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Os EUA vivem seu dia de República de bananas.

Escrito por Abdon Mar­inho

OS EUA VIVEM SEU DIA DE REPÚBLICA DE BANANAS.

Por Abdon Marinho.

A NOTÍ­CIA alcançou-​me enquanto me deslo­cava entre um municí­pio e outro do inte­rior do estado: seguidores do pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump acabavam de invadir o Capitólio – sede do leg­isla­tivo daquele país –, que se encon­trava em sessão solene ou pro­to­co­lar para cer­ti­ficar o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais ocor­ri­das em 3 de novem­bro de 2020.

Com a des­culpa de tomar um café e fazer um lanche para seguir viagem paramos no municí­pio seguinte quando pude acom­pan­har com mais calma os acon­tec­i­men­tos. Diver­sos sites de notí­cias trans­mi­tiam ao vivo o que estava acon­te­cendo.

Enquanto seguia viagem, con­forme a inter­net per­mita, acom­pan­hava as infor­mações. À noite, mal chegando ao hotel, já liguei a tele­visão nos diver­sos canais de notí­cias – alter­nando entre um e outro –, e, tam­bém, pela inter­net, segui acom­pan­hando os fatos, as man­i­fes­tações e análises até altas horas da noite.

Sem qual­quer som­bra de dúvida o assunto mais impor­tante da sem­ana – quiçá do mês, do ano, da década –, foi a mal­ograda ten­ta­tiva de golpe sofrida pela democ­ra­cia amer­i­cana, as cenas vex­atórias de par­la­mentares tendo que ser reti­ra­dos às pres­sas por pas­sagens sec­re­tas, servi­dores públi­cos e jor­nal­is­tas escon­di­dos sob mesas e cadeiras e, por fim, o san­grento saldo de cinco mor­tos (qua­tro man­i­fes­tantes e um poli­cial), enver­gonharam e reduzi­ram o sta­tus daquela que por mais de duzen­tos anos foi con­sid­er­ada a maior democ­ra­cia oci­den­tal ao de “república de bananeiras”, igualando-​a a tan­tas out­ras do mesmo con­ti­nente: América Cen­tral, do Sul, Caribe, ou mesmo as nefas­tas e san­grentas ditaduras africanas.

O triste sta­tus de republi­queta de bananas foi lem­brado por um ex-​presidente amer­i­cano, George W. Bush; e por par­la­men­tar do par­tido Repub­li­cano, enquanto se diri­gia apres­sada­mente, no calor da invasão do Capitólio, para um abrigo.

O termo “república de bananas” lem­brado pelos dois políti­cos foi con­sol­i­dado durante os anos 50, 60 e 70 do século pas­sado para des­ig­nar aque­las nações que tin­ham como dos prin­ci­pais ativos econômi­cos a pro­dução de bananas e que a insta­bil­i­dade política as lev­avam a uma série de golpes e con­tragolpes, muitos deles estim­u­la­dos por países viz­in­hos e, prin­ci­pal­mente, pelos Esta­dos Unidos.

Afora a gravi­dade do acon­te­cido, não deixa de ser irônico que os Esta­dos Unidos, respon­sáveis por estim­u­lar tan­tos golpes ao redor do mundo ten­ham enfrentado uma ten­ta­tiva de golpe desmor­al­izante den­tro do seu próprio ter­ritório, na sua cap­i­tal fed­eral, den­tro do seu sím­bolo maior da democ­ra­cia.

Vi algu­mas pes­soas ten­tando com­parar o episó­dio a out­ros episó­dios de protestos ocor­ri­dos nos Esta­dos Unidos, como os acon­te­ci­dos em protestos con­tra a vio­lên­cia poli­cial ou por coques raci­ais e, ainda, a episó­dios noutros países, inclu­sive no Brasil, como a invasão do Con­gresso Nacional por inte­grantes do Movi­mento dos Tra­bal­hadores Sem Ter­ras — MST, lá atrás.

Dis­cordo destas analo­gias e com­para­ções. O episó­dio amer­i­cano foi uma clara ten­ta­tiva de golpe nos moldes das que assis­ti­mos tan­tas vezes em diver­sas democ­ra­cias embri­onárias.

Igno­rar ou min­i­mizar tal fato é descon­hecer a história ou “acoitar” o inde­fen­sável.

Por isso os Esta­dos Unidos e o mundo assi­s­ti­ram per­plexos os acon­tec­i­men­tos do dia 6 de janeiro de 2021, tento, inclu­sive, alguns par­la­mentares amer­i­canos se referido a tal data como mais uma data a ser inscrita na relação de “dia da infâmia”.

Os líderes mundi­ais de todos os países – os que valem a pena referir-​se –, exceto do Brasil, que apressou-​se em achar mérito onde só existe des­onra, con­denaram de forma vee­mente a ten­ta­tiva de golpe patroci­nada pelo ainda pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump – muitos pre­ocu­pa­dos com o que pos­sam ocor­rer em seus próprios países; out­ros para legit­i­mar seus regimes autocráti­cos; e, out­ros ape­nas para ironizar e “tirar sarro” da cara dos amer­i­canos.

O certo é que qual­quer pes­soa que pos­sua um mín­imo de lucidez e não esteja “con­t­a­m­i­nada” pelo ide­ol­o­gismo de ocasião, sabe o grave sig­nifi­cado para as democ­ra­cias oci­den­tais dos fatos ocor­ri­dos nos Estado Unidos.

Uma democ­ra­cia con­sol­i­dada há mais de duzen­tos anos e tida como refer­ên­cia e inspi­ração para diver­sas out­ras nações de repente, e pela ação de uma única pes­soa – o seu pres­i­dente –, teve seu dia de ver­gonha, de ten­ta­tiva de golpe, em resumo, de republi­queta de bananas.

Não que eu acred­ite que a ten­ta­tiva de golpe tivesse qual­quer chance de pros­perar em um país com insti­tu­ições tão sól­i­das, entre­tanto, só o fato de um pres­i­dente amer­i­cano cog­i­tar a pos­si­bil­i­dade e estim­u­lar que seguidores seus ataquem o poder leg­isla­tivo numa ten­ta­tiva der­radeira de “melar” o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais, já é, por si, algo muito grave.

O sis­tema eleitoral amer­i­cano – difer­ente do nosso, em que cada cidadão tem dire­ito a um voto de peso igual –, lá impera o mod­elo do colé­gio eleitoral, onde mesmo um can­didato que perdeu na votação pop­u­lar pode sagrar-​se vence­dor se fizer a maio­ria do cole­giado.

Na eleição ante­rior, em 2016, o atual pres­i­dente, perdeu na votação pop­u­lar por mais de qua­tro mil­hões de votos para a can­di­data democ­rata, Hillary Clin­ton, e sagrou-​se pres­i­dente por ter con­seguido a maio­ria dos votos no cole­giado.

Na última eleição pres­i­den­cial amer­i­cana o atual pres­i­dente, sen­hor Don­ald Trump perdeu por cerca de oito mil­hões de votos e, ape­sar disso, insis­tia em per­manecer pres­i­dente, ale­gando supostas fraudes que ninguém, além dele e do seu cír­culo íntimo, con­seguiu enx­er­gar.

Todas as recon­ta­gens e todas as ten­ta­ti­vas de ques­tionar o resul­tado das eleições foram rechaçadas pelas autori­dades eleitorais e judi­ci­ais daquele país.

Foram quase uma cen­tena de ações ques­tio­nando os resul­ta­dos das urnas em diver­sos esta­dos sem que nen­hum juiz lhe desse um pingo de razão – mesmo aque­les que foram nomea­dos por ele.

Se as recon­ta­gens e as ações judi­ci­ais não apon­taram para fraudes, o mesmo não pode se dizer do com­por­ta­mento do pres­i­dente Trump, fla­grado em dezenas de tele­fone­mas pres­sio­n­ando autori­dades eleitorais do seu próprio par­tido para que “con­seguis­sem” os votos que lhe fal­tavam para con­seguir os del­e­ga­dos no colé­gio eleitoral.

Os fun­dadores do país, chama­dos “pais da pátria” que inven­taram o mod­elo do colé­gio na esper­ança de, com isso, evitarem que líderes pop­ulis­tas alcançassem o poder e destruíssem a democ­ra­cia, cer­ta­mente, estão a revirar-​se nos túmu­los vendo que o mod­elo não é tão seguro quanto pen­saram.

Em 2016, Don­ald Trump, con­forme já dis­se­mos, perdeu por cerca de qua­tro mil­hões de votos e sagrou-​se pres­i­dente dos Esta­dos Unidos, con­trar­iando o pesavam os “pais da pátria”, um pop­ulista que fez da men­tira um método, der­ro­tou o sis­tema amer­i­cano, pois, emb­ora, com menos votos que a opo­nente, focou na estraté­gia do colé­gio eleitoral e con­seguiu a maio­ria dos del­e­ga­dos.

Em 2020, indifer­ente à insat­is­fação da maio­ria da pop­u­lação com dire­ito a voto que impôs uma der­rota por cerca de 8 mil­hões de votos – e tam­bém do colé­gio eleitoral –, ten­tou gan­har “no grito”, com fal­sas acusações de fraudes, com o duplo propósito: de per­manecer no poder e, mais grave, dar um xeque-​mate na democ­ra­cia oci­den­tal.

Em um ano atípico por causa da pan­demia que já cei­fara mil­hares de mortes naquele país, e com o voto sendo fac­ul­ta­tivo, mil­hões de amer­i­canos se dis­puseram a votar, de ambos os lados. Mas a maio­ria deu a vitória aos democ­ratas.

O que isso importa?

Para ególa­tras, como o pres­i­dente amer­i­cano, seus mil­hões de seguidores nos Esta­dos Unidos e ao redor do mundo a democ­ra­cia é a sua per­manên­cia no poder, inde­pen­dente da von­tade da maio­ria da pop­u­lação.

Na “con­strução” desta visão bem par­tic­u­lar de enx­er­gar o mundo for­jam nar­ra­ti­vas de que a von­tade pop­u­lar foi vici­ada pela mídia ou por out­ros fatos ou cir­cun­stân­cias. Tra­bal­ham inces­san­te­mente para “apar­el­har” ou desmere­cer as insti­tu­ições repub­li­canas, pois elas fortes e/​ou inde­pen­dentes são os úni­cos obstácu­los entre estes ilu­mi­na­dos e o poder eterno.

Vimos na ten­ta­tiva de golpe nos Esta­dos Unidos o próprio pres­i­dente der­ro­tado nas urnas con­vo­car, através de suas redes soci­ais, seus aliados/​militantes para se faz­erem pre­sente a Wash­ing­ton D. C., no dia 06 de janeiro de 2021, infor­mando que coisas graves iriam acon­te­cer; pos­te­ri­or­mente, diante do fato do vice-​presidente e pres­i­dente do Senado Amer­i­cano, Mike Pence, recusar-​se a ceder os seus capri­chos e impedir a cer­ti­fi­cação da vitória do seu adver­sário Joe Biden, con­cla­mar, pes­soal e dire­ta­mente, a malta de seguidores a mar­charem para o Capitólio – como fiz­eram os fascis­tas na Itália e os nazis­tas na Ale­manha, na primeira metade do século pas­sado –, numa patética ten­ta­tiva de impedir um ato pro­to­co­lar, mas necessário, para a posse do adver­sário em 20 de janeiro.

Quem pode­ria imag­i­nar que algum dia iríamos teste­munhar coisas deste tipo na maior democ­ra­cia do oci­dente? Talvez os Simp­sons, que, lá atrás, “pre­vi­ram” a improvável vitória de Trump.

Os cidadãos de bem pre­cisamos ficar aler­tas, o episó­dio amer­i­cano é um triste prenún­cio do que out­ros esbir­ros autoritários poderão ten­tar no resto do mundo.

Nos Esta­dos Unidos, emb­ora desmor­al­iza­dos e enver­gonhados, os amer­i­canos e suas insti­tu­ições “segu­rara” a afronta der­radeira, noutros países, em par­tic­u­lar, no Brasil, daqui a dois anos, não sabe­mos como será.

Com a sin­ceri­dade própria dos incon­se­quentes, o pres­i­dente do Brasil já anun­ciou que será bem pior, caso suas von­tades – e capri­chos –, não sejam atendidas.

Pre­cisamos ficar aten­tos, como já nos ensi­nou a história, o preço da liber­dade é a eterna vig­ilân­cia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Uma trégua de Natal

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA TRÉGUA DE NATAL.

Por Abdon Marinho.

UM amigo reclama da ausên­cia dos tex­tões – pois é, tem quem sinta falta. Rsrsrs.

Impus-​me essa parada pouco antes do Natal e que deve ir até o Dia de Reis. Fiz isso, não pela falta de assun­tos para comen­tar, pelo con­trário. Decidi parar jus­ta­mente pelo excesso de assun­tos de uma pauta política que não encon­tra um momento de trégua.

O Brasil, entenda-​se com isso, o con­junto dos cidadãos brasileiros, parece-​me, não saber mais o sig­nifi­cado de Natal, Ano Bom, dia de Reis, tudo é polit­ica, tudo é enfrenta­mento, tudo é guerra ide­ológ­ica.

A pauta política, como se estivesse acima de tudo e de todos, é o que os guia. Não sabem mais o que sig­nifica trégua natalina, essa reta final do ano em que as pes­soas – era assim até bem pouco tempo –, se ded­ica a reflexão sobre o sen­tido da vida, rep­re­sen­tado pela comem­o­ração do nasci­mento do Menino Jesus e a fé em um futuro mel­hor que se chamava de “Ano Bom”.

Sufo­caram o país com os debates extrema­dos e ninguém mais ligou para o sen­tido do Natal e do Ano Bom.

O que inter­essa, a única coisa que pas­sou a inter­es­sar ao país, é o insano debate político.

Cheg­amos ao ponto de, na noite de Natal, o pres­i­dente da República, ao invés de se diri­gir à nação com um dis­curso de con­forto pelo natalí­cio do Deus Homem, ocupou-​se, em sua live sem­anal de fazer pros­elit­ismo sobre suas pau­tas políti­cas, em espe­cial aquela que lhe parece mais cara: armar a pop­u­lação civil ou a for­mação de milí­cias, sob o argu­mento de que “os ban­di­dos já estão armados”.

Em tese, pes­soal­mente, não sou refratário a ideia de que o cidadão tem o dire­ito de adquirir armas para a defesa pes­soal, entre­tanto, não acred­ito que essa deva ser a pauta do país em um momento de tamanha difi­cul­dade para todo mundo por conta de uma pan­demia e com o país chegando próx­imo à estar­rece­dora marca de 200 mil mor­tos pela covid-​19.

Em um país em a pop­u­lação de pes­soas por­ta­do­ras de neces­si­dades espe­ci­ais é de quase dez por cento, parece-​me um escárnio que se fale em armar a pop­u­lação e zerar as tar­i­fas de impor­tações de armas e, ao mesmo tempo man­ter tar­i­fas de impor­tação para pro­du­tos médi­cos e/​ou ortopédi­cos.

Ainda mais, que seja esta a pauta a ser tratada na noite de Natal.

Se já era um excesso o dis­curso arma­men­tista do pres­i­dente da República na noite de Natal ou invés de uma men­sagem de con­forto para uma uma pop­u­lação assom­brada pela mais tragé­dia human­itária deste século, a reação ou con­tra­posição de um gov­er­nador de estado a tal dis­curso, com­para­ndo o man­datário da nação à “besta fera” e que tal fala seria coisa de “satanás”, ape­nas com­prova a que nível chegou a política nacional.

Em uma nação onde mais de noventa por cento da pop­u­lação se diz cristã, para a prin­ci­pal data da cri­stan­dade, o nasci­mento de Jesus Cristo, autori­dades “con­vi­dam” para Ceia de Natal, “milí­cias armadas”, a “besta fera” e “satanás”.

Pois é, para a des­graça da nação, parece-​nos que as “autori­dades” já não pos­suem qualque senso de pro­por­cional­i­dade, de decoro ou mesmo do ridículo.

Será que alguém achou nor­mal que na noite de Natal fos­sem feitos tais dis­cur­sos?

O pior é que a pop­u­lação – ou devo dizer, o gado trav­es­tido de mil­itân­cia –, achou nor­mal e, na véspera de natal, na própria noite de Natal, ao invés de estarem com suas famílias saudando o nasci­mento de Jesus, estavam de lado a lado, reper­cutindo as insanidades de seus líderes.

A insanidade que toma conta da política nacional chegou a esse “estar­rece­dor” ponto.

Por tudo isso – até porque não tocarei bum­bos para malu­cos dançarem –, resolvi esta­b­ele­cer uma “trégua natalina”, que, como dito ante­ri­or­mente, deve durar até o Dia de Reis, data, segundo a tradição cristã, encerra-​se o cír­culo do nasci­mento de Jesus Cristo.

Essa foi a razão para não ter me man­i­fes­tado sobre tan­tos assun­tos que os políti­cos insanos impuseram à pop­u­lação como os mais rel­e­vantes para a sociedade.

Tudo isso, repito, pas­sando por cima de toda a tradição de respeito ao período natal­ino.

Con­fesso que fique ten­tado a manifestar-​me sobre a “pauta maluca”, mas me con­tive para não lhes dar esse “gostinho”, como dizíamos ante­ri­or­mente.

O restante da pop­u­lação dev­e­ria fazer o mesmo. Sim­ples­mente igno­rar as insanidades pro­tag­on­i­zadas pelos líderes da nação pois nen­hum deles têm qual­quer inter­esse no bem-​estar do povo.

Para eles o povo não mere­cem qual­quer respeito e não pas­sam de “massa de manobra” para os seus pro­je­tos de poder.

Essa pauta política que não encon­tra uma trégua nem na noite de Natal trata-​se ape­nas de briga pelo poder, nada além disso. E, pior, ninguém tem inter­esse em con­quis­tar e deter o poder em prol do bem comum, mas, ape­nas dos seus próprios inter­esses.

A guerra política e o inces­sante enfrenta­mento é uma “dis­tração” para man­ter o povo sec­tário de ambos os lados e inca­pazes de enx­er­garem o que ver­dadeira­mente são: líderes de “pés de barro”, incon­sis­tentes ide­o­logi­ca­mente e incom­pen­tentes nos e exer­cí­cios dos mandatos que lhe foram con­fi­a­dos.

Este é um dos motivos para a “guerra política”.

Sem as “dis­trações” as pes­soas terão tempo para examiná-​los e, inclu­sive, perce­ber as fal­has de caráter que pos­suem.

Por isso que não respeitam as tradições do Natal e de ano bom, pois é impor­tante man­ter a beligerân­cia entre seus “fac­ciona­dos”.

Entra dia, sai dia, e as “guer­ras fakes” inun­dam as redes soci­ais, os gru­pos de aplica­tivo como se não hou­vesse qual­quer outro inter­esse do povo enquanto mil­hares já perderam a vida e out­ros tan­tos ainda a perderão. Nem o recesso natal­ino e de ano são respeita­dos. Nem mesmo a noite de Natal, con­forme assis­ti­mos estarrecidos.

Vejam que mesmo em guer­ras de ver­dade é comum se obser­var tréguas de natal.

O exem­plo mais tocante neste sen­tido deu-​se no Natal de 1914, na Primeira Guerra Mundial, nas prox­im­i­dades da cidade de Yprès, Bél­gica. Durante meses de inten­sos com­bates e em trincheiras próx­i­mas, na noite de 24 de dezem­bro, os com­ba­t­iam seus inimi­gos começaram a sair de suas trincheiras desar­ma­dos e irem para “terra de ninguém”, onde pode­riam ser abati­dos por seus inimi­gos, para desejarem-​lhes feliz natal. Naquela noite e no dia seguinte, a trégua de natal foi respeitada. Sem ordens supe­ri­ores, sem políti­cos deter­mi­nando. Ape­nas homens que enten­diam o real sig­nifi­cado do Natal.

A guerra depois prosseguiu e, infe­liz­mente, por muitos anos. Mil­hares de vidas foram per­di­das e muitos daque­les sol­da­dos e seus supe­ri­ores punidos. Mas nada tira a grandeza daquela trégua de Natal.

Aqui, nas nos­sas “guer­ras fakes” do dia a dia, nem o nasci­mento de Cristo é capaz de deter­mi­nar uma trégua.

Não para nós e para os homens de boa von­tade.

Temos muitos assun­tos a tratar, mas fare­mos isso no tempo certo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A guerra dos insensatos.

Escrito por Abdon Mar­inho

A GUERRA DOS INSENSATOS.

Por Abdon Marinho.

CHAMAVA-​SE Gec­i­mon Pereira, com pouco mais de cinquenta anos, foi meu amigo de infân­cia na cidade Gonçalves Dias no iní­cio dos anos oitenta. Estu­damos jun­tos parte do primário e parte do giná­sio, era assim que denomi­navam não época os primeiros anos de ensino que ia até a quarta série e os anos finais do ensino básico, de quinta a oitava série. Com out­ros cole­gas descíamos jun­tos logo cedo para a Unidade Castelo Branco e à noite para Colé­gio Ban­deirantes – ambos no mesmo pré­dio, local­izado na Praça Miguel Bahury. Muitas vezes, na parte da manhã ou da tarde, ficava comigo no comér­cio que meu pai mon­tara na rua detrás para eu tomar conta.

Eram os anos oitenta de muita efer­vescên­cia, angús­tia e esperança.

Na noite de quinta-​feira, 10 de dezem­bro, meu sobrinho manda uma men­sagem pelo What­sApp que mais pare­cia um telegrama: — oi tio, boa noite! Esqueci de lhe avisar mais cedo. Mas o seu amigo Gec­i­mon fale­ceu hoje. COVID. Estão esperando o corpo para fazer o sepul­ta­mento. Infe­liz­mente o dia dele chegou. Muito triste.

Antes mesmo que tivesse tempo de dizer alguma coisa já com­ple­tou: “— a cidade está comovida. Todos estão subindo para a estrada do Cen­tro Novo para esperar o corpo dele”.

Foi assim que tomei con­hec­i­mento da perda de mais uma vida, mais um amigo, mais um con­hecido, mais um ser humano, para a maldita pan­demia. Desta vez de um muito querido amigo.

No dia seguinte a con­tagem ofi­cial de mor­tos apon­tava para uma assom­brosa soma supe­rior a 180 mil vidas per­di­das.

Como que guia­dos por cegos em meio à tem­pes­tade, a tragé­dia que toma conta do país já era anun­ci­ada desde antes de começar.

Enquanto em todos os demais países do mundo a gestão da pan­demia foi tratada como uma questão de estado – a exceção é os Esta­dos Unidos, cujo pres­i­dente é a inspi­ração para o daqui, e, por isso mesmo, amarga sua pior tragé­dia human­itária em tem­pos recentes, com mais de 300 mil mor­tos –, no Brasil virou moeda de troca de um dis­curso idi­o­ti­zado e ide­ol­o­gizado em uma guerra sem fim que per­dura até hoje.

Por razões que ainda descon­hece­mos, mas que pouco ou nada, teve de inter­venção estatal, a taxa de mor­tal­i­dade por mil­hão de pes­soas ocupa uma posição inter­mediária, o que, usurpando méri­tos que não são seus, ven­dem com êxito no com­bate à pan­demia.

Mentem como estão cer­tos que o sol bril­hará no dia seguinte.

O certo é que o Brasil não pos­suiu um plano de enfrenta­mento da pan­demia; não pos­sui um plano de pro­dução de vacina e não pos­sui, nem mesmo, uma estraté­gia de imu­niza­ção em massa, muito emb­ora o nosso sis­tema por quase meio século tenha se desta­cado em todo mundo.

A pos­tura do gov­erno fed­eral que var­iou desde ao “é uma gripez­inha” ao “não somos um país de mar­i­cas” tem cole­cionado tra­pal­hadas cul­mi­nando com a “anun­ci­ação” da parte do pres­i­dente de que pan­demia “está no fim” quando teste­munhamos o aumento sub­stan­cial na média de mor­tos.

E não é só isso. Enquanto gov­er­nos de out­ros países começam a vis­lum­brar uma luz no fim do túnel por conta da vaci­nação, o Brasil não tem nem per­spec­tiva quando ire­mos começar a vaci­nar a pop­u­lação.

A razão disso é que o gov­erno “fez pouco caso” da neces­si­dade da vaci­nação. Esta, aliás, uma can­tilena do pres­i­dente, seja desmere­cendo as vaci­nas, seja colo­cando em dúvida sua eficá­cia, seja incutindo não cabeça das pes­soas que as vaci­nas pos­sam trazer efeitos colat­erais danosos.

Do dis­curso ordinário à prática é um pulo.

O país não cele­brou con­tratos visando a aquisição de vaci­nas em grandes quan­ti­dades nos lab­o­ratórios de sua prefer­ên­cia e, como resul­tado, esta­mos no “fim da fila”.

Mesmo o acordo da aliança global para pro­dução de vacina, da qual o país é sig­natário, optou-​se por uma cota mín­ima de aquisição.

O resul­tado do com­por­ta­mento refratário do gov­erno fed­eral é que os brasileiros estão como cachor­ros em porta de gale­te­ria: assistindo com “água na boca” os out­ros se vacinarem.

O pior de tudo isso é que o gov­erno sabe que tem feito lam­bança.

Tanto que tenta cor­rer “atrás do pre­juízo” ao saber que o gov­erno do Estado de São Paulo poderá ini­ciar a vaci­nação dos seus cidadãos já no dia 25 de janeiro do próx­imo ano – caso a vacina que está sendo pro­duzida pelo Insti­tuto Butantã em parce­ria com a empresa chi­nesa Sino­vac seja aprovada pela Anvisa ou por algu­mas das agên­cias estrangeiras, nos ter­mos do que dis­põe a leg­is­lação que rege o assunto.

Bas­tou o gov­erno paulista anun­ciar a intenção de começar a vaci­nação que o gov­erno fed­eral lembrou-​se que “tem que haver um plano nacional de vaci­nação” e que não “pode haver trata­mento dis­tinto entre brasileiros”. E, por fim, segundo o gov­er­nador de Goiás, Ronaldo Caiado, o min­istro interino da Saúde, lhe teria “con­fi­den­ci­ado” a intenção de “con­fis­car” a pro­dução de vacina do Butantã – a infor­mação é que con­fis­caria qual­quer vacina pro­duzida ou adquirida pelos esta­dos –, para aplica-​la den­tro da “estraté­gia nacional de vacinação”.

Ora, me parece óbvio que todos os brasileiros devem ser vaci­na­dos den­tro de uma estraté­gia nacional, na ordem de pri­or­i­dade que se esta­b­elece para estas situ­ações. Entre­tanto, foi o próprio gov­erno fed­eral que, primeiro disse que iria adquirir as vaci­nas e depois “des­disse” gerando toda essa polêmica.

O próprio pres­i­dente, con­forme relata­mos aqui em um texto ante­rior, teria “vibrado” com o suposto insucesso da vacina que estaria sendo tes­tada pelo con­sór­cio Butantã/​Sinovac, igno­rando, inclu­sive, a perda de uma vida humana envolvida no acon­te­cido, que nada tinha com a vacina em si. Isso se deu no dia em que falou da China, declarou “guerra” aos Esta­dos Unidos e chamou os brasileiros de “mar­i­cas”.

O próprio pres­i­dente – e seus seguidores, acred­ito que por moti­vações ide­ológ­i­cas, emb­ora acred­ite que não saiba o que é isso –, faz cam­panha aberta con­tra a vaci­nação e, em par­tic­u­lar, con­tra a vacina pro­duzida pelo con­sór­cio Butantã/​Sinovac.

Aí, na hora que é anun­ci­ada a pro­dução de vacina em larga escala e se apre­senta uma data para começar a vaci­nação, o gov­erno fed­eral vem falar em “estraté­gia nacional” e até em con­fisco? Quer dizer que agora querem a “vacina chi­nesa”? Ou falam em con­fisco para que ninguém seja vacinado?

Se o gov­erno fed­eral é esse desas­tre que esta­mos teste­munhando, os gov­er­nos estad­u­ais não ficam muito atrás na con­dução da pandemia.

Vejamos o caso do gov­erno paulista – que por sua relevân­cia econômica e porque parece ser ser o mais avançado nas estraté­gias de com­bate à pan­demia, inclu­sive com o anún­cio de vaci­nação para janeiro próx­imo –, o mundo começava a viven­ciar uma segunda onda da molés­tia, os téc­ni­cos infor­mam que avis­aram o gov­erno estad­ual da neces­si­dade de medi­das de dis­tan­ci­a­mento social, mas o gov­erno, por con­veniên­cia política, só foi anun­ciar quais­quer medi­das no dia seguinte após o segundo turno das eleições.

Medi­das que pode­riam sal­var vidas.

Vejamos, tam­bém, o caso do gov­erno maran­hense.

O gov­er­nador do estado se tornou uma espé­cie de “falador-​geral da República”. Volta e meia, dia sim e no outro tam­bém, lá está sua excelên­cia fusti­gando o gov­erno fed­eral por conta de sua inação no trato da pan­demia.

Sua excelên­cia, tam­bém, sabia que uma “segunda onda” se aprox­i­mava, todo mundo falava disso, mas o gov­erno estad­ual nada fez.

Durante a cam­panha eleitoral, muito emb­ora não tenha ido aos comí­cios de seus ali­a­dos, dele­gou tal mis­são aos secretários, inclu­sive o de saúde, para par­tic­i­parem de even­tos com aglom­er­ações, enquanto par­tic­i­pava, dev­i­da­mente “guardado” de con­tá­gios, através de video­con­fer­ên­cia.

Mas, o mais grave estava por vir. Pas­sa­dos mais de um mês desde que a pop­u­lação da cap­i­tal foi infor­mada que o “can­didato do gov­er­nador” fez cam­panha por, pelo menos, seis dias se sabendo con­t­a­m­i­nado – e colo­cando em risco a vida das pes­soas –, o gov­er­nador que tanto se diz pre­ocu­pado com a saúde do povo, não deu uma expli­cação sobre fato tão grave.

Aliás, deu, fechadas as urnas do primeiro turno das eleições, o gov­er­nador fez questão de assumir a can­di­datura do “suposto crim­i­noso” como se sua fosse; per­mi­tiu que usasse seu nome para con­vo­car aglom­er­ações; saudou pelas redes soci­ais, pelo menos, um evento de tal porte; e “passeou” pela praça com o can­didato, depois que ele apre­sen­tou o ates­tado de sanidade, exter­nando que aquele era o “seu” can­didato; e, finda as eleições munic­i­pais, com a der­rota do mesmo e ante a pos­si­bil­i­dade vir ser “cas­sado” pela Assem­bleia, cogita dar-​lhe abrigo no Poder Executivo.

Con­ver­sando com os meus botões sem­pre indago: será que gov­er­nador não se acha deve­dor de uma expli­cação à patuleia?

O silên­cio do gov­er­nador e suas ações em favor de um suposto crim­i­noso, eleva a outro pata­mar a máx­ima de “que o crime compensa”.

Emb­ora respei­tando a gradação de respon­s­abil­i­dades, con­fesso que não con­sigo enx­er­gar muita difer­ença entre os com­por­ta­men­tos das autori­dades fed­erais e estad­u­ais.

Usando uma expressão do meu saudoso pai, o que temos “são os sujos falando dos mal lavados”.

Enquanto isso, as famílias e ami­gos pran­teiam suas perdas.

Abdon Mar­inho é advo­gado.