países, como, também, já frisamos aqui, mesmos quando suas situações eram desesperadoras, recomendarem que seus cidadãos deixassem o nosso país o quanto antes.
O fracasso foi anunciado desde muito tempo. Fracassamos. O Brasil e o Maranhão fracassaram na implementação de políticas de combate a pandemia do novo coronavírus.
Cada um a seu modo, mas com resultados, no fim das contas, idênticos.
As razões do fracasso estão aí materializadas nos milhares de mortos, nas milhares de famílias enlutadas.
Estão aí na maior crise econômica que se tem noticia – desde sempre.
Estão aí nos milhares de empregos já perdidos e nos que ainda serão perdidos ao longo dos próximos anos, nos seus danos colaterais.
E não é só, a falta de confiabilidade nos agentes políticos brasileiros na condução da crise do coronavírus e na reabertura do mercado, afugentará os investidores já ressabiados com o avanço dos partidos fisiológicos sobre a política econômica do governo.
Tudo isso tornará o nosso fracasso ainda mais retumbante.
O fracasso do Brasil no combate ao coronavírus e aos seus efeitos deletérios futuros podemos creditar, em grande parte, à ausência de governo.
A verdade seja dita, enquanto o mundo todo se curvava a ciência em busca de uma solução para a pandemia o nosso presidente fazia pouco caso, gripezinha, vai contaminar mesmo, desaguando, por fim, no “e, daí?”, quando o número de mortos chegou a cinco mil, e no anúncio de churrasco – depois transformado em passeio de moto-aquática –, quando os mortos atingiram a assombrosa casa dos dez mil.
Apenas para registro, o número de mortos nesta pandemia é muito superior a todas as perdas humanas sofridas pelo país – mesmo as guerras –, em mais de cem anos.
Vejam, enquanto todos os chefes de Estado do mundo constroem consensos internos para combater a pandemia, o nosso presidente busca a dissensão, o conflito com os demais poderes da República, com os governos estaduais, e semeia a discórdia entre os próprios integrantes do governo.
Quem poderia imaginar que um presidente da República poderia demitir seu ministro da saúde, em plena pandemia, só para provar que mandava?
O novo ministro, com quase um mês no cargo, não vez nada de diferente do anterior, e, além de alimentar a indústria de “memes”, não disse a que veio.
Uma semana depois foi a vez de demitir o ministro da justiça e um dos pilares do governo.
Detalhe, ambos os ministros foram demitidos justamente por estarem fazendo um trabalho, reconhecidamente, bem feito.
Mas não é só, além de não assumir o comando da nação em momento de tamanha gravidade, bem diferente do que fez a chanceler alemã, os primeiros-ministros, inglês e espanhol, os presidentes de Portugal, da França e até dos Estados Unidos, o nosso presidente se empenhou em sabotar as medidas de restrições impostas pelos governos estaduais e municipais, supostamente, em nome da causa maior da “economia”.
O resultado é desastroso para o país – para a saúde da população e para a economia.
Enquanto a maioria dos países que tomaram as medidas, a tempo e modo certos, para diminuir o contágio, depois de 60 dias começam a sair, ainda que cautelosamente, do confinamento e a retomar as atividades econômicas, o Brasil está parado pelo mesmo tempo, mas não sabe quando poderá retomar – ou retomar com segurança a atividade econômica do país, sob pena de muitas mortes, porque à falta de governo, operou um isolamento parcial e a curva de contágio ainda está ascendente.
Esta, também, uma das razões pelas quais os investidores querem tomar distância do nosso país – sem contar a grave situação de termos nos tornado uma espécie de pária global, que ninguém confia.
Qual a justificativa ou motivação o Brasil deu para desafiar o consenso global quanto a pandemia? Nenhum.
Assim como não tem qualquer plano para o retorno das atividades econômicas, aliados a isso, a profunda instabilidade política causada pelo governo.
Com declarações e medidas erráticas, supostamente para proteger a economia, o governo, que se tornou uma usina de crise, aumentou o nosso caos econômico.
A economia do país é globalizada. Você não consegue protegê-la sem a confiança dos demais países.
Essa mercadoria, confiança, é tudo que não temos mais.
Nem mesmo os Estados Unidos – para quem o atual governo fez juras de amor eterno e submeteu-se a tudo –, está do lado do Brasil.
O presidente americano quase todos os dias critica – com razão –, os rumos adotados pelo nosso pais.
Mesmo os Estados Unidos, com mais de um milhão de infectados e mais de 80 mil óbitos, dizem que o Brasil não fez o “dever de casa” corretamente.
Na defesa do presidente suas franjas saem com o discurso: “a culpa é dos estados, o governo mandou o dinheiro para combater a pandemia”.
Sem desprezar a importância dos recursos, muitas vezes mais importante do que o dinheiro em si, é a presença do governo, é discurso uniforme, são medidas coerentes. Sem isso, o que fizemos foi “jogar fora” bilhões e bilhões de reais.
Estou certo que uma parte salvou vidas, mas a maior parte dos recursos, frutos do sacrifício que estamos passando e pelos quais passarão as gerações futuras, foi e está sendo jogado fora, no lixo. Tudo pela falta de governo.
O Brasil fracassa miseravelmente no combate à pandemia e na recuperação da economia.
Quando examino os dados do Brasil, por estado, me pergunto a razão do Maranhão, ao invés de se espelhar no que vem sendo feito no Piauí, se inspirar no que acontece no Pará.
O Maranhão, decerto, não é o pior – pelos últimos dados ocupava o sétimo –, mas, não poderia estar melhor?
O Piauí, aqui do lado, faz uma politica de enfrentamento a pandemia de forma mais eficiente; o Tocantins, apesar de suas peculiaridades, a mesma coisa; Minas Gerais, a despeito de uma população três vezes maior que nossa, também; assim como diversos outros estados já citados em textos anteriores.
Claro que parte do insucesso pode ser atribuído aos desacertos do contexto nacional. Mas por que afetou mais ao Maranhão que aos demais estados citados anteriormente?
Acredito – ainda que sem qualquer amparo –, que as causas do nosso fracasso no combate à pandemia são devidas a politização da doença.
Nossos governantes ao invés de estarem focados no combate à pandemia (também) estavam na “rinha” do enfrentamento ideológico com o presidente da República.
Enquanto em outros estados os governadores não “estavam nem aí” para o que dizia (ou diz) a Maria Antonieta do planalto, “nosso líder”, até quando não tinha nada para dizer ia atrás de quizilas.
Durante essa crise pouco temos ouvido falar nos governadores e prefeitos que apresentam melhores resultados no combate a pandemia.
Já os outros todos os dias estão na “mídia”.
É o caso do Maranhão.
Desde o começo percebe-se que o governo estadual não tem um roteiro bem definido (talvez roteiro algum) para combater a pandemia.
Apesar do governador dizer que iria seguir rigorosamente as orientações da ciência, não conhecemos a equipe de cientistas que estejam orientando o governo na tomada de decisões.
E muito pior que isso, a maioria das decisões são questionadas pelos cidadãos.
Não é apenas a imprensa ou o Ministério Público que questionam a ausência de transparência das autoridades locais, mesmo para o cidadão comum elas são incompreensíveis e sem lógica.
Vejam um exemplo, uma semana depois de anunciar a medida extrema de isolamento, o tal do lockdown, leio que sua excelência informou o retorno das atividades econômicas já para o dia 21 de maio.
Ora, se o estado já estava caminhando para o retomar a normalidade porque o governo aceitou a imposição judicial do lockdown – e ainda determinou um rodízio de veículos na capital e nos municípios vizinhos?
Se, por outro lado, necessárias as medidas, como falar em retorno das atividades econômicas?
Agora dizem que fizeram um acordo judicial para levar o lockdown até o dia 17 de maio.
Quer dizer que sairemos do isolamento extremo para o retorno das atividades econômicas a “todo vapor”?
Quem coloca a cabeça para pensar – mesmo que só um pouquinho –, fica com a impressão de que as autoridades maranhenses, o governador à frente, não sabem nada do que dizem.
Uma espécie de “Bolsonaro” com o sinal trocado.
Os últimos dados coletados apontavam para um comprometimento de 97% (noventa e sete por cento) dos leitos de UTI; o governo baixava decreto para se socorrer dos leitos da rede privada; as pessoas já agonizavam nas recepções da UPAS – e morriam – enquanto aguardam por uma vaga.
Isso tudo acontecendo sem que a demanda dos pacientes do interior – para onde a pandemia começa a se alastrar –, se torne mais intensa.
Já são milhares de infectados no interior. Mesmo os menores municípios já apresentam casos de transmissão comunitária.
É quase certo que exista um número significativo de subnotificações.
A rede de saúde do interior do estado é muito precária, muitos municípios não possuem condições de fazerem um atendimento básico.
Se não encontrarmos uma forma de tratamento eficaz logo, o que vai acontecer quando a “procissão de ambulâncias”, de todos os cantos do estado, começarem a se dirigir para a capital em busca de tratamento?
Faço estas reflexões da minha quarentena de quase 60 dias, chegando a duas conclusões: a primeira, é que o fracasso do Brasil e do Maranhão está ai, à vista de todos; a segunda, é que a ignorância ideologizada mata. A pandemia está provando isso.
Abdon Marinho é advogado.