AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

As fake news e a democ­ra­cia – O ovo da serpente.

Escrito por Abdon Mar­inho

AS FAKE NEWS E A DEMOC­RA­CIA – O OVO DA SERPENTE.

Por Abdon Marinho.

ATÉ ONDE as lem­branças alcançam sem­pre fui um con­tes­ta­dor, sem­pre me inco­modou enx­er­gar algo errado e, por con­veniên­cia ou como­di­dade, ficar cal­ado, não dizer o que penso. Uma fidel­i­dade extremada a um ditado do meu saudoso pai de que: “o que está errado é da conta de todo mundo”.

O excesso de sin­ceri­dade quase sem­pre causa muitas incom­preen­sões, como a de que “Abdon é de oposição”. Tenho alguns ami­gos que dizem ser de pouca valia min­has posições políti­cas em apoiar este ou aquele grupo, vez que, vito­riosos e insta­l­a­dos no poder, não demora muito, viro “do con­tra”, como se a mim coubesse, como uma luva, o velho dito que guiou os espíri­tos lib­ertários: “hay gob­ierno? Soy con­tra”.

Existe um pouco de exagero em tais asserti­vas, mas, o certo é que sem­pre me inco­modou – e inco­moda –, o “efeito man­ada” que os gov­er­nos provoca nas pes­soas, tornando-​as inca­pazes de ado­tar um com­por­ta­mento crítico em relação a eles, sobre­tudo, quando calça­dos em apoio pop­u­lar.

Ainda me recordo das críti­cas que rece­bia ao con­tes­tar o gov­erno do ex-​presidente Lula, quando este alcançava índices de pop­u­lar­i­dade acima dos oitenta por cento.

Já naquela época todos sabiam das ban­dal­has dos petis­tas e ali­a­dos no gov­erno, o escân­dalo do “men­salão” tinha sido rev­e­lado anos antes, em 2005, e, ape­sar disso, o gov­erno tinha tais índices de popularidade.

O Lula – que depois ficou-​se sabendo era o “chefe” do esquema –, não foi incluído no processo do “men­salão”, acred­ito, por força de tal pop­u­lar­i­dade.

Um pouco mais de inves­ti­gação – e esforço da Polí­cia Fed­eral, do Min­istério Público e do Poder Judi­ciário –, o teria colo­cado no topo daquele escân­dalo.

Deu-​se con­trário, ainda com todos no seu entorno envolvi­dos no escân­dalo, o ex-​presidente Lula con­seguiu vender a can­tilena pro­ferida em agosto de 2005: «Eu me sinto traído por práti­cas ina­ceitáveis. Indig­nado pelas rev­e­lações que chocam o país e sobre as quais eu não tinha qual­quer con­hec­i­mento. Não tenho nen­huma ver­gonha de dizer que nós temos de pedir des­cul­pas. O PT tem de pedir des­cul­pas. O gov­erno, onde errou, pre­cisa pedir desculpas».

As des­cul­pas nunca vieram de ver­dade e os “malfeitos” con­tin­uaram como se nada tivesse acon­te­cido e se ampliando cada vez mais

O sem­blante com­pungido e a voz trê­mula era ape­nas “con­versa para boi dormir”, e vou além, se o Lula não tivesse come­dido o “erro estratégico”, chamado Dilma Rouss­eff (e o come­teu pen­sando que ela devolve­ria o gov­erno qua­tro anos depois), e tivesse “peitado o mundo” teria con­seguido aprovar uma emenda con­sti­tu­cional per­mitindo a reeleição per­ma­nente, ou algo que o valha, como fez o Chávez, como o fez o Putin, e tan­tos out­ros.

Em 2009 e 2010 haviam diver­sos movi­men­tos pre­gando isso.

O Con­gresso Nacional e até o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, se calar­iam.

No máx­imo teríamos os protestos de uma meia dúzia de homens públi­cos com dig­nidade.

Por incrível que pareça, o que nos livrou da ditadura pop­u­lar do petista foi um dos Sete Peca­dos Cap­i­tais: a soberba.

O ex-​presidente tinha plena con­fi­ança na devolução do poder qua­tro anos depois e, tam­bém, por vaidade, não que­ria ser tachado nos setores do esquerdismo int­elec­tual mundial como autoritário.

O dis­curso dos defen­sores da tese do ter­ceiro mandato – e de lá para o infinito –, usavam como exem­plo o fato de, até, o ex-​presidente Franklin D. Roo­sevelt, ter sido eleito nos Esta­dos Unidos três vezes e gov­er­nado aquele país de 1933 até sua morte em 1945.

Ora, se até os Esta­dos Unidos já tivera a exper­iên­cia de um ex-​presidente ser eleito três vezes, por que não o Brasil? Se o ex-​presidente FHC con­seguiu alterar a Con­sti­tu­ição para per­mi­tir a sua reeleição em 1997, o que tinha “demais” que o Lula fizesse o mesmo para per­mi­tir sua re-​reeleição em 2010?

Faço tais con­sid­er­ações ape­nas para mostrar o quão frágil ainda é a nossa democ­ra­cia, a ponto, de, há pouco mais de dez anos os debates terem sido toma­dos por dis­cussão sobre a alter­ação da Con­sti­tu­ição Fed­eral para per­mi­tir que um ex-​presidente pop­u­lar pudesse ser eleito três vezes – ou mais –, como se o inter­esse pes­soal ou de um grupo político pudesse se sobre­por às regras insti­tu­cionais rígidas.

Pior que isso, nos dias atu­ais, não faz muito tempo, assis­ti­mos autori­dades da República sus­ci­tar a uti­liza­ção das Forças Armadas con­tra os poderes do país; vimos mais de uma vez o pres­i­dente e seus min­istros ameaçarem min­istros do STF, diz­erem impróprios con­tra estes e, tam­bém, con­tra par­la­mentares; assis­ti­mos o pres­i­dente apoiar osten­si­va­mente atos em seu favor que pediam o fechamento dos demais poderes; vimos pres­i­dente de par­tido difamar pub­li­ca­mente os min­istros do STF sem que isso tivesse qual­quer con­se­quên­cia.

Essa onda de desprezo insti­tu­cional pela democ­ra­cia – que não é um fenô­meno uni­ca­mente brasileiro –, coloca o mundo em um estranho suspense.

Mesmo os Esta­dos Unidos, sem­pre tidos como o exem­plo a ser seguido quando se trata de democ­ra­cia, vem enfrentando tal fenô­meno, a ponto do atual pres­i­dente, numa ati­tude inédita, ques­tionar a lisura do pleito que ocor­rerá em novem­bro – como a tirar uma carta de seguro caso o resul­tado das eleições não lhe seja favorável.

O difer­en­cial entre os Esta­dos Unidos e o Brasil é que por lá as insti­tu­ições são bem mais con­sol­i­dadas do que as nos­sas.

Em tal con­texto é que deve­mos nos per­gun­tar como enfrentare­mos o riscos à nossa democ­ra­cia rep­re­sen­ta­dos pelas chamadas fake news.

Nos­sas insti­tu­ições estão preparadas para o enfrenta­mento das fake news? Con­seguire­mos sair ile­sos a elas ou esta­mos a cam­inho de uma ditadura?

Enganam-​se aque­les pen­sam que dita­dores são for­ja­dos no obscu­ran­tismo das caser­nas.

Esta con­cepção errada decorre do fato de como se deu o golpe mil­i­tar de 1964 e que per­durou, por 21 anos, até 1985, quando os presidentes-​generais eram escol­hi­dos de “den­tro para fora do régime”.

As ver­dadeiras ditaduras são sed­i­men­tadas no seio da sociedade, com o apoio pop­u­lar a líderes autoritários.

O roteiro histórico encontra-​se à dis­posição de quem quiser estudá-​los.

Alguém pensa que o Fas­cismo, o Nazismo e o Comu­nismo, nasce­ria e flo­resce­riam sem amplo apoio pop­u­lar? Acred­ito que não.

A par­tir do apoio pop­u­lar, através das mais vari­adas cam­pan­has, ten­tam – e con­seguem –, o enfraque­c­i­mento das insti­tu­ições repub­li­canas, sobre­tudo, o Poder Judi­ciário e o Con­gresso Nacional.

Antes ou simul­tane­a­mente a isso, pro­movem a aniquilação da imprensa inde­pen­dente ou tradi­cional, só tendo como sérios e váli­dos seus próprios órgãos de comu­ni­cação. Alguém lema]bar do Gramma, de Cuba, do Pravda, da URSS?

Já vimos isso acon­te­cer em diver­sos países: na Itália, na Espanha; na Rús­sia; e o exem­plo mais elo­quente de todos rep­re­sen­tado pela República de Weimar que foi o gene para o surg­i­mento do nazismo na Ale­manha a par­tir de 1933.

Outro exem­plo, bem vivo, até porque pre­sente nos dias atu­ais, é o que vem da Venezuela.

Ao chegar no poder, em 1999, Hugo Chávez, ini­ciou o plano de dom­i­nação das insti­tu­ições e dos veícu­los de comu­ni­cação social que não “rezavam” a sua car­tilha.

Não deixo de lem­brar que quando fechou o prin­ci­pal canal de tele­visão daquele país teve quem fes­te­jasse e até pedisse que se fizesse o mesmo por aqui – e por diver­sas vezes até tentaram.

Hoje todos somos teste­munhas do acon­te­ceu –e do que ainda acon­tece –, na Venezuela.

Hugo Chávez nunca prom­e­teu ditadura. Muito pelo con­trário, como todo dita­dor que se preza, o dis­curso sem­pre foi con­trário disso: lib­er­tar o povo; acabar com a explo­ração; ampla e total liber­dade para o povo venezue­lano. Para tanto, até bati­zou seu movi­mento como “boli­var­i­ano”, em hom­e­nagem ao lib­er­ta­dor das Améri­cas, Simón Bolí­var.

A sociedade brasileira – assim como todas as demais –, pre­cisam com­preen­der os sinais de surg­i­mento de regimes total­itários e fazer o con­traponto com o for­t­alec­i­mento das insti­tu­ições. Quando os gov­er­nantes se tor­nam mais fortes que elas é porque já esta­mos a meio cam­inho dos regimes de exceção.

Não pensem que não existe espaço no mundo atual para implan­tação de regimes autoritários. Muito pelo con­trário, os regimes estão aí se for­t­ale­cendo.

Quem vai pro­te­ger o povo não é a pop­u­lação com armas nas mãos, são as insti­tu­ições for­t­ale­ci­das agindo como paci­fi­cado­ras soci­ais, garan­ti­ndo a esta­bil­i­dade e o régime democrático.

Na quadra política atual são as fake News as prin­ci­pais fer­ra­men­tas para a ges­tação do “ovo da ser­pente”.

Recen­te­mente assisti um filme na Net­flix que bem retrata essa relevân­cia, chama-​se Rede do Ódio, que recomendo aos leitores.

Nos próx­i­mos tex­tos con­tin­uare­mos a tratar da questão das fake News e o risco que as mes­mas rep­re­sen­tam para a democ­ra­cia.

E lembrem-​se, tudo que os dita­dores mais negam é que sejam dita­dores.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O ABRIGO DA DISCÓRDIA.

Escrito por Abdon Mar­inho

O ABRIGO DA DISCÓRDIA.

Por Abdon Marinho.

A CAP­I­TAL do Maran­hão, São Luís, vive um momento de raro esplen­dor. Desde o final da década de oitenta, com a implan­tação do Pro­jeto Reviver, pelo saudoso gov­er­nador Epitá­cio Cafeteira, não víamos tan­tas obras de revi­tal­iza­ção do cen­tro histórico.

Já tratei deste assunto lá atrás, por ocasião da entrega do Com­plexo Deodoro, no texto de “Cafeteira a Kátia Bogéa”, elo­giando o que fora feito pelo então gov­er­nador Cafeteira, há mais de três décadas, e o que estava ocor­rendo no momento, com a revi­tal­iza­ção de diver­sos logradouros, primeiro, o com­plexo da praça Deodoro; depois Rua Grande; agora Praça João Lis­boa, Largo do Carmo, ruas do Sol, da Paz, Mer­cado das Tul­has e tan­tos out­ros logradouros impor­tantes his­tori­ca­mente para a cap­i­tal do estado e para a memória do nosso povo.

O atual alcaide à frente desta impor­tante revi­tal­iza­ção – sem deixar de recon­hecer o esforços de tan­tas out­ras pes­soas que muito fiz­eram, desde o gov­erno da ex-​presidente Dilma Rouss­eff, e talvez antes, para con­seguir os recur­sos para tais obras –, sai, assim como foi com Cafeteira, for­t­ale­cido e recon­hecido por todos os maran­henses que amam a nossa cap­i­tal e só querem o seu bem.

O prefeito Edvaldo Holanda Júnior – e tam­bém a cidade, e tam­bém o estado –, talvez por sua fé, tan­tas vezes demon­strada, rece­beu essa graça.

A graça de, na sua gestão, a nossa cap­i­tal rece­ber como pre­sentes estas obras de revi­tal­iza­ção.

O prefeito que já rece­beu essa benção pode­ria aproveitar e fazer o “serviço com­pleto”, devol­vendo à Praça João Lisboa/​Largo do Carmo seu aspecto orig­i­nal do começo do século pas­sado. Deter­mi­nando, como fez Cafeteira, que os espaços urbanos voltassem ao seu aspecto orig­i­nal, antes das “des­fig­u­rações” de que foram víti­mas por décadas de admin­is­trações descom­pro­meti­das.

Quando Cafeteira implan­tou o Pro­jeto Reviver, deter­mi­nou que fos­sem devolvi­das àque­les espaços, pré­dios e mon­u­men­tos históri­cos, as suas car­ac­terís­ti­cas orig­i­nais.

Para isso não mediu esforços, até tel­has man­dou impor­tar de out­ros lugares para que os pré­dios voltassem a ser o que eram.

Por isso mesmo o nome do pro­jeto: Reviver. Para que os espaços os pré­dios revivessem seus mel­hores tem­pos, seus tem­pos áureos.

No livro que lançou sobre o Pro­jeto Reviver con­sta uma relação com os nomes dos vários pesquisadores, his­to­ri­adores e profis­sion­ais diver­sas áreas que con­cor­reram com aquele inesquecível pro­jeto.

Hoje, como dito ante­ri­or­mente, revive­mos alguma coisa de semel­hante ao vivido há três décadas.

Em meio a esse momento de rara feli­ci­dade para a nossa cidade, para o nosso estado, o prefeito per­mite uma polêmica que não teria qual­quer razão de existir.

Falo da polêmica em torno do tris­te­mente famoso “abrigo da João Lis­boa”.

Há algu­mas sem­anas tenho acom­pan­hado, sobre­tudo, nas redes soci­ais, essa falsa polêmica.

Por que digo falsa polêmica?

Sim­ples­mente porque não have­ria qual­quer motivo para exi­s­tir a par­tir da con­cepção do pro­jeto de revi­tal­iza­ção do men­cionado logradouro.

Ora, qual é a ideia para revi­tal­iza­ção do “com­plexo” João Lis­boa? É devolvê-​lo ao seu aspecto orig­i­nal do começo do século pas­sado?

Caso seja essa a ideia, não há que se falar em manutenção do “abrigo”, passa o tra­tor e devolve a praça o aspecto que tinha naquele momento.

Se, ao con­trário disso, a ideia é só devolver o espaço as car­ac­terís­ti­cas dos anos cinquenta do século pas­sado, deixa-​se o abrigo, recupera-​se o mesmo.

Ao meu sen­tir, entre­tanto, filiando-​me à cor­rente dos his­to­ri­adores de “raiz”, não existe qual­quer sen­tido para per­der­mos a opor­tu­nidade de devolver­mos à cidade o aspecto que a mesma tinha no começo do século pas­sado.

Seria, na ver­dade, de impe­riosa importân­cia para o tur­ismo que fizésse­mos isso.

Qual a razão para per­der­mos tal opor­tu­nidade se já esta­mos fazendo a revi­tal­iza­ção da área?

O abrigo, com ape­nas 68 anos não faz parte daquele lugar.

A única ser­ven­tia que tem é servir de mic­tório para os cidadãos que vivem nas ruas, para abri­gar o comér­cio de dro­gas, favore­cer a vio­lên­cia e out­ras coisas mais que só depõe con­tra a cidade.

Até onde sabe­mos, todos os anti­gos tra­bal­hadores que ocu­pavam seus boxes já não estão por lá, todos retornaram aos seus bair­ros. E, se tivessem, nada impediria que fos­sem alo­ca­dos em um ou dois dos diver­sos pré­dios históri­cos do seu entorno.

Seria muito mel­hor, inclu­sive, finan­ceira­mente pois o Largo, com seu aspecto orig­i­nal do começo do século pas­sado, atrairia a fre­quên­cia de tur­is­tas e mesmo dos cidadãos locais.

Noutro giro, tam­bém, até onde sabe­mos, o “abrigo”, com seus mais sessenta anos, encontra-​se com a sua estru­tura com­ple­ta­mente com­pro­metida. Ou seja, a munic­i­pal­i­dade, caso faça a opção errada pela sua manutenção, terá que reconstruí-​lo. Incor­rendo no mesmo equívoco dos gestores dos anos cinquenta.

As dezenas de fotos que exam­inei nos últi­mos dias mostrando com­plexo João Lis­boa, antes e depois do “abrigo”, mostram clara­mente que o momento ante­rior é muito mais belo, muito mais aprazível.

O apelo que se faz ao prefeito – que, parece-​me, ser o único empecilho ao pro­jeto que revi­tal­iza a área de colocá-​la no mesmo pata­mar do Pro­jeto Reviver –, é que dê uma opor­tu­nidade ao bom senso.

Con­forme dito ante­ri­or­mente não faz qual­quer sen­tido, repito, não aproveitar essa opor­tu­nidade de devolver à cidade o seu aspecto orig­i­nal do começo do século pas­sado e ao invés disso fazer uma revi­tal­iza­ção “meia-​boca” e onerosa com a recon­strução do tal “abrigo”, que “não cabe” naquele logradouro, man­tendo as mes­mas maze­las que sem­pre se quis extir­par.

— Sen­hor prefeito, não perca essa opor­tu­nidade. Inclua o “com­plexo João Lis­boa” no nosso Pro­jeto Reviver. Não existe um motivo real para que não faça isso. Coloque seu nome na história da cidade.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Racismo e preconceitos

Escrito por Abdon Mar­inho

RACISMO E PRECONCEITOS.

Por Abdon Marinho.

NÃO faz muito tempo um amigo e leitor me abor­dou com uma espé­cie de inqui­etação. Disse ele: — Abdon, em meio a tan­tos tex­tos que escrevestes, não lem­bro de nen­hum abor­dando o racismo.

A inqui­etação daquele amigo – que é afrode­scen­dente –, ocor­reu na esteira das cen­te­nas de man­i­fes­tações que ocor­riam ao redor do mundo, cujo o estopim do foi o bru­tal assas­si­nato de um cidadão afro-​americano, chamado George Floyd, por poli­ci­ais bran­cos, em Min­neapo­lis, nos Esta­dos Unidos da América.

Sem­pre tive difi­cul­dades de me expres­sar sobre assun­tos sobre os quais não com­preendo. O racismo encontra-​se nesta cat­e­go­ria. Foge à minha com­preen­são que seres humanos sejam humil­ha­dos, mal­trata­dos ou sofram quais­quer out­ros tipos de dis­crim­i­nação por conta da cor da pele.

A situ­ação torna-​se ainda mais incom­preen­sível quando estas pes­soas, estes serem humanos sofrem, além das vio­lên­cias já descritas acima, a vio­lên­cia física, a agressão pública.

Por não enten­der o que motiva isso, sinto-​me impo­tente para tratar do assunto.

Pode­ria aproveitar e falar sobre con­ceitos muito abor­da­dos ulti­ma­mente, como por exem­plo, o racismo estru­tural que têm origem na for­mação da sociedade brasileira e, tam­bém, na amer­i­cana.

Mas isso, tam­bém, seria um ter­reno pan­tanoso, pois nada – e falo sem receio de errar –, jus­ti­fi­caria ou expli­caria as várias for­mas de dis­crim­i­nação e/​ou o racismo implíc­i­tos ou explícitos.

Acred­ito que esta minha inca­paci­dade de com­preen­der o racismo tenha a ver com a forma como fui cri­ado, desde cri­ança con­vivendo, igual­i­tari­a­mente, com pes­soas e cre­dos. Na infân­cia, na juven­tude, na vida adulta.

Como deve ser, a con­vivên­cia me ensi­nou que todos somos iguais e que nada, nen­huma condição finan­ceira ou int­elec­tual, pode mudar isso. O respeito ao ser humano deve vir antes de qual­quer outra cir­cun­stân­cia.

Mas, o certo é que, por ser o racismo algo, a mim, incom­preen­sível, nunca o abor­dei nas min­has crôni­cas.

Por estes dias, entre­tanto, senti von­tade de escr­ever sobre o assunto diante de dois episó­dios de racismo ocor­rido no Brasil.

Um, se não me falha a memória, o cor­rido em um shop­ping cen­ter do Rio de Janeiro, com um jovem tra­bal­hador que foi tro­car um pre­sente que com­prara para o pai, e que foi agre­dido, acredita-​se por sua condição social e/​ou cor da pele, por supos­tos segu­ranças do empreendi­mento.

O outro, ocor­rido na cidade de Val­in­hos, São Paulo, quando um jovem, igual­mente tra­bal­hador, foi fazer uma entrega em deter­mi­nado con­domínio e, con­forme ficou explic­i­tado em um vídeo, ampla­mente divul­gado nos veícu­los de comu­ni­cação, inter­net e gru­pos de aplica­tivos, sofreu o crime tip­i­fi­cado de injúria racial da parte do cliente.

Este último caso, diante do racismo inde­s­cupável explíc­ito, gan­hou maior reper­cussão e a vítima, mere­ci­da­mente, pelo seu com­por­ta­mento sereno e altivo, a sol­i­dariedade de todos.

A sociedade brasileira como um todo, e diver­sos políti­cos, artis­tas, em par­tic­u­lar, reper­cu­ti­ram o episó­dio, se sol­i­darizando com o jovem que fora vítima de racismo e em repú­dio ao agressor.

Pois bem, o caso de Val­in­hos chamou mais a minha atenção porque o pai do jovem agres­sor ao prestar esclarec­i­men­tos sobre o ocor­rido rev­elou que o filho (agres­sor) sofre de uma doença men­tal, a esquizofre­nia.

Como disse acima, a mim, o racismo é com­ple­ta­mente incom­preen­sível, e deve ser tratado como inde­s­culpável por toda a sociedade brasileira, que deve exi­gir a punição de quem o prat­ica. Entre­tanto, em sendo ver­dade o que ale­gou o pai do agres­sor – que muitos alegam ser des­culpa, chegando, inclu­sive, a diz­erem: sem­pre que um “bacana” faz besteira vêm dizer que é “doido” –, estare­mos diante de justo repú­dio a uma prática odi­enta de racismo, mas, tam­bém, por outro lado, de um imenso pre­con­ceito con­tra as pes­soas por­ta­do­ras de dis­túr­bios men­tais.

Quando o vídeo gan­hou o mundo das redes soci­ais, a indig­nação foi tamanha que se alguém pro­pusesse acen­der as tochas para incen­diar a casa no agres­sor, não fal­tariam vol­un­tários.

A indig­nação em casos como estes de racismo é justa, mas não podemos combatê-​la com preconceito.

Repito, em sendo o agres­sor do rapaz, um por­ta­dor de esquizofre­nia – e não tenho motivo para duvi­dar que não seja, pelo con­trário –, nada que se faça con­tra ele – e acred­ito que nada farão –, será com­parável à prisão per­pé­tua da qual já é vítima.

Já con­vivi (e ainda afas­tado, con­vivo) com pes­soas por­ta­do­ras de esquizofre­nia.

O com­por­ta­mento daquele agres­sor é total­mente com­patível com as infini­tas cenas que teste­munhei, inclu­sive o racismo.

Durante os anos em que con­vivi dire­ta­mente com uma pes­soa por­ta­dora de esquizofre­nia – con­heço out­ras, e a sociedade brasileira está é longe de imag­i­nar quan­tos doentes men­tais moram com seus famil­iares ou mesmo soz­in­has –, duas vezes ao dia, quando se aprox­i­mava a hora de tomar os medica­men­tos, em doses cav­alares, pois a dose ante­rior já rareava os efeitos, ouvia esta pes­soa esbrave­jando con­tra os negros em seus delírios.

Como falava soz­inho, porém alto, coisas do tipo: esse “nego” para cá; “nego” vagabundo para lá, além de diver­sos out­ros impropérios, muitas vezes na porta de casa, temíamos que algum transe­unte tomasse para si as agressões e fosse fazer-​lhe algum mal ou mesmo chamar a polí­cia con­tra ele.

Uma outra car­ac­terís­tica das pes­soas com esquizofre­nia – com as quais con­vivi ou tive algum con­tado –, é se voltarem con­tra as pes­soas que estão mais próx­i­mas e devotadas a elas: a mãe, o pai, os irmãos, os avós.

Estes são os que mais sofrem, são as agressões ver­bais quase diárias e, muitas das vezes, físi­cas. Sofrem, prin­ci­pal­mente, por assi­s­tirem, ano após ano, o sofri­mento de um ente querido, preso eter­na­mente numa prisão sem grades, a tor­tu­rante prisão da mente.

Nunca entendi – e tam­bém nunca pro­curei me apro­fun­dar no assunto –, o que motiva, nos esquizofrêni­cos, o racismo e tam­bém essa aver­são, na maio­ria das vezes, vio­lenta, aos seus entes queri­dos.

Com a mudança na política de trata­mento dos pacientes com dis­túr­bios men­tais – o fechamento dos hor­ren­dos man­icômios –, a respon­s­abil­i­dade por cuidar dos mes­mos foi trans­feri­das às famílias, que, sem qual­quer assistên­cia ou ajuda do Estado, na maio­ria das vezes não sabem o que fazer.

As inter­nações, quando as crises se tor­nam mais agu­das, se não me falha a memória, não podem pas­sar de sessenta dias, no resto do tempo são famílias, que com amor, mas sem con­hec­i­mento téc­nico algum, têm que lidar com situ­ações para as quais não estão preparadas.

Não faz muito tempo – acred­ito que tenha con­tado aqui –, uma sen­hor­inha me procurou, apoiada em cajado, dev­ido ao peso dos anos, bateu no meu portão. Veio me pedir con­sel­hos sobre o que fazer com uma neta por­ta­dora de esquizofre­nia aguda que ela já não pos­suía forças para cuidar.

Assim como esta sen­hor­inha – com sua carga de sofri­mento dupla –, estão mil­hares, talvez mil­hões de lares brasileiros.

Por motivos que descon­heço e não me cabe espec­u­lar, temos uma pop­u­lação ele­vada de doentes men­tais que não estão sendo trata­dos como dev­e­riam, na maio­ria das vezes são igno­ra­dos pelo estado, e, não raro, “escon­di­dos” por suas famílias que têm ver­gonha e/​ou pre­con­ceito em dizer que pos­sui um famil­iar por­ta­dor de dis­túr­bios men­tais.

Assim como o racismo, os pre­con­ceitos são out­ros males que pre­cisamos com­bater com veemência.

Abdon Mar­inho é advo­gado.