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O petismo é o pasto que ali­menta o bolsonarismo.

Escrito por Abdon Mar­inho

O PETISMO É O PASTO QUE ALI­MENTA O BOL­SONAR­ISMO.

Por Abdon Marinho.

BUSQUEI out­ros temas para o nosso texto hoje – de prefer­ên­cia que pas­sasse longe da nossa tóx­ica pauta política –, entre­tanto, a sem­ana política no Brasil acabou por se impor sobre todas as out­ras.

Exceto para os tan­sos, o Brasil viveu/​vive uma sem­ana histórica para o seu futuro político e que pode ser deter­mi­nante para as futuras engen­harias políti­cas e as eleições de 2022.

A sem­ana histórica teve iní­cio no domingo, 17, com a aprovação pela Anvisa, das vaci­nas do con­sór­cio Butantan/​Sinovac e do con­sór­cio Oxford/​AstraZeneca/​Fiocruz, e ter­mina com dezenas de man­i­fes­tações, sobre­tudo, car­reatas con­tra o gov­erno em diver­sas cap­i­tais do país.

No episó­dio da vacina tudo que o gov­erno fed­eral se propôs a fazer con­tra si saiu, mel­hor do que a encomenda.

Nega­cionista desde o iní­cio da pan­demia, não acred­i­tou que ela fosse cei­far tan­tas vidas; com os mor­tos se acu­mu­lando min­i­mi­zou ou “con­solou” os famil­iares e víti­mas: — todos vão mor­rer um dia; enquanto o mundo inteiro apos­tava e inves­tia no desen­volvi­mento de vaci­nas e se prepar­ava para quando ela estivesse pronta, o gov­erno brasileiro apos­tou em ape­nas uma: a da parce­ria Oxford/​AstraZeneca/​Fiocruz.

Foi além e fez pior. Como se uma vacina fosse a causa e não a solução, “danou-​se” a falar mal da vacina do con­sór­cio Butantan/​Sinovac, de “que­bra”, o próprio pres­i­dente, seus famil­iares e seu gov­erno, pas­sou a fusti­gar a China, que, diga-​se de pas­sagem, é o prin­ci­pal par­ceiro com­er­cial do Brasil e de onde vem a grande maio­ria dos insumos para se pro­duzir vaci­nas e… quase tudo.

Como a vacina do con­sór­cio Butantan/​Sinovac estava sendo “ban­cada” pelo gov­erno de São Paulo, dirigido por seu prin­ci­pal adver­sário político, além de torcer pelo seu insucesso, vibrar diante de qual­quer inter­cor­rên­cia, além de falar mal, de manhã, de tarde e de noite, lá atrás, aten­dendo – ou respon­dendo –, a um “con­sel­heiro” de uma de suas redes soci­ais, de ape­nas 17 anos, proibiu e desautor­i­zou o seu min­istro da saúde – que um dia antes anun­ciara, em reunião com todos os gov­er­nadores do país, a intenção de adquirir a dita vacina –, de efe­t­uar o negó­cio.

O Brasil tem dessas coisas que só viven­ciando para se acred­i­tar, essa foi uma delas: um gen­eral de exército de qua­tro estre­las foi desautor­izado pela inter­venção de um fedelho de 17 anos.

O pres­i­dente disse tex­tual­mente que o pres­i­dente era ele e que não iriam com­prar a p* da vacina chi­nesa do gov­er­nador das calças aper­tadas. Ele que procurasse outro.

O gen­eral, na defesa de sua honra, diante do escu­la­cho, saiu-​se com essa: “é sim­ples, um manda, outro obe­dece”.

Enquanto o tempo pas­sava o gov­erno de São Paulo ia recebendo as doses da vacina do seu con­sór­cio e pro­duzindo out­ras tan­tas, ficando só na dependên­cia da autor­iza­ção da Anvisa para ini­ciar a vaci­nação.

Com a faca e o queijo na mão, digo a vacina, o gov­er­nador de São Paulo mar­cou uma data para ini­ciar a vaci­nação de seus cidadãos: 25 de janeiro, ele­vando a pressão sobre o gov­erno fed­eral, que não tinha/​tem plano, nem vacina.

Somente quando encur­ral­ado pela real­i­dade: mais de cinquenta países já tendo ini­ci­ado a imu­niza­ção de seus cidadãos e o Brasil sem nem pre­visão, foi que o gov­erno cor­reu para ten­tar des­dizer tudo que havia dito e feito.

A “vachina” chi­nesa do Dória, com 50% por cento de eficá­cia e que pode­ria fazer as pes­soas que a tomassem virar “jacaré” pas­saria a ser a vacina do Brasil e Min­istério da Saúde que­ria todo o estoque imediatamente.

Registre-​se que o gov­erno fed­eral ainda ten­tou uma “Oper­ação Taba­jara” para bus­car dois mil­hões de doses de vaci­nas do con­sór­cio Oxford/​AstraZeneca, que vamos com­bi­nar é uma “amostra grátis”, com­parado a nossa neces­si­dade, para ini­ciar a vaci­nação dos cidadãos por ela, com pres­i­dente levando os louros.

Não deu certo. Só essa sem­ana os dois mil­hões de doses chegaram da Índia. Pior, a Fiocruz anun­ciou que ter­e­mos pro­dução de vaci­nas desta parce­ria no Brasil, lá por março.

O certo é que no dia 17/​01, pouco depois da Anvisa lib­erar o uso das duas vaci­nas, o gov­er­nador de São Paulo, tirava sua “casquinha política” ao ini­ciar a vaci­nação dos cidadãos do seu estado con­tra a COVID.

Se o pres­i­dente não estava lendo gibi ou tro­cando impressões sobre a macro­econo­mia global com seus coleguin­has de 17 anos das suas redes soci­ais, assis­tiu a tudo pela tele­visão. Assis­tiu, inclu­sive, seu min­istro da saúde men­tir em rede nacional ao dizer que as vaci­nas foram custeadas com recur­sos do SUS para ser des­men­tido na mesma hora pelo gov­er­nador de São Paulo que, tam­bém, con­ce­dia uma entre­vista cole­tiva.

Na mesma sem­ana o gov­erno fed­eral teve que assi­s­tir, para suprema ver­gonha, a ditadura venezue­lana, que está matando seus cidadãos de fome, enviar cam­in­hões com supri­men­tos de oxigênio para socor­rer a pop­u­lação do Ama­zonas que estava – e ainda está –, per­dendo vidas por falta de oxigênio.

Pois é, uma ditadura ver­gonhosa e mis­erável teve que socor­rer nos­sos cidadãos porque o gov­erno brasileiro que dias antes fora avisado do prob­lema “não ligou” ou não se mostrou capaz de resolver. Par­tiu foi para a ter­ce­i­riza­ção da respon­s­abil­i­dade. Ah, o cul­pado é o gov­er­nador; ah, o cul­pado é o prefeito; ah, o cul­pado é o dire­tor do hos­pi­tal; ah, o cul­pado é a vítima – afi­nal, quem man­dou pre­cisar de oxigênio.

Na ver­dade só quem não tem culpa é vítima. Todos demais têm culpa e respon­s­abil­i­dades, inclu­sive, o gov­erno fed­eral.

O nosso sis­tema de saúde, uma das mel­hores coisas implan­tadas pela Carta de 1988 e dis­ci­plinado pela Lei 8080, é único e hier­ar­quizado, com cada esfera de poder assu­mindo suas respon­s­abil­i­dades.

Ainda que o Min­istério da Saúde, que na esfera fed­eral é quem coman­dava sis­tema todo, não tivesse “nada” com o prob­lema de escassez de oxigênio, ele tinha a obri­gação de ado­tar as medi­das cabíveis para que isso não ocor­resse.

E ele, o Min­istério, foi avisado com ante­cedên­cia do prob­lema.

E por diver­sas fontes.

A respon­s­abil­i­dade parece tão patente que até o procurador-​geral da República, que tem uma preguiça mór­bida para “procu­rar” algo que envolva o gov­erno fed­eral, pediu ao Supremo que abrisse um inquérito para inves­ti­gar e apu­rar as cir­cun­stân­cias do mor­ticínio ocor­rido em Man­aus, Amazonas.

O gov­erno do sen­hor Bol­sonaro vive um mau momento, tanto que ele já cor­reu para des­dizer diver­sas coisas que disse ao longo dos últi­mos anos e parte para fazer mais con­cessões ao grupo que lhe dá sus­ten­tação no Con­gresso Nacional, o famoso “cen­trão” – pois já são insis­tentes os pedi­dos de impeach­ment, o que impli­caria, com ou sem êxito, no fim do gov­erno –, enquanto acena para as Forças Armadas, ten­tando seduzi-​las para um golpe.

No dia seguinte ao iní­cio da vaci­nação, enquanto todo mundo estava falando disso, do nada, saiu com a declar­ação torta de que só existe democ­ra­cia porque as Forças Armadas querem, mais para frente, almoço no clube mil­i­tar.

Toda vez que o gov­erno é con­frontado com a real­i­dade, o pres­i­dente corre para trás de uma farda. E olha que ele não se cansa de humil­har os mil­itares, que o diga o gen­eral Paz­zuelo.

Como dito ante­ri­or­mente o gov­erno do sen­hor Bol­sonaro se encon­tra em um pés­simo momento. As últi­mas pesquisas já rev­e­lam isso.

A rejeição ao gov­erno já é bem supe­rior a aprovação e existe uma tendên­cia de piora com o fim do auxílio emer­gen­cial e o aumento da pobreza decor­rente disso.

Com isso, o pro­jeto de reeleição “subiu no tel­hado”.

Emb­ora propague – de forma cal­cu­lada –, que foi eleito no primeiro turno, o sen­hor Bol­sonaro é sabedor que a sua eleição, mas do que qual­quer outra coisa, foi um rechaço ao petismo.

Muitos eleitores não foram votar em Bol­sonaro, foram votar con­tra o PT, que desde 2005 sabe dos seus desac­er­tos e até hoje não fez uma autocrítica ou pediu des­cul­pas ao povo brasileiro.

Na próx­ima eleição, Bol­sonaro será o PT. As pes­soas irão às urnas, sem olhar para o outro lado, porque querem derrotá-​lo.

O pres­i­dente Bol­sonaro e os poucos no seu entorno que pen­sam, sabem disso. Ele próprio sabe disso, tanto assim que essa sem­ana histórica, enquanto via sua aceitação ruir, numa de suas falas, disse esperar que o seu suces­sor não seja uma volta ao pas­sado.

Aliás, toda vez que alguém crit­ica o gov­erno ou o próprio Bol­sonaro diante de um bol­sonar­ista, não se ouve uma defesa do gov­erno ou do pres­i­dente. O que se ouve em ambas as defe­sas é: — e o PT? E o Lula? Ou, o supremo sar­casmo: — bom mesmo era com o PT.

Na ver­dade, tudo que ele e os bol­sonar­is­tas querem é uma nova dis­puta com um can­didato petista, para tentarem gal­va­nizar todo o sen­ti­mento anti­cor­rupção que pavi­men­tou sua vitória em 2018 – muito emb­ora seja ele, hoje, o “fiador” de todos os cor­rup­tos que se far­taram nos gov­er­nos petis­tas.

Sabem muito bem que a via­bi­liza­ção de alguém com­pet­i­tivo fora do espec­tro petista – e seus satélites –, pelas razões já ditas, não será tão fácil de ser derrotado.

Noutra palavras, como assen­tei no título, o petismo é o pasto que ali­menta o bolsonarismo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Uma vacina para o caráter.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA VACINA PARA O CARÁTER.

Por Abdon Mar­inho.

CON­TRAI a poliomielite nos meus primeiros anos de vida no iní­cio dos anos setenta, final dos sessenta, quando a molés­tia começava a se expandir pelo país. Desde então, por mais de cinquenta anos ela tem sido a minha mais cruel e fiel com­pan­heira.

O Brasil reg­istrou 26 mil casos de poliomielite de 1968 a 1989 – sou um na estatís­tica –, tendo errad­i­cado a doença medi­ante cam­pan­has sis­temáti­cas e efi­cazes de vaci­nação em massa de cri­anças, não reg­is­trando mais casos há trinta anos.

Não era assim no final dos anos sessenta e iní­cio dos setenta.

No inte­rior, iso­la­dos e sem con­hec­i­mento, meus pais sequer sabiam o que era a minha doença, ten­tado fazer mel­ho­rar com remé­dios caseiros. Somente quando perce­beram que nada fazia efeito foi que, em penosa viagem, levaram-​me à Teresina, em uma viagem, parte em lombo de burro, parte em “pau de arara”.

O Maran­hão não pos­suía estradas que prestassem e a viagem do povoado onde morá­va­mos, no inte­rior do Municí­pio de Gov­er­nador Archer à Teresina, no Piauí, demor­ava uma eternidade, ainda mais no trans­porte da época.

Ape­nas lá sou­beram o diag­nós­tico da doença e que a par­al­isia das per­nas era irre­ver­sível. Tive que apren­der, nova­mente, a andar e a con­viver com as lim­i­tações impostas pela poliomielite e suas sequelas.

Pas­sa­dos mais de cinquenta anos não con­segui enten­der como o vírus da pólio me achou tão longe. Mas, o certo é que achou.

Emb­ora a poliomielite tenha atingido min­has duas per­nas, com mais inten­si­dade, na dire­ita. Isso não me impediu de levar uma vida prati­ca­mente nor­mal, estu­dar, me for­mar, exercer minha profis­são. De uns tem­pos para cá tenho sen­tido um enfraque­c­i­mento nas per­nas e um aumento sig­ni­fica­tivo na difi­cul­dade para me loco­mover, mas faz parte e vamos enfrentar mais essa batalha.

Ape­sar de haver “ven­cido”, e coloco entre mil aspas o “ven­cido”, as difi­cul­dades impostas pela par­al­isia infan­til, o nome pop­u­lar da poliomielite, decerto que prefe­ria que ela não tivesse me “achado”.

Acho muito bonito e moti­vador os exem­p­los de super­ação de quem con­vive com as seque­las da poliomielite e de tan­tas out­ras molés­tias – muitas até mais debil­i­tantes que a minha –, mas, cada um sabe das suas dores e o quanto lhes custa con­viver com elas.

Acred­ito que ninguém escol­he­ria isso se tivesse a opção de escolha.

Tenho plena con­sciên­cia que os meus pais não tiveram qual­quer respon­s­abil­i­dade pelo que acon­te­ceu comigo – moravam iso­la­dos no inte­rior, sem con­hec­i­mento, infor­mação e anal­fa­betos por parte da pai, mãe e parteira –, assim como tenho plena con­vicção de que o Estado brasileiro fal­hou comigo. Comigo e com out­ros 26 mil brasileiros que foram acometi­dos pela poliomielite.

Uma cam­panha de vaci­nação em massa, um tra­balho efi­ciente teria evi­tado que eu e tan­tos out­ros brasileiros tivésse­mos que con­viver com os efeitos da poliomielite pelo resto de nos­sas vidas, muitas das vezes sentindo o agrava­mento do nosso quadro com o pas­sar dos anos.

Uma vacina, uma got­inha de vacina teria evi­tado tudo isso.

Pois bem, não faço essa breve digressão moti­va­dos por qual­quer sen­ti­mento de auto­comis­er­ação, longe disso, sou duro, como as árvores retor­ci­das do sertão.

A digressão que faço é ape­nas para externar o meu sen­ti­mento de pro­funda revolta con­tra deter­mi­nadas autori­dades – seus ali­a­dos e adu­ladores –, que teimam, insis­tem, de forma despu­do­rada, em plena pan­demia, de não levarem a sério uma molés­tia que já tirou mil­hões de vidas em um espaço de um ano e, pior que teimam em faz­erem cam­panha con­tra a vaci­nação dos brasileiros con­tra a covid e/​ou tratarem uma questão de saúde pública gravís­sima através de um prisma ou viés ide­ológico.

Que tipo de humano é capaz de ser con­tra uma vacina ou ser con­tra a vaci­nação dos cidadãos diante de uma pan­demia? Ou de qual­quer outra doença?

O desre­speito de diver­sas autori­dades pela vida dos brasileiros neste momento de tamanha aflição para aque­les que estão esperando algum con­forto ante a iminên­cia de serem a próx­ima vítima ou aque­les que pran­teiam seus mor­tos é algo de fazer inveja aos mel­hores roter­is­tas de filmes de terror.

O mundo ultra­pas­sou a triste marca de dois mil­hões de mortes por esta pan­demia, deste total, mais de 200 mil só no Brasil; ou seja, o Brasil, com menos de qua­tro por cento da pop­u­lação do plan­eta responde por dez por cento dos óbitos da pan­demia, só per­dendo em números abso­lu­tos de víti­mas para os Esta­dos Unidos, que ultra­pas­sou as 400 mil vidas per­di­das.

Enquanto assis­ti­mos o mundo inteiro se unir para vaci­nar seus cidadãos – a começar pelos mais vul­neráveis, e já são mais de trinta mil­hões vaci­na­dos –, no Brasil, assis­ti­mos, repito, uma guerra política sem prece­dentes, como se a vida das pes­soas nada mais fosse que um número nas estatís­ti­cas dos seus cál­cu­los eleitorais.

Assis­ti­mos autori­dades, seus ali­a­dos, seguidores e adu­ladores a faz­erem cam­pan­has, desmere­cer ou “torcerem” con­tra uma vacina por ter sido “patroci­nada” por um adver­sário político.

Chega a ser patético o com­por­ta­mento do gov­erno fed­eral em relação à vacina fruto da parce­ria entre o Insti­tuto Butan­tan e a empresa chi­nesa Sino­vac.

Tão patético – e grave –, que o pres­i­dente da República chegou ao júbilo, lá atrás, quando um cidadão que se vol­un­tar­iou para testes e, depois veio a óbito de outra causa sem relação com a vacina; ou quando ironi­zou o grau de eficá­cia da vacina, em torno de cinquenta por cento.

Acon­tece que foi essa a vacina que nos restou – até o momento.

Em grande parte por culpa do gov­erno fed­eral, que não foi atrás de parce­rias com out­ras empre­sas e gov­erno, com exceção da vacina de Oxford/​Fundação Osvaldo Cruz, tam­bém, em fase de aprovação pela Anvisa, mas sem pro­dução, no país, sufi­ciente para ini­ciar a vaci­nação dos brasileiros.

A falta de com­preen­são do prob­lema e da urgên­cia da solução, faz o pres­i­dente dizer coisas do tipo: “os lab­o­ratórios que nos pro­curem, caso queiram vender para o nosso vasto mer­cado con­sum­i­dor”.

Caso a Anvisa aprove a vacina da parce­ria Butantan/​Sinovac – e tudo indica que vai aprovar e que a vacina é segura –, será com ela que con­tare­mos para não ficar­mos tão atrás na cor­rida pela imu­niza­ção, tendo em vista que mais de cinquenta países já ini­cia­ram a vaci­nação enquanto por aqui ainda não sabe­mos o dia D e a hora H.

O grau de inter­esse político é tamanho em torno disso que o gov­erno brasileiro “mendiga” – sem sucesso –, umas doses de vacina junto ao gov­erno indi­ano para não ter que começar a vaci­nação com a satanizada “vachina” chi­nesa, como a chamam, na intenção de desmerecê-​la.

Isso tudo acon­te­cendo enquanto uma segunda onda do vírus aumenta a inten­si­dade de con­tá­gio e o número de víti­mas.

As cenas de Man­aus, no Ama­zonas, que cor­reram o mundo, sem­ana pas­sada, não pode­riam ser mais emblemáti­cas: no coração da flo­resta amazônica, con­sid­er­ada o pul­mão do mundo, as pes­soas mor­rendo em casa e nos hos­pi­tais por falta de oxigênio.

Uma ver­gonha triste e lamen­tável.

Mais triste e lamen­tável ainda é ver­mos a “guerra” que as mais ele­vadas autori­dades da República travam em torno de uma vacina que poderá min­i­mizar tanta dor e sofri­mento.

Este, ainda, não é o momento, mas algum dia ter­e­mos que ajus­tar as con­tas com a história.

Os respon­sáveis por toda essa tragé­dia que acomete o Brasil pre­cisam ser respon­s­abi­liza­dos, nas urnas, na justiça, e pagarem por tudo que têm feito – ou que deixaram de fazer.

Não podemos esperar que respon­dam ape­nas per­ante o tri­bunal do Altís­simo.

Os cul­pa­dos – e os omis­sos –, terão que respon­der por tan­tas vidas per­di­das.

Enquanto isso não ocorre, apela-​se as pes­soas de bom senso que não se deixem con­t­a­m­i­nar pelo vírus da ignorân­cia e da falta de caráter, e enten­dam que vaci­nar a pop­u­lação é a única alter­na­tiva cor­reta para vencer­mos mais esse desafio.

Foi com a ciên­cia, tra­bal­hando a favor da humanidade, pro­duzindo medica­men­tos e vaci­nas, que nos fez escapar até aqui, que fez com que mais que dobrásse­mos a expec­ta­tiva de vida e gan­hásse­mos mais qual­i­dade de vida.

Os políti­cos geno­ci­das e igno­rantes nos legaram – e con­tin­uam legando –, as guer­ras, as mortes, a fome e a destru­ição.

Assim, tão logo as agên­cias de con­t­role atestarem que as vaci­nas são seguras e aptas para sal­varem vidas, vamos nos vaci­nar.

Não vamos ouvir ou dá atenção para as teo­rias da con­spir­ação ou dis­cur­sos fru­tos de mesquin­hos inter­esses pes­soais.

Infe­liz­mente, con­tra a ignorân­cia não existe uma vacina efi­caz.

Encerro dizendo que pre­cisamos nos vaci­nar con­tra os maus-​carácteres. Con­tra estes, se políti­cos, a mel­hor vacina é o voto.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

Escrito por Abdon Mar­inho

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

Por Abdon Marinho.

CHAMADO a manifestar-​se sobre os fatos que ocor­riam nos Esta­dos Unidos há uma sem­ana, além de achar jus­ti­fica­tiva para defender seu ídolo, Don­ald Trump – acred­ito que dos países que mere­cem refer­ên­cia, o único a fazê-​lo –, dizendo haver supostas notí­cias fraudes nas eleições pres­i­den­ci­ais amer­i­canas, fato cir­cun­scrito ao próprio der­ro­tado e a um pequeno cír­culo de seguidores devo­tos de teo­rias con­spir­atórias, já rechaçado por todas autori­dades amer­i­canas, incluindo as judi­ciárias, que ates­taram a legit­im­i­dade do processo, o pres­i­dente do Brasil, sen­hor Bol­sonaro, fez uma declar­ação para o público interno de sin­gu­lar gravidade.

Sua excelên­cia disse naquele seu estilo trun­cado próprio de quem não tem muita famil­iari­dade com a lín­gua pátria que por aqui, em 2022, acon­te­cerá coisas bem piores, caso não seja aprovado e colo­cado em prática o voto impresso.

A cada colo­cação fora de hora e de tom do pres­i­dente, apare­cem min­istros, asses­sores e até o vice-​presidente para “traduzir” o que ele disse e/​ou colo­car “panos quentes” ou apon­tar “erros” de inter­pre­tação, geral­mente atribuí­das a imprensa.

Como para essa declar­ação ainda não sur­gi­ram os tradu­tores, deve­mos imag­i­nar que o pres­i­dente, inspi­rado por seu ídolo amer­i­cano, pre­tende fazer o mesmo no Brasil em 2022, caso o resul­tado das eleições não lhe seja favorável: insu­flar uma insur­reição ou golpe.

Deve­mos imag­i­nar isso não ape­nas por suas palavras, mas, sobre­tudo, porque desde o iní­cio do seu mandato, e por quase dois anos, ele e seus ali­a­dos foram os prin­ci­pais incen­ti­vadores de man­i­fes­tações pedindo o fechamento do Con­gresso Nacional, do Supremo Tri­bunal Fed­eral e do retorno de uma ditadura com o pres­i­dente no comando, uma espé­cie de auto golpe.

Além disso, o pres­i­dente e seus ali­a­dos são os prin­ci­pais incen­ti­vadores a uma política de armar a pop­u­lação civil – acred­i­tando que entre seus seguidores mais rad­i­cais estarão os maiores ben­efi­ciários de tais políti­cas –, e, sabe­mos agora, é um grande defen­sor da fed­er­al­iza­ção das polí­cias estad­u­ais, outro segui­mento onde suas ideias são mais apoiadas.

Vejam, pelo menos em tese, não sou con­tra mais um mecan­ismo que for­t­aleça a segu­rança do voto eletrônico; não sou con­tra ao dire­ito do cidadão pos­suir armas para a defesa pes­soal; e não me recuso a dis­cu­tir pro­je­tos de lei que garan­tam autono­mia para as polí­cias.

Noutra, quadra, entre­tanto, quando soma os even­tos prece­dentes, os dis­cur­sos e man­i­fes­tações com estas políti­cas e pro­je­tos, basta saber somar para enten­der que o atual pres­i­dente tra­balha com a per­spec­tiva de con­struir as condições para um golpe na democ­ra­cia, amparado por mil­itares das forças armadas, das polí­cias mil­itares estad­u­ais e por milí­cias civis, uti­lizando como des­culpa a mesma nar­ra­tiva de que o sis­tema eleitoral brasileiro é fraud­u­lento.

Tal qual fez o seu ídolo americano.

Se nos Esta­dos Unidos as insti­tu­ições repub­li­canas sec­u­lares segu­raram o “tranco”, aqui não tenho certeza se ocor­rerá o mesmo, sobre­tudo, por que esta­mos assistindo com inco­mum pas­sivi­dade das autori­dades e da classe política essa “preparação” de golpe.

Desde que foi eleito pres­i­dente o sen­hor Bol­sonaro diz que o sis­tema de votação eletrônico brasileiro é propí­cio a fraudes, emb­ora tenha sido eleito dep­utado fed­eral diver­sas vezes sem nunca recla­mar e nunca tenha apon­tado qual­quer ele­mento capaz de com­pro­var ou apon­tar qual­quer indí­cio de que houve alguma fraude desde a implan­tação da votação eletrônica há mais de 20 anos.

O pres­i­dente da República é o chefe da Polí­cia Fed­eral, da Agên­cia Brasileira de Inteligên­cia — Abin, por que não deter­mina que apurem as suas sus­peitas de que as eleições no Brasil estão sendo frau­dadas esses anos todos? Por que não aproveita que está no comando e pede para tirarem essa sua sus­peita a limpo?

Talvez porque não lhe inter­esse fazer isso.

Acom­panho eleições no Brasil há mais trinta anos, antes e depois do sis­tema eletrônico de votação.

Antes do sis­tema eletrônico a história reg­is­tra infini­tas fraudes. Depois do sis­tema eletrônico não tive­mos mais notí­cias de fraudes.

É certo que a cada eleição sem­pre aparece um ou outro dizendo que seus votos sumi­ram.

Esta última eleição, inclu­sive, está cheia de história deste tipo, sobre­tudo, dev­ido a pul­ver­iza­ção de múlti­plas can­di­dat­uras dev­ido à proibição de col­i­gações par­tidárias nas eleições pro­por­cionais.

De todas as infor­mações de fraudes que recebi, não apare­ceu um único episó­dio de divergên­cia entre o bole­tim de urna e o resul­tado da total­iza­ção.

O sis­tema eleitoral brasileiro é auditável e trans­par­ente. Cada seção eleitoral tem um número X de eleitores; no iní­cio da votação é emi­tido um extrato da urna com­pro­vando ela se encon­tra “zer­ada”, sem qual­quer voto; ao final é emi­tido o bole­tim da urna, infor­mando quan­tos eleitores votaram, quais can­didatos obtiveram votos, quais par­tidos, quan­tos anu­laram os votos e quan­tos votaram em branco.

Antes, durante e depois do pleito os par­tidos e/​ou can­didatos podem fis­calizar o processo, aliás, podem fis­calizar desde a qual­i­fi­cação dos eleitores.

Em mais de vinte anos, nunca ninguém me apre­sen­tou um ele­mento com­pro­batório de que houve alguma fraude.

Mas o sen­hor Bol­sonaro, sem qual­quer prova, diz que há fraude que pro­moverá uma insur­reição caso as urnas de 2022 não lhe sejam favoráveis.

Pois bem, as palavras do pres­i­dente – e mais muitas de suas ati­tudes –, estão no lim­iar, se é que não ultra­pas­saram, do que sejam crimes de respon­s­abil­i­dade, pre­vis­tos no artigo 85 da Con­sti­tu­ição Fed­eral, pois, ao menos em tese, aten­tam con­tra a existên­cia da União e Segu­rança interna do país, incisos I e IV, pois resta claro que pre­tende a sub­l­e­vação de mil­itares e civis, caso o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais não seja o que deseja.

Se alguém acha ques­tionável o enquadra­mento nos crimes de respon­s­abil­i­dade estatuí­dos na Carta repub­li­cana, dúvi­das não restarão de que o com­por­ta­mento, palavras e ati­tudes da autori­dade máx­ima do país vio­lam diver­sos arti­gos da Lei de Crimes con­tra a Segu­rança Nacional, Lei nº 7.170÷1983.

Basta exam­i­nar as palavras, as ati­tudes, as ações para fazer o enquadra­mento.

Infe­liz­mente, o pres­i­dente se blindou con­tra isso ao nomear um Procurador-​Geral da República que lhe é fã e que, além de não procu­rar coisa alguma, teima em não enx­er­gar o que lhe está à vis­tas.

Estran­hamente ninguém parece enx­er­gar o com­por­ta­mento insur­reto do pres­i­dente con­tra a democ­ra­cia brasileira, con­struída a duras penas, ou não se abala com o desserviço que presta à nação em plena pan­demia, que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.

Isso não parece escan­dalizar ninguém ou são cíni­cos demais para perceber.

O que escan­dal­i­zou diver­sos segui­men­tos da sociedade brasileira foi a sug­estão de um jor­nal­ista e repro­duzida por outro, de que o pres­i­dente Bol­sonaro pode­ria imi­tar o ídolo Don­ald Trump caso aquele resolvesse come­ter o ato extremo de tirar a própria vida.

Vi diver­sos protestos e recla­mações de que jamais se pode­ria dar esse tipo de sug­estão para o pres­i­dente da República.

Até parece que alguém dizer ou sug­erir tal coisa iria fazê-​lo acatar a sugestão.

O min­istro da Justiça, por descon­hecer con­ceitos mín­i­mos de dire­ito ou no afã de adu­lar o chefe, infor­mou que deter­mi­nara a Polí­cia Fed­eral que inves­ti­gasse o pos­sível come­ti­mento de crime pre­visto do artigo 122 do Código Penal Brasileiro (Art. 122. Induzir ou insti­gar alguém a suicidar-​se ou a praticar auto­mu­ti­lação ou prestar-​lhe auxílio mate­r­ial para que o faça;).

Emb­ora ache de mau gosto e até con­trário ao sen­ti­mento de piedade cristã esse tipo de colo­cação con­siderando as mil­hares de víti­mas que anual­mente cedem à fraqueza e come­tem o gesto extremo, o assunto não dev­e­ria ser tratado fora de tais limites.

Qual­quer calouro de fac­ul­dade de dire­ito, ainda a mais vagabunda, sabe que os jor­nal­is­tas – o que escreveu e o que repro­duziu o texto –, não podem ser enquadrado neste tipo penal.

Dizer que fulano ou sicrano pode­ria pode­ria seguir o exem­plo de alguém caso essa pes­soa resolvesse come­ter o gesto extremo não tem nada a ver com tipo penal inserto não Código Penal Brasileiro.

Essa “babaquice”, esse afã adu­lador do min­istro só serve para com­pro­var o quanto lhe falta de con­teúdo e con­hec­i­mento para o exer­cí­cio do cargo ou acred­ita que a Polí­cia Fed­eral não tem nada mais impor­tante para fazer.

Quer dizer que se alguém man­dar uma peça de corda para o palá­cio como pre­sente ao pres­i­dente pode­ria ser enquadrado no mesmo artigo por prestar auxílio material?

O mesmo se aplica aos demais adu­ladores que se revoltaram con­tra os jor­nal­is­tas.

Parem de idi­o­tice!

Parem com essa patética adulação?

O pres­i­dente da República jamais come­te­ria o gesto extremo – mesmo que fosse para seguir o Trump.

Em que pese não sen­tir ou demon­strar qual­quer empa­tia pela vida humana – e já cansamos de assi­s­tir a falta de sol­i­dariedade às famílias das mil­hares de víti­mas da tragé­dia da pan­demia, mais de 200 mil –, ele demon­stra muito gostar da “sua” própria vida.

Abdon Mar­inho é advogado.