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A nova velha política.

Escrito por Abdon Mar­inho

A NOVA VELHA POLÍTICA.

Por Abdon Marinho.

uns trinta ou mais anos, contava-​me um vel­hos político maran­hense como era as cam­pan­has políti­cas de antiga­mente. Como sem­pre fui um apre­ci­ador “cau­sos” ficava entretido enquanto remem­o­rava anti­gas histórias.

Certa vez contou-​me que quando, nas cam­pan­has, não se tinha nada con­tra um adver­sário, colo­cavam, nas cal­adas da noite, uma carta anôn­ima infor­mando ou insin­uando que o mesmo seria corno.

— Ainda que a mis­siva nada tivesse de fun­da­mento, pelo menos o adver­sário ficaria pre­ocu­pado com outra coisa, enquanto cor­ríamos com a nossa cam­panha. Assentava.

Eram out­ros tem­pos, tem­pos da “velha política”, com oitenta ou mais anos, lá da metade do século pas­sado, nos rincões do Maran­hão.

Conto tal história para fazer um para­lelo com o atual quadro político da cap­i­tal do estado nesta reta final de campanha.

Como sabe­mos os prin­ci­pais can­didatos a ocu­par a cadeira número um, no Palá­cio La Ravardière, são jovens não tendo chegado ou não se afas­tado muito da casa dos quarenta. E por serem tão jovens até foram apel­i­da­dos de “Menudos”, como refer­ên­cia a uma banda de ado­les­centes, do século pas­sado. Todos, sem exceção, “gri­tam” que fazem parte da chamada “nova política”, novas práti­cas, novas for­mas de gov­ernar e tan­tos out­ros palavrórios que uti­lizam para con­quis­tar os incautos.

Um fato grave, muito grave, entre­tanto, os trans­portam, pelo menos, uma parte deles, para os rincões do estado, de mea­dos do século pas­sado, uma volta ao pior do pas­sado em matéria de práti­cas políti­cas.

Como leitor já deve ter perce­bido, falo da polêmica envol­vendo um dos Menudos do con­sór­cio gov­ernista, suposta­mente, diag­nos­ti­cado com o novo coro­n­avírus, o COVID-​19.

O can­didato, suposta­mente, enfermo, anun­ciou que estaria com os sin­tomas com­patíveis com a COVID no iní­cio da tarde do dia 11/​11, fal­tando qua­tro dias para as eleições, anun­ciando a sus­pen­são das ativi­dades de cam­panha de rua, con­forme recomen­dação médica.

Pois bem, tudo estaria per­feito se não fosse a divul­gação, por uma emis­sora de tele­visão, de que o can­didato já estaria con­t­a­m­i­nado desde, pelo menos, o dia 05/​11, exibindo como prova um exame suposta­mente real­izado pelo Lab­o­ratório Cen­tral de Saúde Pública do Maran­hão — LACEN MA, vin­cu­lado à Sec­re­taria de Saúde do estado.

Eis que temos um caso de política se trans­for­mando em caso de polí­cia com diver­sas var­iáveis e diver­sos pos­síveis crimes em curso ou já cometi­dos.

Em sendo ver­dade que o can­didato foi diag­nos­ti­cado desde o dia 0511 e, ainda que ass­in­tomático, prosseguiu com a cam­panha, colo­cando em risco a vida de dezenas, cen­te­nas ou mil­hares de pes­soas, temos como certo que o can­didato come­teu um ou mais crimes, sem con­tar, um com­por­ta­mento infamante e indigno para alguém que pre­tende ser prefeito da capital.

O can­didato, por sua vez, nega. Afirma que jamais fez exame no lab­o­ratório público ou teve recol­hido mate­r­ial para que o tal exame fosse feito, não pas­sando de uma grotesca fraude o exame divul­gado pela emis­sora de tele­visão e por diver­sos veícu­los de imprensa.

Vejam, se seria grave, além de imoral e abjeto que um can­didato, sabendo-​se con­t­a­m­i­nado, pelo vírus que levou o mundo a uma pan­demia global, saísse por aí fazendo cam­panha como se nada tivesse acon­te­cido, con­t­a­m­i­nando e colo­cando em risco a vida out­ras pes­soas, não seria menos grave que uma emis­sora de tele­visão e diver­sos veícu­los divul­gassem um exame médico falso com a final­i­dade especí­fica de prej­u­dicar o can­didato.

Se o exame é falso, quem o fal­si­fi­cou e o “vazou” para a imprensa?

Se o exame é ver­dadeiro quem vio­lou o sig­ilo médico/​paciente e o tornou público?

Em nota, emi­tida no dia 12/​11, a Sec­re­taria de Saúde infor­mou que lhe cabe zelar pelo dire­ito à pri­vaci­dade dos cidadãos, asse­gu­rado pela Con­sti­tu­ição Fed­eral e que caberia ao próprio can­didato prestar as infor­mações que enten­der cabíveis.

O can­didato diz que nunca fez tal exame no LACEN MA. Se isso é ver­dade a SES não estaria violando sua pri­vaci­dade se dissesse que a afir­mação do can­didato é ver­dadeira ou falsa.

Afi­nal, que pri­vaci­dade estaria sendo vio­lada com a infor­mação de que o exame foi feito ou não pelo LACEN MA, desde que não infor­mado o conteúdo?

Por outro lado, se a SES diz zelar pela pri­vaci­dade dos cidadãos, como o exame, caso seja ver­dadeiro, vazou?

A SES não pode se eximir de esclare­cer este assunto, inclu­sive quando à omis­são, caso ver­dadeiro o exame, de o can­didato estava fazendo cam­panha quando dev­e­ria cumprir quar­entena obrigatória.

Acho que o Min­istério Público Eleitoral ou mesmo o Estad­ual pre­cisam bus­car esclarec­i­men­tos sobre os fatos.

Se o can­didato fez o exame no LACEN MA e sabendo pos­i­tivo con­tin­uou a cam­panha igno­rando dire­itos bási­cos essen­ci­ais dos cidadãos, ele pre­cisa respon­der pelos atos, não ape­nas na esfera penal, mas, tam­bém, per­ante a Assem­bleia Leg­isla­tiva, por falta de decoro.

O can­didato nega. Soube que o lab­o­ratório confirma.

Por outro lado, caso se trate de uma “fake news”, crime tip­i­fi­cado no artigo 326-​A, do Código Eleitoral, com pena de reclusão que vai de 2 a 8 anos, é necessário iden­ti­ficar o ou os crim­i­nosos. E, caso deten­tores de mandatos, que tam­bém respon­dam per­ante os seus pares.

Se o exame médico exibido pelos veícu­los de comu­ni­cação é falso, quem o fal­si­fi­cou e com qual intenção? Quem encomen­dou o crime e quem são os seus autores? Qual o papel dos veícu­los de comu­ni­cação na even­tu­al­i­dade de se tratar de uma fraude?

Entor­peci­dos pelo calor da dis­puta eleitoral, parece-​me que poucos aten­tam para a gravi­dade do fato ocor­rido: que o can­didato pode ter dis­sem­i­nado inten­cional­mente o vírus da pan­demia ou que seus adver­sários ten­ham for­jado, de forma sór­dida, doc­u­men­tos para incriminá-​lo e deixá-​lo mal per­ante seus eleitores e a comu­nidade de forma geral.

Em ambos os casos, trata-​se de algo de gravi­dade extrema a recla­mar das autori­dades uma resposta clara, defin­i­tiva e tran­quil­izadora, com a punição exem­plar de quem come­teu crimes. Seja do can­didato, caso tenha colo­cado em risco de con­tá­gio as pes­soas, seja daque­les que pos­sam ter “armado” para ele, na even­tu­al­i­dade de não serem ver­dadeiros o exame e a declar­ação do LACEN.

Ao meu sen­tir a situ­ação é de tal modo grave que não desprezo o bene­fí­cio da dúvida, tanto em relação ao que possa ter feito o can­didato quanto à pos­si­bil­i­dade dele ser uma vítima de um ardil da parte dos seus adver­sários.

Em qual­quer dos casos, jazem esten­di­das no chão: a tão son­hada e propal­ada “nova polit­ica” e bem pouco usada que ficou con­hecida como “ética”.

Abdon Mar­inho é advogado.

Como no tempo dos coronéis.

Escrito por Abdon Mar­inho

COMO NO TEMPO DOS CORONÉIS.

Por Abdon Marinho.

EXIS­TIU um tempo no Maran­hão em que os “coro­néis” eram os donos dos votos. Eram eles quem deci­dam, nas suas ter­ras e mesmo municí­pios. as pes­soas que seriam ou não votadas e/​ou eleitas.

Certa vez até con­tei em um dos tex­tos a história de um destes coro­néis durante deter­mi­nada eleição.

O “coro­nel”, escrupu­losa­mente, ia preenchendo as cédu­las e entre­gando uma a uma dev­i­da­mente dobrada para que os “eleitores” da fregue­sia as deposi­tassem na urna que lhe estava à vista dos olhos.

Deter­mi­nado “eleitor” tendo rece­bido a cédula fez menção de abri-​la quando o “coro­nel” o admoestou: — o que você pensa que está fazendo, cabo­clo?

Ao que este respon­deu: — ah, seu “coro­nel”, estou vendo em quem votei.

O coro­nel então retru­cou de pronto: — e você não sabe que o voto é secreto?

Por estes dias deparei-​me com uma situ­ação inusi­tada e semel­hante àquela dos coro­néis «donos dos votos” de outrora.

Tendo rece­bido uma noti­fi­cação para que um dos can­didatos a quem presto asses­so­ria removesse uma pro­pa­ganda irreg­u­lar, con­tactei a direção da cam­panha para que cumprisse a deter­mi­nação do juízo e nos encam­in­hasse a fotografia do ato.

Expi­rando o prazo voltei a ques­tionar a direção da cam­panha de que, até aquele momento, a fotografia com a remoção da pro­pa­ganda não tinha me sido encaminhada.

Foi aí que me foi con­fes­sado o motivo.

Relatou-​me o coor­de­nador da cam­panha que algum eleitor desav­isado colo­cara a pro­pa­ganda e que a direção da cam­panha não tinha como ir lá removê-​la por se tratar de área de domínio de uma facção crim­i­nosa e que esta não estava per­mitindo que alguém fosse lá reti­rar a pro­pa­ganda.

Por incrível que pareça aqui na ilha do Maran­hão e mesmo na cap­i­tal do estado, temos áreas em que o “poder para­lelo” dos traf­i­cantes e facções crim­i­nosas se tornaram “donas” do pedaço dom­i­nando a vida das pes­soas e até mesmo as prefer­ên­cias sobre em quem votar ou não votar, quem pode e quem não pode fazer pro­pa­ganda. Tal qual os coro­néis de antiga­mente.

Mas não pensem os sen­hores que os traf­i­cantes e/​ou fac­ciona­dos estão soz­in­hos neste intento aten­tatório à democ­ra­cia brasileira nes­tas eleições.

O gov­erno estad­ual que se ausenta de tais rincões e per­mite que o crime se instale deixando a pop­u­lação ao aban­dono e aos traf­i­cantes e ou fac­ciona­dos se igualam quando ten­tam por todos os meios, mod­i­ficar ou manip­u­lar a von­tade do eleitorado.

À vista de todos e sem con­strang­i­men­tos, usando o apar­elho do estado, temos os atu­ais gov­er­nantes “tra­bal­hando”, usando, lit­eral­mente, a máquina pública para ben­e­fi­ciar os seus ali­a­dos, em detri­mento das regras bási­cas da democracia.

O que digo, por óbvio, não é uma novi­dade. Já nas eleições de 2016, as primeiras depois do atual gov­erno ser insta­l­ado, tive­mos notí­cias – e denun­ci­amos –, toda sorte de abu­sos prat­i­ca­dos con­tra os adver­sários.

Abu­sos que foram desde a exe­cução de obras eleitor­eiras em diver­sos municí­pios, como asfal­ta­mento, dis­tribuição de títu­los de pro­priedade e tan­tos out­ros, até a pre­sença física e intim­i­datória da força poli­cial con­tra os adversários.

Já nas eleições de 2018, além do “cardá­pio” da eleição ante­rior, revelou-​se à pat­uleia, supos­tos lev­an­ta­men­tos de inteligên­cia sobre a situ­ação política de cada municí­pio com a iden­ti­fi­cação dos “pos­síveis” adver­sários do can­didato à reeleição ao gov­erno e aos demais mem­bros de sua “facção política”.

Até onde se sabe os respon­sáveis ainda não foram dev­i­da­mente punidos.

Mas não pensem que as denún­cias ou repri­men­das éti­cas afe­taram estes novos «coro­néis» na intenção de manip­u­larem a von­tade dos eleitores aos seus interesses.

Se é ver­dade que as dis­putas em grande parte dos inte­ri­ores ocor­rem entre cor­re­li­gionários das facções que apoiam o atual gov­erno e por isso a ação estatal dire­cionada con­tra este ou aquele can­didato torna-​se menos osten­siva o mesmo não ocorre em relação à dis­puta eleitoral na capital.

Na cap­i­tal – uma espé­cie de jóia da coroa –, o gov­erno estad­ual até aqui­esceu com a for­mação de um con­sór­cio de can­didatos entre as várias facções políti­cas uma vez que os inte­grantes do tal con­sór­cio foram ou pos­suem lig­ações com o gov­er­nante e para os quais não pou­cas vezes derramaram-​se elo­gios, que no pleitos fazem questão de expor.

Com­preen­sível que o gov­er­nante, emb­ora fil­i­ado a um par­tido não tenha, desde o iní­cio, vestido a camisa de um can­didato especí­fico, muito emb­ora tenha autor­izado ou lib­er­ado o sec­re­tari­ado para que o fizesse.

Um secretário, inclu­sive, disse com todas as letras e vír­gu­las que nada do que estava fazendo era fato oculto do man­datário.

É assim que temos secretários de estado inau­gu­rando obras em bene­fí­cios de can­didatos, par­tic­i­pando de comí­cios e até ameaçando de prisão os adversários.

Mas não prom­e­teram, lá atrás, que iriam lib­er­tar o Maran­hão dos quase cinquenta anos de atraso?

Outro dia assisti, estar­recido, a divul­gação de uma reunião de secretários de estado – que dev­e­riam se darem ao respeito –, em apoio a um dos can­didatos do con­sór­cio governista.

Assisti, em plena pan­demia, secretários de estado par­tic­i­parem de comí­cios de can­didatos nas quais se aglom­er­avam mil­hares de pes­soas, na maior naturalidade.

Assisti a um secretário de segu­rança dizer em pleno palanque que «pren­de­ria” os adver­sários caso alguma anor­mal­i­dade ocor­resse con­tra o seu can­didato.

Emb­ora se possa dizer que os secretários de estado não estavam em horário de expe­di­ente e, por­tanto, legí­tima a sua par­tic­i­pação política, trata-​se de man­i­fes­tações em que levam a força e o pode­rio estatal para dese­qui­li­brar o pleito eleitoral.

O mais grave, entre­tanto, é ver que o próprio gov­er­nador, eleito com a promessa de mudar os vel­hos cos­tumes, não ape­nas faz pior que os seus ante­ces­sores – e aí nem me refiro ao grupo Sar­ney, que diante do que vejo, comportavam-​se como lordes –, como ressus­cita o velho coro­nelismo dos tem­pos de Vitorino Freire, o tris­te­mente famoso vitorin­ismo.

Os atu­ais gov­er­nantes do estado, pelo que vejo, perderam a noção de lim­ites – e aqui não me refiro ape­nas aos lim­ites entre o que podem ou não fazer –, mas, tam­bém, a com­preen­são do que seja um com­por­ta­mento ético numa cam­panha eleitoral, uma evolução moral tanto pre­gada como dese­jada pelos homens de bem.

O mau exem­plo vem “de cima”. O gov­er­nador não sat­is­feito «ape­nas” em gravar vídeos a favor de seus “preferi­dos” ou per­mi­tir que façam uso de sua imagem, nos últi­mos dias retirou a “más­cara” da impar­cial­i­dade para atacar aque­les que con­sid­era seus adver­sários.

Mal­ograda a estraté­gia do con­sór­cio de can­didatos, vez que os ataques dos seus inte­grantes ao «adver­sário comum” não foram sufi­cientes para retirá-​lo da dis­puta, pas­saram a se atacarem mutu­a­mente, cada um pleit­e­ando a pos­si­bil­i­dade de ir ao segundo turno com ele.

Ao lado disso, escol­heram uma cabo eleitoral de “peso” para ajudá-​los: o próprio gov­er­nador.

A des­culpa de sua excelên­cia para reti­rar a “más­cara” de democ­rata e vestir-​se nos tra­jes de Vitorino Freire, foram supos­tos ataques que seu gov­erno teria rece­bido na gestão da CAEMA, a Com­pan­hia de Águas e Sanea­mento, da parte do can­didato adversário.

Ora, pelo que tenho acom­pan­hado, o que o assim nomeado «inimigo número um”, o I-​Jucá Pirama, do atual gov­erno, fez, foi tão somente, defender-​se dos ataques dos inte­grantes do con­sór­cio gov­ernista, que, desde o iní­cio da cam­panha, elegeram como ponto de ataque, a sua gestão frente a CAEMA, fato ocor­rido há 15 anos.

Na defesa, o can­didato pon­tuou isso, além de autoelogiar-​se, como é de se esperar, e mostrou que os prob­le­mas daquela empresa, pas­sa­dos tan­tos anos, na atual gestão, con­tin­uam maiores do que naquela época.

Qual é a inver­dade disso?

As lín­guas negras avançam para o mar em quase toda exten­são da orla; os rios da ilha tonara-​se esgo­tos a céu aberto; o atendi­mento à pop­u­lação, prin­ci­pal­mente a de baixa renda, con­tinua precário.

O can­didato não disse, mas pode­ria dizê-​lo, sem medo de errar, que o atual gov­erno estad­ual piorou quase todos os indi­cadores soci­ais do Maran­hão, inclu­sive o do aumento da pobreza extrema, que já eram sofríveis.

A situ­ação do Maran­hão é de retro­cesso abso­luto, inclu­sive, nas práti­cas polit­i­cas em que os gov­er­nantes se esmeram em copiar práti­cas de mais de cinquenta anos atrás, ombreando-​se com os mili­cianos e traf­i­cantes na estraté­gia de dom­inarem ter­ritórios.

Se aque­les, os mili­cianos e traf­i­cantes, fazem uso das armas para impedi­rem o acesso das pes­soas as suas áreas de influên­cia e as manip­u­larem, o gov­erno estad­ual, utiliza-​se de um exército de incon­táveis “jagunços”digitais, todos de alguma forma, a soldo dos cofres públi­cos, para destruir a honra e a história dos seus adver­sários – ou inimi­gos, que é a forma como os tratam.

O legado do atual gov­erno para o futuro é como um verso de Cazuza: “vejo o futuro repe­tir o pas­sado, vejo um museu de grandes novidades”.

Abdon Mar­inho é advogado.

Estupro ideológico.

Escrito por Abdon Mar­inho

ESTUPRO IDE­OLÓGICO.

Por Abdon Marinho.

OS DOIS assun­tos mais comen­ta­dos no Brasil, nos últi­mos dias, foram o “caso Mar­i­ana Fer­rer” e as eleições amer­i­canas. Emb­ora pareçam, e sejam, assun­tos total­mente difer­entes, pelo menos aqui, estes temas acabam se encontrado.

Cada um ao seu tempo, tratarei de ambos, ini­ciando, neste texto, pelo primeiro.

Esclareço, de iní­cio, que tratarei do caso envol­vendo o suposto estupro, em tese, con­siderando que o processo – como é de praxe –, corre em “seg­redo de justiça”, só sendo público “retal­hos” de uma instrução e a sen­tença abso­lutória, talvez o pivô de toda celeuma, e as ver­sões de ambos os lados, as sus­peitas de uma sen­tença injusta, os abu­sos clara­mente per­pe­tra­dos con­tra a vítima pela defesa do acu­sado e a omis­são, que chega às raias do crime, do juiz e do pro­mo­tor que atu­aram no caso.

Em que pese ser o estupro um dos crimes mais repu­di­a­dos, a ponto daque­les que o prati­cam não encon­trarem guar­ida nem entre ban­di­dos, e por isso lhes dis­pen­sam celas espe­ci­ais, os chama­dos “seguros”, e não raro, muitos defen­sores recusarem a defesa de tais crim­i­nosos, o crime de estupro, infe­liz­mente, ainda ocorre no Brasil em uma pro­porção absurda.

Segundo o Añuário Brasileiro de Segu­rança Pública, ocorre um estupro a cada oito min­u­tos, e, no ano pas­sado, 2019, foram reg­istra­dos 66.123 estupros, dos quais 57,9% con­tra víti­mas de até 13 anos e 85,7% con­tra pes­soas do sexo fem­i­nino.

Em pouco mais de uma década o número de estupros no Brasil cresceu mais de seis vezes. Cresceu este vol­ume ou foram rev­e­la­dos todos estes casos a par­tir da imple­men­tação de leg­is­lação e pro­gra­mas de atendi­mento às víti­mas, bem como, o “alarga­mento” do con­ceito da tip­i­fi­cação do crime, muito emb­ora ainda se saiba que exista muita sub­no­ti­fi­cação.

Qual­quer que seja o motivo para o aumento deste tipo de crime, o fato é que não podemos ser lenientes com o mesmo, deixar de apu­rar e punir os respon­sáveis, ofer­e­cer assistên­cia e pro­teção as víti­mas e pre­venir para que o mesmo não acon­teça.

Durante décadas a vio­lên­cia con­tra a mul­her foi igno­rada.

Se chegava a uma del­e­ga­cia e denun­ci­ava um estupro geral­mente era tratada como “vadia”, por vezes se exi­gia que provasse ter sido abu­sada ou que resi­s­tira ao crime ao lim­ite da própria vida e, o pior, disponibilizava-​se para a imprensa os dados do reg­istro poli­cial que, sem qual­quer respeito ou trata­mento, eram divul­ga­dos, com o nome da vítima, o endereço, fil­i­ação e, até mesmo, o que o vio­len­ta­dor – ou vio­len­ta­dores –, fiz­eram com a mesma.

Não bas­tasse toda a vio­lên­cia física e psi­cológ­ica já sofrida a vítima tinha, ainda, que supor­tar esse “lin­chamento público”.

Certa vez, em um caso de estupro cole­tivo ocor­rido na cap­i­tal, acho eram os anos 90 do século pas­sado, o jor­nal noti­ciou, como se fosse um filme pornográ­fico, em detal­hes tudo que os meliantes fiz­eram com a vítima, não a poupando nem dos detal­hes mais sór­di­dos.

Esse parece que foi o último caso que li na imprensa, depois pas­saram a ocul­tar o nome e endereço da vítima ou a não destacar como faziam ante­ri­or­mente.

Daí a neces­si­dade de se tratar os casos de vio­lên­cia sex­ual com extremada pre­caução. Não só porque his­tori­ca­mente sem­pre se atribuiu às víti­mas a respon­s­abil­i­dade pela vio­lên­cia sofrida, ora por dizer que deter­mi­nada roupa seria “provoca­tiva”; ora, por dizer que a mul­her não “resi­s­tira”, o impli­caria no “con­sen­ti­mento”; ora, por dizer que a mul­her con­sen­tira só se arrepen­dendo pos­te­ri­or­mente para ale­gar o suposto estupro para “tirar” do suposto vio­lador algum tipo de van­tagem.

Claro que não podemos deixar de aten­tar – ou fin­gir descon­hecer –, que não pou­cas vezes acon­te­cem exageros e não raro uma “can­tada” mal feita – ou mesmo as bem feitas –, é con­fun­dida com assé­dio sex­ual ou moral.

Não raro, tam­bém, são as vezes em muitas mul­heres usam um instru­mento legí­timo de pro­teção con­tra a vio­lên­cia domés­tica como forma de vin­gança ou perseguição con­tra seus ex-​companheiros, ex-​maridos ou ex-​namorados.

Emb­ora a regra seja de vio­lên­cia con­tra a mul­her – e os números com­pro­vam isso –, exis­tem estas detur­pações.

Daí a neces­si­dade de se exam­i­nar os casos que são pos­tos com cautela, sem paixões e pre­con­ceitos ou, como dizia um antigo mestre, “cum grano salis”.

O chamado “caso Mar­i­ana Fer­rer” reabre tais feri­das.

Pelas as infor­mações que cir­cu­lam “extra autos”, já que o caso, como dito ante­ri­or­mente, corre em seg­redo de justiça, a vítima teria sido “dopada” com o alu­cinógeno con­hecido pelo nome “boa noite Cin­derela”, lev­ada a um dos camarins e abu­sada sex­ual­mente por um cidadão; ato con­tínuo ela teria procu­rado a del­e­ga­cia e feito o exame de corpo e delito que atestou a con­junção car­nal e o DNA do acu­sado nas suas roupas ínti­mas e den­tro da moça, que seria virgem.

Através de rep­re­sen­tação da vítima o Min­istério Público denun­ciou o suposto predador sex­ual pelo “Art. 217-​A. Ter con­junção car­nal ou praticar outro ato libidi­noso com menor de 14 (catorze) anos: … § 1º Incorre na mesma pena quem prat­ica as ações descritas no caput com alguém que, por enfer­mi­dade ou defi­ciên­cia men­tal, não tem o necessário dis­cern­i­mento para a prática do ato, ou que, por qual­quer outra causa, não pode ofer­e­cer resistên­cia”.

O fato da vítima suposta­mente encontrar-​se “dopada” enquadraria na última parte do pará­grafo primeiro.

A sen­tença que absolveu o suposto autor do fato – com o pare­cer favorável do Min­istério Público –, tem como ponto essen­cial saber se o ato sex­ual foi con­sen­tido ou não ou se a suposta vítima teria condições de con­sen­tir o mesmo.

Afirma o mag­istrado: “assim, diante da ausên­cia de ele­men­tos pro­batórios capazes de esta­b­ele­cer o juízo de certeza, mor­mente no tocante à ausên­cia de dis­cern­i­mento para a prática do ato ou da impos­si­bil­i­dade de ofer­e­cer resistên­cia, indis­pen­sáveis para sus­ten­tar uma con­de­nação, decido a favor do acu­sado … com fun­da­mento no princí­pio do in dubio pro reo”.

O princí­pio do in dubio pro reo é uma garan­tia sec­u­lar do dire­ito brasileiro e destina-​se a pro­te­ger os cidadãos.

O Estado/​juiz recon­hecendo inex­i­s­tir certeza quanto a con­duta do agente lhe con­cede o bene­fí­cio da dúvida. Ou seja, na dúvida antes um cul­pado solto a um inocente preso.

Logo, poder-​se-​ia inter­pre­tar a sen­tença abso­lutória do mag­istrado como um legí­timo exer­cí­cio do dever de cautela.

Entre­tanto, tam­bém é sabido que um processo, con­forme a sua con­dução, a forma como é instruído e até mesmo as per­gun­tas que são feitas para as teste­munhas e partes, pode levar à certeza ou a dúvida.

O ponto da sen­tença que o juiz ao reg­is­trar dúvida e por conta disso absolver o réu, levou ao alvoroço de se criar nos meios de comu­ni­cação a figura do “estupro cul­poso” – inex­is­tente no dire­ito brasileiro –, que, foi, e tem sido, explo­rado à exaustão.

A isso, somou-​se, ainda, a divul­gação de tre­chos da audiên­cia de instrução crim­i­nal na qual desnudou-​se para a sociedade os exces­sos prat­i­ca­dos pela defesa do réu em “vilanizar” a vítima diante do silên­cio obse­quioso e omis­sivo do mag­istrado e do rep­re­sen­tante do Min­istério Público e do próprio advo­gado da vítima – que, deduzo, esteve pre­sente a audiên­cia vir­tual.

Ainda que se diga tratar-​se de tre­chos ou que as falas estão fora do con­texto, não acred­ito que isso venha mudar o fato de que trataram a vítima como se a mesma estivesse diante de um tri­bunal de inquisição da Idade Média, de nada lhe val­endo os pedi­dos para que fosse tratada com respeito e/​ou o choro.

Para aumen­tar a des­graça do acon­te­cido, como a divul­gação da audiên­cia deu-​se através de um site lig­ado à esquerda brasileira e mundial, logo apare­ce­ram os ideól­o­gos da dire­ita e esquerda, a favor e con­tra a vítima.

O Brasil tornou-​se a primeira nação do mundo a inau­gu­rar o con­ceito de “estupro ide­ológico”, com a esquerda defend­endo que ocor­rera um estupro e a dire­ita afir­mando que não, ou, caso tenha havido, a culpa teria sido da vítima.

Com o país reg­is­trando um estupro a cada oito min­u­tos parece-​me sur­real o tema vire pauta de debates ide­ológi­cos. Além da gravi­dade do tema o que choca é levem o debate para o palco da política e da ide­olo­gia.

Con­fesso que não sei onde o país vai parar com tamanha rad­i­cal­iza­ção política, a ponto de se poli­ti­zar um episó­dio de suposto estupro, quando o mesmo dev­e­ria ficar restrito às esferas poli­ci­ais e judi­ciárias, com apu­ração rig­orosa e punição exem­plar para o cul­pado, quando com­pro­vada a culpa.

Mas não, por aqui, nem o estupro, quer dizer, a luta con­tra o estupro – e todas as for­mas de vio­lên­cia con­tra a mul­her os as mino­rias –, é capaz de unir o país.

Abdon Mar­inho é advogado.