O GOVERNO BOLSONARO ACABOU.
Por Abdon Marinho.
QUANDO se vive em um mundo binário a maior dificuldade que se tem é fazer com que aquelas pessoas que estão “filiadas» numa ou outra corrente compreendam qualquer verdade, mesmo aquelas mais óbvias.
Estamos diante de uma delas.
Se chegou a existir algum dia, o governo do senhor Bolsonaro acabou.
Já disse isso outras vezes, muito embora as pessoas não tenham dado importância.
Não estou dizendo com isso que não vá chegar a 2022 – é até possível que chegue, dependendo do saldo nas burras da viúva.
Mas não será mais o governo Bolsonaro – ou com os ideais que o elegeu –, será o governo do centrão – se não o abandonarem pelo meio do caminho, conforme a “chapa” esquente –, ou das Forças Armadas, caso estas resolvam enveredar por mais uma aventura militarista, que, segundo fontes dos quartéis é tudo que não querem.
Mas, o certo é que o governo acabou.
Não acabou por ser de direita e haver uma conspiração comunista entranhada nas instituições republicanas.
O governo Collor também era “de direita” e caiu.
O governo da ex-presidente Dilma Rousseff era “de esquerda” e, também, caiu.
Não adianta falar em ditadura judicial.
Não adianta falar em sabotagem do Congresso Nacional;
Não diante colocar esses “gatos pingados” se revezando em protestos insanos todos finais de semana.
Aliás, apenas para registro histórico, as mesmas desculpas ensaiadas pelo atual mandatário – e seus aliados –, não diferem muito do que dizia o ex-presidente Collor no longínquo 1992 ou do que dizia a ex-presidente Rousseff, ainda ontem, em 2016.
Quem não se lembra do que dizia Collor?
Quem não lembra do que dizia Dilma?
O atual governo acabou pelo mesmo motivo que acabaram os governos referidos acima: falta-lhe capacidade gerencial; falta-lhe governança.
O governo, parece-me, tomado por “aluados” sem a compreensão mínima do que seja o mundo atual; do que seja macroeconomia; do que seja política internacional; ou mesmo, pasmem, do que seja separação de poderes, respeito às instituições republicanas e as leis.
Outro dia um juiz determinou que o presidente da República usasse máscara em locais públicos, conforme determina um decreto do governo do Distrito Federal.
No dia que saiu a decisão uma nota da Advocacia Geral da União dizia que iria recorrer da decisão judicial pois a mesma “feriria” a tal “independência dos poderes”.
Ora, na cabeça dos advogados da União – pelo menos dos responsáveis pela nota –, no seu “quadrado” cada um pode fazer o que quiser sem dever satisfações a ninguém.
Esse é apenas um pequeno exemplo do quanto anda a “moral” do presidente da República. Primeiro, ser necessário, que durante uma pandemia, alguém entre na justiça pedindo uma medida para obrigar o presidente a cumprir um decreto que submete todos os cidadãos a cumprir normas sanitárias. Segundo, que os advogados da União, pagos com o dinheiro dos contribuintes, lancem uma nota estúpida dizendo que a imposição judicial fere a independência dos poderes – e pior, recorram. Mas, pelo que soube, no recurso, usaram outros argumentos.
Vejam, está tudo errado.
O presidente da República deveria ser o primeiro a ter consciência de que deve respeitar as leis e os regulamentos a que todos do povo devem seguir.
Mas não compreende isso.
Aí, se submete ao vexame de uma decisão judicial obrigá-lo a fazer aquilo que deveria fazer como um exemplo para os demais cidadãos.
Já tinha sido assim na história dos exames médicos.
Fez tanta confusão, gastou-se tanta energia para depois a justiça determinar, e ter que entregar os tais exames que, apenas comprovava que estava saudável.
Pergunto: em plena pandemia haveria necessidade de se arranjar confusão por tão pouco?
O presidente tem um mérito: ele conseguiu unir os poderes e instituições contra ele.
Quando, ao invés de, sob o seu comando, unir o país contra a pandemia do novo coronavírus e sair “por cima”, como muitos outros chefes de governo ao redor do mundo fizeram, ele uniu o “mundo” contra ele.
Vimos, aliás, ainda estamos vendo, muitos líderes mundiais, que estavam enfraquecidos, e no, enfrentamento da pandemia, saíram-se – ou estão se saindo –, fortalecidos perante os seus governados, são candidatos imbatíveis nas próximas eleições.
O senhor Bolsonaro, aos olhos do mundo, e mesmo de maior parte da população brasileira, vai sair muito menor do que entrou.
E ele não precisaria fazer nada, absolutamente nada, para ter um resultado diferente e colher os “louros” da vitória.
Bastava ficar calado e dizer que todos os brasileiros deveriam seguir as orientações do “seu” Ministério da Saúde e das demais autoridades sanitárias. Só isso.
Imaturo, ficou com “ciúmes” dos subordinados e passou a “sabotar” publicamente seu próprio governo no combate à pandemia.
Tanto fez que forçou a demissão de um ministro que contava com a aprovação de setenta por cento da população.
Não satisfeito forçou a demissão do segundo ministro da saúde, um técnico, que não aguentou nem um mês as sandices do mandatário.
E, por fim, instalou um general como interino no comando da pasta com a missão de “obedecer” as suas ordens sobre como combater o vírus.
O resultado é o que estamos vendo: o Brasil virou o epicentro da pandemia, já conta com mais 56 mil mortos; mais de um milhão e duzentos mil infectados; os cidadãos brasileiros, e outros que por aqui passar, não podem entrar, em praticamente, metade do mundo.
Agora mesmo a União Europeia anunciou que cidadãos brasileiros não poderão, a partir de 1º de julho, ingressar em nenhum dos países do bloco.
O ocaso do governo não se deverá, apenas, ao pouco caso com que tem tratado pandemia – muito embora esse fato diga muito –, mas, também, pelos mais variados atritos em diversas outras áreas.
A gestão ambiental é um assunto que assusta o mundo e que o governo brasileiro tem se mostrado incapaz de enfrentar.
Desde o início do governo, em 2019, que as imagens de florestas em chamas rodam o mundo sempre numa crescente, atraindo críticas do mundo inteiro.
A isso, devemos somar a flexibilização da exploração das terras indígenas; o avanço dos garimpos em áreas de proteção e mesmo o desprezo dos integrantes do governo pelos povos indígenas.
No mundo atual estes são temas caros.
Não faz muito tempo grupos de investidores ameaçaram tirar todos investimentos do país; muitos governos, pelo mesmo motivo, já fizeram isso.
Em meio a tudo isso, o próprio presidente ameaça com uma ruptura institucional, participando ostensivamente de atos que pedem intervenção militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
O governo Bolsonaro não consegue entender que vivemos outro momento histórico.
Diferente dos anos sessenta, em que havia uma certa tolerância – e algumas potências até estimulavam golpes de estado –, hoje o mundo inteiro “foge” disso.
Não há mais espaço para ditaduras, tanto assim que aquelas que ainda “teimam” existir, estão agonizando.
Não tem qualquer cabimento o Brasil está debatendo, em pleno século XXI, o papel das Forças Armadas.
Esse debate é dos anos sessenta, quando muito dos anos oitenta, quando saiamos de uma ditadura.
Foi naquela época, em meados dos anos oitenta, por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte, que inseriram o artigo 142 no texto constitucional, como forma de “acalmar” os militares que temiam uma espécie de “revanchismo” do governo civil.
Causa-me perplexidade assistir juristas discutirem, a sério, a possibilidade de intervenção militar sem uma ruptura institucional, invocando o artigo 142 da Constituição.
Parece que a estupidez toma conta do país.
Quando digo que o governo Bolsonaro acabou é porque chegamos ao ponto de discutir esse tipo de coisa como algo normal.
Vejo o ministro das relações exteriores do Brasil falar em enfrentamento do Comunismo como se estivéssemos nos anos cinquenta.
E, faz muito pior que isso, orienta de forma tão equivocada a política externa do Brasil com base no “fantasma comunista”, que recentemente quase todos ex-chanceleres, de todas as correntes políticas, protestaram contra a atual condução da política externa do país.
A nossa política externa que desde os anos quarenta tem servido de modelo passa por estes constragimentos.
O Brasil que desde a criação da Organização das Nações Unidas — ONU, tem o lugar de destaque, a ponto de ser a primeira nação a falar em suas sessões anuais, agora fala, sem pudor, em enfraquecer a organização mundial, em sair da Organização Mundial da Saúde — OMS e de outros organismos multilaterais.
Enquanto o atual governo “trabalha” com afinco para nos tornar um pária aos olhos do mundo e nos isolar, no cenário interno tenta escapar de seu próprio inferno.
Agora mesmo um amigo incômodo é localizado pela polícia homiziado na casa do advogado “anjo” da família presidencial.
Como explicar isso? Como justificar que o agora “ex-anjo” fez tudo por sua conta? E se o tal Queiroz, como já chegaram anunciar, resolver “abrir a boca”?
Conforme seja, estes fatos, além do resultado das diversas outras investigações em curso, apenas podem precipitar algum acontecimento mais extremo.
O fim do governo é devido ao conjunto da obra.
Abdon Marinho é advogado.