AS FAKE NEWS E A DEMOCRACIA – O OVO DA SERPENTE.
Por Abdon Marinho.
ATÉ ONDE as lembranças alcançam sempre fui um contestador, sempre me incomodou enxergar algo errado e, por conveniência ou comodidade, ficar calado, não dizer o que penso. Uma fidelidade extremada a um ditado do meu saudoso pai de que: “o que está errado é da conta de todo mundo”.
O excesso de sinceridade quase sempre causa muitas incompreensões, como a de que “Abdon é de oposição”. Tenho alguns amigos que dizem ser de pouca valia minhas posições políticas em apoiar este ou aquele grupo, vez que, vitoriosos e instalados no poder, não demora muito, viro “do contra”, como se a mim coubesse, como uma luva, o velho dito que guiou os espíritos libertários: “hay gobierno? Soy contra”.
Existe um pouco de exagero em tais assertivas, mas, o certo é que sempre me incomodou – e incomoda –, o “efeito manada” que os governos provoca nas pessoas, tornando-as incapazes de adotar um comportamento crítico em relação a eles, sobretudo, quando calçados em apoio popular.
Ainda me recordo das críticas que recebia ao contestar o governo do ex-presidente Lula, quando este alcançava índices de popularidade acima dos oitenta por cento.
Já naquela época todos sabiam das bandalhas dos petistas e aliados no governo, o escândalo do “mensalão” tinha sido revelado anos antes, em 2005, e, apesar disso, o governo tinha tais índices de popularidade.
O Lula – que depois ficou-se sabendo era o “chefe” do esquema –, não foi incluído no processo do “mensalão”, acredito, por força de tal popularidade.
Um pouco mais de investigação – e esforço da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário –, o teria colocado no topo daquele escândalo.
Deu-se contrário, ainda com todos no seu entorno envolvidos no escândalo, o ex-presidente Lula conseguiu vender a cantilena proferida em agosto de 2005: «Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis. Indignado pelas revelações que chocam o país e sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, precisa pedir desculpas».
As desculpas nunca vieram de verdade e os “malfeitos” continuaram como se nada tivesse acontecido e se ampliando cada vez mais
O semblante compungido e a voz trêmula era apenas “conversa para boi dormir”, e vou além, se o Lula não tivesse comedido o “erro estratégico”, chamado Dilma Rousseff (e o cometeu pensando que ela devolveria o governo quatro anos depois), e tivesse “peitado o mundo” teria conseguido aprovar uma emenda constitucional permitindo a reeleição permanente, ou algo que o valha, como fez o Chávez, como o fez o Putin, e tantos outros.
Em 2009 e 2010 haviam diversos movimentos pregando isso.
O Congresso Nacional e até o Supremo Tribunal Federal — STF, se calariam.
No máximo teríamos os protestos de uma meia dúzia de homens públicos com dignidade.
Por incrível que pareça, o que nos livrou da ditadura popular do petista foi um dos Sete Pecados Capitais: a soberba.
O ex-presidente tinha plena confiança na devolução do poder quatro anos depois e, também, por vaidade, não queria ser tachado nos setores do esquerdismo intelectual mundial como autoritário.
O discurso dos defensores da tese do terceiro mandato – e de lá para o infinito –, usavam como exemplo o fato de, até, o ex-presidente Franklin D. Roosevelt, ter sido eleito nos Estados Unidos três vezes e governado aquele país de 1933 até sua morte em 1945.
Ora, se até os Estados Unidos já tivera a experiência de um ex-presidente ser eleito três vezes, por que não o Brasil? Se o ex-presidente FHC conseguiu alterar a Constituição para permitir a sua reeleição em 1997, o que tinha “demais” que o Lula fizesse o mesmo para permitir sua re-reeleição em 2010?
Faço tais considerações apenas para mostrar o quão frágil ainda é a nossa democracia, a ponto, de, há pouco mais de dez anos os debates terem sido tomados por discussão sobre a alteração da Constituição Federal para permitir que um ex-presidente popular pudesse ser eleito três vezes – ou mais –, como se o interesse pessoal ou de um grupo político pudesse se sobrepor às regras institucionais rígidas.
Pior que isso, nos dias atuais, não faz muito tempo, assistimos autoridades da República suscitar a utilização das Forças Armadas contra os poderes do país; vimos mais de uma vez o presidente e seus ministros ameaçarem ministros do STF, dizerem impróprios contra estes e, também, contra parlamentares; assistimos o presidente apoiar ostensivamente atos em seu favor que pediam o fechamento dos demais poderes; vimos presidente de partido difamar publicamente os ministros do STF sem que isso tivesse qualquer consequência.
Essa onda de desprezo institucional pela democracia – que não é um fenômeno unicamente brasileiro –, coloca o mundo em um estranho suspense.
Mesmo os Estados Unidos, sempre tidos como o exemplo a ser seguido quando se trata de democracia, vem enfrentando tal fenômeno, a ponto do atual presidente, numa atitude inédita, questionar a lisura do pleito que ocorrerá em novembro – como a tirar uma carta de seguro caso o resultado das eleições não lhe seja favorável.
O diferencial entre os Estados Unidos e o Brasil é que por lá as instituições são bem mais consolidadas do que as nossas.
Em tal contexto é que devemos nos perguntar como enfrentaremos o riscos à nossa democracia representados pelas chamadas fake news.
Nossas instituições estão preparadas para o enfrentamento das fake news? Conseguiremos sair ilesos a elas ou estamos a caminho de uma ditadura?
Enganam-se aqueles pensam que ditadores são forjados no obscurantismo das casernas.
Esta concepção errada decorre do fato de como se deu o golpe militar de 1964 e que perdurou, por 21 anos, até 1985, quando os presidentes-generais eram escolhidos de “dentro para fora do régime”.
As verdadeiras ditaduras são sedimentadas no seio da sociedade, com o apoio popular a líderes autoritários.
O roteiro histórico encontra-se à disposição de quem quiser estudá-los.
Alguém pensa que o Fascismo, o Nazismo e o Comunismo, nasceria e floresceriam sem amplo apoio popular? Acredito que não.
A partir do apoio popular, através das mais variadas campanhas, tentam – e conseguem –, o enfraquecimento das instituições republicanas, sobretudo, o Poder Judiciário e o Congresso Nacional.
Antes ou simultaneamente a isso, promovem a aniquilação da imprensa independente ou tradicional, só tendo como sérios e válidos seus próprios órgãos de comunicação. Alguém lema]bar do Gramma, de Cuba, do Pravda, da URSS?
Já vimos isso acontecer em diversos países: na Itália, na Espanha; na Rússia; e o exemplo mais eloquente de todos representado pela República de Weimar que foi o gene para o surgimento do nazismo na Alemanha a partir de 1933.
Outro exemplo, bem vivo, até porque presente nos dias atuais, é o que vem da Venezuela.
Ao chegar no poder, em 1999, Hugo Chávez, iniciou o plano de dominação das instituições e dos veículos de comunicação social que não “rezavam” a sua cartilha.
Não deixo de lembrar que quando fechou o principal canal de televisão daquele país teve quem festejasse e até pedisse que se fizesse o mesmo por aqui – e por diversas vezes até tentaram.
Hoje todos somos testemunhas do aconteceu –e do que ainda acontece –, na Venezuela.
Hugo Chávez nunca prometeu ditadura. Muito pelo contrário, como todo ditador que se preza, o discurso sempre foi contrário disso: libertar o povo; acabar com a exploração; ampla e total liberdade para o povo venezuelano. Para tanto, até batizou seu movimento como “bolivariano”, em homenagem ao libertador das Américas, Simón Bolívar.
A sociedade brasileira – assim como todas as demais –, precisam compreender os sinais de surgimento de regimes totalitários e fazer o contraponto com o fortalecimento das instituições. Quando os governantes se tornam mais fortes que elas é porque já estamos a meio caminho dos regimes de exceção.
Não pensem que não existe espaço no mundo atual para implantação de regimes autoritários. Muito pelo contrário, os regimes estão aí se fortalecendo.
Quem vai proteger o povo não é a população com armas nas mãos, são as instituições fortalecidas agindo como pacificadoras sociais, garantindo a estabilidade e o régime democrático.
Na quadra política atual são as fake News as principais ferramentas para a gestação do “ovo da serpente”.
Recentemente assisti um filme na Netflix que bem retrata essa relevância, chama-se Rede do Ódio, que recomendo aos leitores.
Nos próximos textos continuaremos a tratar da questão das fake News e o risco que as mesmas representam para a democracia.
E lembrem-se, tudo que os ditadores mais negam é que sejam ditadores.
Abdon Marinho é advogado.