A distância entre as boas intenções e a realidade.
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- Criado: Domingo, 04 Abril 2021 13:51
- Escrito por Abdon Marinho
A DISTÂNCIA ENTRE AS BOAS INTENÇÕES E A REALIDADE.
Por Abdon Marinho.
CONFIRMANDO o que disse aqui há alguns dias (acho que duas semanas), o Tribunal de Contas do Estado — TCE/MA, atendendo a uma “provocação” da Rede de Controle, uma espécie de “força tarefa” composta pelo próprio Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual e Ordem dos Advogados, abriu uma consulta pública a respeito de uma instrução normativa visando obrigar os órgãos sob sua jurisdição a contratar somente através de pregão eletrônico.
A consulta pública, parece-me que vai até o próximo dia 6 de abril, e, pelo que vi, em alguma rede social o MPMA encontra-se em plena “campanha” a favor da mencionada instrução normativa.
Conforme assentei no texto anterior, não duvido que os autores da ideia, estejam “calçados” nas melhores das intenções, entretanto, a mencionada proposição choca-se literalmente com as normas legais e padece de vício de iniciativa.
Isso quer dizer, primeiro, que uma instrução normativa não pode se sobrepor a lei, inclusive a nova Lei de Licitações sancionada na semana passada; e ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, é o que ensina o inciso II, do artigo 5º, da Constituição Federal.
Segundo, não cabe o TCEMA “legislar” sobre tal matéria.
Aliás, diferente do que vem fazendo ao longo dos anos, não lhe cabe “legislar” sobre assunto nenhum, ainda que use o argumento de que apenas está regulamentando matéria de sua esfera de competência.
Acredito que a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Maranhão — OAB/MA, assim como outros interessados, irão se manifestar contrários à Instrução Normativa do TCEMA e, caso aprovada, irão “bater” às portas do Poder Judiciário arguindo sua inconstitucionalidade e/ou legalidade.
Essa é a minha opinião, caso me consultem.
O objetivo desse texto, entretanto, como o foi o anterior é chamar a atenção da sociedade para o quanto os órgãos de controle, que por sua constituição, são formados pela “elite” da sociedade, estão “desconectados” da realidade do país e do nosso estado, em particular.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE divulgou recentemente os dados da população em situação de pobreza, entendidos assim, aquelas que possuem renda per capita mensal de até R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais). Dos estados do norte/nordeste o melhor situado é o Estado do Tocantins, com 32% (trinta e dois por cento) da população em condição de pobreza.
A taxa nacional de pessoas em condições de pobreza é de 26,5% (vinte e seis e meio por cento) da população.
Não é só. O Maranhão, dos 26 estados do Brasil e o Distrito Federal, é o que apresenta a pior situação, com 54% (cinquenta e quatro por cento) da população em situação de pobreza. Apenas para registro, o Piauí, que é o estado que mais se aproxima do Maranhão neste quesito, encontra-se nove pontos percentuais abaixo do nosso estado, com 45% (quarenta e cinco por cento) da população em condições de pobreza.
A pobreza do Maranhão é tão tristemente avassaladora que exige um texto específico para tratar de tal assunto.
Merece relevo informar que os dados divulgados pelo IBGE se referem à situação no ano de 2019, ou seja, são anteriores a essa terrível pandemia, ao esfacelamento da economia mundial, e da brasileira, em particular; ao aumento crescente da inflação; e a revelação do profundo desgoverno que estamos vivendo.
Isso para dizer que ao final de tudo, conforme já estamos testemunhando na prática, o empobrecimento da população brasileira e, principalmente, a população do Maranhão, que já era, em 2019, a mais pobre, será ainda maior.
Há doze anos que escrevo, há doze anos que digo que só sairemos desta situação de pobreza com aporte de recursos (muitos recursos) externos.
A economia do Maranhão, assim como outras, do norte/nordeste não serão capazes, por si, de debelarem as profundas desigualdades sociais existentes nestes estados.
O caso do Maranhão é a prova cabal do que venho dizendo estes anos todos.
O Maranhão vem empobrecendo cada vez mais e estará indizivelmente mais pobre ao término desta pandemia.
Sabedor das dificuldades do estado desde bem antes desta pandemia, saudei com muito entusiasmo a ideia do Zona de Exportação do Maranhão; a possibilidade do uso comercial da Centro de Lançamento de Alcântara; a ampliação do Porto do Itaqui; a conclusão da ferrovia norte-sul, etc.
São estes investimentos e tantos outros que poderão impulsionar o desenvolvimento do estado e minorar as condições de pobreza do nosso povo.
O Estado/nação deve ser o principal indutor do desenvolvimento do país. E quando falo “país”, estou falando, dos estados e principalmente, dos municípios.
Desde quando comecei a advogar para os municípios do Maranhão, há mais de vinte anos, que afirmo que o Estado, entenda-se por Estado, o conjunto de estados e municípios, não existe para “dá lucro”, o seu objetivo é a promoção do desenvolvimento; a redução das desigualdades sociais.
E isso, nada mais é do que estabelece a Constituição Federal, ao afirmar:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I — construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II — garantir o desenvolvimento nacional;
III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ora, como vamos erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais se a invés de buscarmos mais recursos e investimentos para os paupérrimos municípios maranhenses, estamos é, ao contrário, incentivando que os poucos recursos públicos que aqui chegam, ao invés de gerar emprego e renda para os maranhenses, gerem noutros estados, sobretudo, nos mais desenvolvidos?
Dizia Rui Barbosa que uma das formas de se perpetuar as desigualdades era tratar de modo igual os desiguais.
Com todo respeito ao TCE, a Rede Controle, ao Ministério Público, e tantos outros que “inventaram” essa ideia de obrigarem os municípios maranhenses a só contratarem mediante a modalidade de pregão eletrônico aberto nacionalmente, estão buscando tratamento igual aos desiguais.
Como as empresas dos municípios do Maranhão terão condições de competir, em condições de igualdade, com empresas do sul do país, se a grande maioria dos municípios não tem nem internet que preste? Se as empresas não estão preparadas para utilização destas tecnologias? Se o atraso social, educacional e econômico é abissal?
Vou além, ainda a existência de lei neste sentido, favorece ao descumprimento do que sejam os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
E dirão, mais sem o pregão eletrônico os gestores “vão roubar” os recursos públicos.
É bem possível. Como já dizia famoso criminalista “o crime persegue o homem como a sua própria sombra”.
Para evitar que os gestores desonestos roubem o dinheiro público “marquem colado”, fiscalizem.
O que não acho certo é que em nome da comodidade, do menor trabalho, criem condições de perpetuação da pobreza.
Repito o que venho dizendo há anos: precisamos de leis que obriguem os gestores a gastarem os recursos públicos dentro dos seus municípios, dentro das suas regiões, quando muito, dentro dos estados.
Estes recursos públicos são essenciais para o desenvolvimento dos municípios, para geração de empregos e renda e devem ficar nos municípios e no estado.
Essa é a forma de retirarmos o Maranhão da vexatória situação de pobreza em que se encontra sua população.
Agora mesmo, por conta da pandemia, o presidente norte-americano Joe Biden, negocia um pacote financeiro (só um pacote) no valor de US$ 2,25 trilhões de dólares para incentivar a economia americana.
Apenas para se ter uma ideia, esse pacote é mais de duas vezes o valor de todo o orçamento do Brasil para o ano de 2021.
São recursos que serão utilizados em obras públicas, incentivos e diversas outras políticas tendentes a fazerem a roda da economia girar e gerar empregos e renda para os americanos.
Como disse anteriormente, esse é o papel do Estado: ser indutor do desenvolvimento.
Em situações de crises, os governos têm a obrigação de buscar alternativas para minorar o sofrimento dos cidadãos.
O mundo enfrenta a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial, as expectativas mais otimistas, apontam que os efeitos do que estamos vivendo hoje, durem anos.
Se para as nações ricas já será trabalhoso superar tal crise, imaginemos como será difícil para os países pobres. Basta dizer na última década o Brasil já desceu seis posições no ranking das economias globais, da sexta para décima segunda posição. A tendência é que ainda caia mais com a desvalorização da moeda, a volta da inflação e as dificuldades com a crise sanitária que as autoridades “batem cabeça” para resolver.
Os efeitos de tudo isso para o Maranhão, que já possui a maior população em condições de pobreza, serão extremamente graves.
Daí a necessidade das autoridades locais se “conectarem” à realidade e buscarem recursos para o estado ao invés quererem inventar “moda”, como já dizia meu saudoso pai com a sabedoria dos analfabetos.
Abdon Marinho é advogado.