MINHA AMIGA, D. CREUSA.
Por Abdon Marinho.
ENCERRADO em meu sítio há mais de um mês por conta da pandemia – como tive poliomielite sou do grupo de risco –, apenas pelos meios de comunicação tenho tomado conhecimento do que se passa no mundo exterior.
As notícias, infelizmente, não são boas. Um dia o perecimento de um, outro dia o perecimento de outro. São autoridades que não conseguem um consenso mínimo sobre o que fazer para cuidar da população.
Em meio a tantas noticias ruins, uma, em especial, abalou-me mais, o perecimento da minha amiga D. Creüsa Braga, ex-prefeita de Luis Domingues.
A conheci por meados dos anos noventa, através do deputado estadual Aderson Lago, que tinha grande amizade por todos da família. Foi apoiado pelo esposo de D. Creüsa, Seu Didi Queiróz, na eleição de 1990 e o apoiara com todo afinco quando, na “farra das intervenções”, decretaram a intervenção em Luís Domingues.
Aderson Lago mobilizou os melhores advogados até que conseguiram restituir Seu Didi no cargo, através de decisão do Supremo Tribunal Federal — STF. Registre-se que foi um dos poucos municípios sob intervenção que os gestores legítimos conseguiu retornar. Quem cuidou do caso, se não me falha a memória, foi o valoroso colega Carlos Macêdo Couto.
Nos momentos de dificuldades os verdadeiros amigos aparecem e as amizades se solidificam.
Conhecia Aderson desde o início de 1991 quando fui trabalhar com assessor do deputado Juarez Medeiros na Assembleia Legislativa, como ambos eram de oposição ao governo de Edison Lobão e Juarez sendo deputado de segundo mandato e segundo secretário, sempre passava por lá antes ou depois das sessões.
Em 1994, quando trabalhamos juntos na campanha de Cafeteira, estreitamos ainda mais a amizade. Foi naquele ano, aliás, que Aderson, apesar da tristeza da derrota externou-me a sua profunda felicidade com o resultado da sua votação em Luis Domingues.
– – – Olha aqui, Abdon, que trabalho bem feito em Luis Domingues, olha minha votação lá.
Dizia isso profundamente agradecido a D. Creüsa, a Seu Didi, a Serejo, etc. Mas, especialmente, a D. Creüsa, a quem atribuía toda a articulação politica e a conquista dos votos.
Foi a mesma coisa em 1998, estávamos na sede do comitê, na Praça Gonçalves Dias, conferindo o resultado da votação. A derrota de Cafeteira já era certa, mas nos voltávamos para a votação de Aderson, que corria riscos. Mais uma vez os votos conseguidos pelos amigos de Luis Domingues, D. Creüsa à frente, chegaram em boa hora.
Entre estes dois pleitos, em 1996, D. Creüsa perdeu, por uma diferença de poucos votos, a eleição municipal.
Foi por esse período, não me recordo se antes ou depois das eleições, que fui apresentados a eles, Seu Didi, D. Creüsa e Serejo, lá mesmo no gabinete de Aderson.
O primeiro trabalho, já como advogado, que tive com eles foi, acredito que em meados de 1999. Era uma confusão envolvendo atraso no pagamento de servidores, tentativa de cassação do prefeito João Pinto de Lucena pela Câmara Municipal, algo do tipo.
O que sei e que Aderson me pediu para ir lá. Não havia estradas que merecesse esse nome para Luís Domingues e tive que ir de avião. Foi assim diversas vezes, vez ou outra, tinha que ir lá de avião, quando dava sorte ia de bimotor, quando não, era um monomotor.
Ainda hoje me pergunto de onde tirava tanta coragem para pegar um aviãozinho que mais parecia uma casca de ovo. E quando pegávamos chuva, que o aviãozinho balançava todo?
Em 2000 D. Creüsa se elegeu e, a partir de 2001. Fui a posse e desde então passamos a trabalhar juntos e não nos largamos mais.
Durante os oito anos de suas gestões, foram incontáveis as vezes que tive fui a Luís Domingues, muitas vezes de avião, muita mais vezes de carro.
As viagens de carro, logo nos primeiros anos da gestão, pela falta de estradas era aventura. Por vezes, gastávamos, só do local chamado Quatro Bocas a sede do município, três ou quatro horas.
Sempre que possível levávamos a contadora, D. Vânia Matos, que sabedora da minha mania de não viajar “tirando reisado”, levava um farnel para matarmos a fome na longa estrada. Íamos sempre, eu, o senhor Afrânio, meu motorista, e D. Vânia. Outras vezes ia ou levava algum amigo.
Como não havia pousadas ou hotéis na cidade ficávamos todos na casa de D. Creüsa, como integrantes da família, já tínhamos quartos reservados.
Quando chegávamos, e pelos dias que lá ficávamos, era uma festa. Muitas conversas, desde o café da manhã, até à noite, depois do jantar, nas rodadas de bate papo na porta de casa, com Seu Didi, D. Creüsa, os muitos amigos, os filhos.
As refeições sempre fartas, verdadeiros banquetes. Antes e depois das viagens D. Vânia rendia assunto por um motivo, peculiar: no café da manhã, já combinava o que desejava comer no almoço; no almoço já dizia os desejos de comer no jantar; e neste o que esperava para o dia seguinte.
E lá vinham as pescadas frescas, as galinhas caipiras com pirão de descaída – esse prato, aliás ficou famoso, meus amigos ainda hoje falam do pirão de descaída, cuja a receita peguei com a querida Delica e vez por outra ensaie fazer em minha casa.
Nestes anos testemunhei o amadurecimento dos filhos e o crescimento dos netos que, em 2000/2001, eram crianças.
Sempre tive especial admiração pelo respeito dos filhos e netos por seus pais e avós, tanto Seu Didi, quanto D. Creüsa. Na hora que qualquer um chegava, estivesse quem estivesse com eles na cozinha (nosso local de reunião favorito), tomavam a benção a eles.
Com relação a parte da gestão não existe um cliente (ou ex-cliente), colegas advogados ou de outras áreas, com quem trabalhei, que não tenha conhecido, pelo menos, “de nome”, D. Creüsa.
Durante os anos em que trabalhamos juntos e nos seguintes, sempre que reunia com um cliente e suas equipes falava de D. Creüsa a eles.
Dizia (e ainda digo) que D. Creüsa, apesar de ter sido uma mulher simples, sem muitos estudos, possuía qualidades excelentes como gestora. E dava os exemplos: nos oito anos de mandato nunca deixou que o marido ou filhos tomassem de conta ou se intrometessem na administração, tudo era feito e decidido por ela; carregava uma agenda onde anotava tudo que falávamos ou recomendávamos; e tudo que ia fazer, se tinha alguma dúvida, ligava para mim.
Vez ou outra ligava: –– Dr. Abdon, estou pensando em fazer isso, o que o senhor acha? Ou, como posso fazer isso?
Foram os oito anos assim. Quando não me pedia para ir lá, se era muito urgente, conseguia um avião com algum amigo deputados lá ia eu saber do que se tratava.
Uma vez se zangou com uns servidores contratados. Me ligou zangada dizendo que ia demiti-los porque estes, na sua ideia a havia desacatado. Não quis acordo. Determinou o encerramento dos contratos.
Os servidores foram as barras da Justiça, reclamaram em todos os órgãos possíveis e imagináveis.
Em oito anos de mandato foram as únicas coisas de importância que respondeu.
E, sempre que chegava uma intimação sobre o fato, eu dizia com o carinho e a liberdade que só os amigos verdadeiros possuem: –– eu não lhe disse?!
E ela respondia: –– lá vem o senhor de novo.
Fiz muito isso. Sempre que aparecia alguma coisa, dizia.
E contava, como exemplo, para os outros clientes e amigos.
Vejam que coisa espetacular, uma senhora, sem muitos estudos, dona de casa, mãe, avó, mas extremamente “empoderada”, para usar uma palavra da moda. Acho que muito mais do que muitas feministas por aí.
Em todos esses anos, mesmo depois da sua gestão, continuamos a manter contato e a fortalecer a amizade. E mais, continuou a me ligar e a pedir minha opinião sobre qualquer coisa importante que ia fazer, mesmo depois do término do mandato. Sempre que vinha a São Luís, com Seu Didi ou alguns dos filhos, não deixava de me fazer uma visita e tomar um cafezinho no escritório. Se tinha algum cliente, colega ou profissional de outra área, a apresentava: –– essa é D. Creüsa, de quem falo tanto.
Apesar de não possuir formação politica, D. Creüsa foi uma politica arguta. Se contrariada com algum aliado, evitava bater de frente ou fazer movimentos bruscos. Muitas vezes, através de ligação ou pessoalmente, me contava de suas contrariedades, pedia opiniões.
Quase sempre dizia que tinha agido certo ou que tivesse paciência que lá na frente tudo se acertaria.
Foram assim os últimos vinte anos. Nunca tivemos uma relação só de cliente/advogado, mas sim de amizade sincera e verdadeira.
Ano passado fui a sua belíssima festa de setenta anos. Estávamos todos tão felizes que não poderíamos imaginar que o câncer traiçoeiro a levaria tão pouco tempo depois.
Logo após a confirmação do triste fato me ligou Sérgio Carvalhal: — doutor queremos que o senhor prepare o decreto de luto oficial. Disse-lhe: — sabes a dor me causa ao pedires isso? Ele se desculpou e disse que compreendia.
E lá estava eu, tomado pela dor, lembrando que todos os atos que fiz desde o primeiro dia do seu mandato, em 2001, agora fazendo o decreto de luto oficial em sua homenagem. Cada palavra uma dor e uma lembrança.
A minha amiga partiu. E partiu nesta contingência em que nem me despedir da forma correta me foi permitido.
Mas considero este fato, também, um capricho do Criador. Quis Ele que dela não guardasse a imagem da morte, mas sim, da vida, dos melhores momentos que estivemos juntos.
Por isso segue o testemunho do amigo,
Abdon Marinho.