OS EUA VIVEM SEU DIA DE REPÚBLICA DE BANANAS.
Por Abdon Marinho.
A NOTÍCIA alcançou-me enquanto me deslocava entre um município e outro do interior do estado: seguidores do presidente americano Donald Trump acabavam de invadir o Capitólio – sede do legislativo daquele país –, que se encontrava em sessão solene ou protocolar para certificar o resultado das eleições presidenciais ocorridas em 3 de novembro de 2020.
Com a desculpa de tomar um café e fazer um lanche para seguir viagem paramos no município seguinte quando pude acompanhar com mais calma os acontecimentos. Diversos sites de notícias transmitiam ao vivo o que estava acontecendo.
Enquanto seguia viagem, conforme a internet permita, acompanhava as informações. À noite, mal chegando ao hotel, já liguei a televisão nos diversos canais de notícias – alternando entre um e outro –, e, também, pela internet, segui acompanhando os fatos, as manifestações e análises até altas horas da noite.
Sem qualquer sombra de dúvida o assunto mais importante da semana – quiçá do mês, do ano, da década –, foi a malograda tentativa de golpe sofrida pela democracia americana, as cenas vexatórias de parlamentares tendo que ser retirados às pressas por passagens secretas, servidores públicos e jornalistas escondidos sob mesas e cadeiras e, por fim, o sangrento saldo de cinco mortos (quatro manifestantes e um policial), envergonharam e reduziram o status daquela que por mais de duzentos anos foi considerada a maior democracia ocidental ao de “república de bananeiras”, igualando-a a tantas outras do mesmo continente: América Central, do Sul, Caribe, ou mesmo as nefastas e sangrentas ditaduras africanas.
O triste status de republiqueta de bananas foi lembrado por um ex-presidente americano, George W. Bush; e por parlamentar do partido Republicano, enquanto se dirigia apressadamente, no calor da invasão do Capitólio, para um abrigo.
O termo “república de bananas” lembrado pelos dois políticos foi consolidado durante os anos 50, 60 e 70 do século passado para designar aquelas nações que tinham como dos principais ativos econômicos a produção de bananas e que a instabilidade política as levavam a uma série de golpes e contragolpes, muitos deles estimulados por países vizinhos e, principalmente, pelos Estados Unidos.
Afora a gravidade do acontecido, não deixa de ser irônico que os Estados Unidos, responsáveis por estimular tantos golpes ao redor do mundo tenham enfrentado uma tentativa de golpe desmoralizante dentro do seu próprio território, na sua capital federal, dentro do seu símbolo maior da democracia.
Vi algumas pessoas tentando comparar o episódio a outros episódios de protestos ocorridos nos Estados Unidos, como os acontecidos em protestos contra a violência policial ou por coques raciais e, ainda, a episódios noutros países, inclusive no Brasil, como a invasão do Congresso Nacional por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terras — MST, lá atrás.
Discordo destas analogias e comparações. O episódio americano foi uma clara tentativa de golpe nos moldes das que assistimos tantas vezes em diversas democracias embrionárias.
Ignorar ou minimizar tal fato é desconhecer a história ou “acoitar” o indefensável.
Por isso os Estados Unidos e o mundo assistiram perplexos os acontecimentos do dia 6 de janeiro de 2021, tento, inclusive, alguns parlamentares americanos se referido a tal data como mais uma data a ser inscrita na relação de “dia da infâmia”.
Os líderes mundiais de todos os países – os que valem a pena referir-se –, exceto do Brasil, que apressou-se em achar mérito onde só existe desonra, condenaram de forma veemente a tentativa de golpe patrocinada pelo ainda presidente americano Donald Trump – muitos preocupados com o que possam ocorrer em seus próprios países; outros para legitimar seus regimes autocráticos; e, outros apenas para ironizar e “tirar sarro” da cara dos americanos.
O certo é que qualquer pessoa que possua um mínimo de lucidez e não esteja “contaminada” pelo ideologismo de ocasião, sabe o grave significado para as democracias ocidentais dos fatos ocorridos nos Estado Unidos.
Uma democracia consolidada há mais de duzentos anos e tida como referência e inspiração para diversas outras nações de repente, e pela ação de uma única pessoa – o seu presidente –, teve seu dia de vergonha, de tentativa de golpe, em resumo, de republiqueta de bananas.
Não que eu acredite que a tentativa de golpe tivesse qualquer chance de prosperar em um país com instituições tão sólidas, entretanto, só o fato de um presidente americano cogitar a possibilidade e estimular que seguidores seus ataquem o poder legislativo numa tentativa derradeira de “melar” o resultado das eleições presidenciais, já é, por si, algo muito grave.
O sistema eleitoral americano – diferente do nosso, em que cada cidadão tem direito a um voto de peso igual –, lá impera o modelo do colégio eleitoral, onde mesmo um candidato que perdeu na votação popular pode sagrar-se vencedor se fizer a maioria do colegiado.
Na eleição anterior, em 2016, o atual presidente, perdeu na votação popular por mais de quatro milhões de votos para a candidata democrata, Hillary Clinton, e sagrou-se presidente por ter conseguido a maioria dos votos no colegiado.
Na última eleição presidencial americana o atual presidente, senhor Donald Trump perdeu por cerca de oito milhões de votos e, apesar disso, insistia em permanecer presidente, alegando supostas fraudes que ninguém, além dele e do seu círculo íntimo, conseguiu enxergar.
Todas as recontagens e todas as tentativas de questionar o resultado das eleições foram rechaçadas pelas autoridades eleitorais e judiciais daquele país.
Foram quase uma centena de ações questionando os resultados das urnas em diversos estados sem que nenhum juiz lhe desse um pingo de razão – mesmo aqueles que foram nomeados por ele.
Se as recontagens e as ações judiciais não apontaram para fraudes, o mesmo não pode se dizer do comportamento do presidente Trump, flagrado em dezenas de telefonemas pressionando autoridades eleitorais do seu próprio partido para que “conseguissem” os votos que lhe faltavam para conseguir os delegados no colégio eleitoral.
Os fundadores do país, chamados “pais da pátria” que inventaram o modelo do colégio na esperança de, com isso, evitarem que líderes populistas alcançassem o poder e destruíssem a democracia, certamente, estão a revirar-se nos túmulos vendo que o modelo não é tão seguro quanto pensaram.
Em 2016, Donald Trump, conforme já dissemos, perdeu por cerca de quatro milhões de votos e sagrou-se presidente dos Estados Unidos, contrariando o pesavam os “pais da pátria”, um populista que fez da mentira um método, derrotou o sistema americano, pois, embora, com menos votos que a oponente, focou na estratégia do colégio eleitoral e conseguiu a maioria dos delegados.
Em 2020, indiferente à insatisfação da maioria da população com direito a voto que impôs uma derrota por cerca de 8 milhões de votos – e também do colégio eleitoral –, tentou ganhar “no grito”, com falsas acusações de fraudes, com o duplo propósito: de permanecer no poder e, mais grave, dar um xeque-mate na democracia ocidental.
Em um ano atípico por causa da pandemia que já ceifara milhares de mortes naquele país, e com o voto sendo facultativo, milhões de americanos se dispuseram a votar, de ambos os lados. Mas a maioria deu a vitória aos democratas.
O que isso importa?
Para ególatras, como o presidente americano, seus milhões de seguidores nos Estados Unidos e ao redor do mundo a democracia é a sua permanência no poder, independente da vontade da maioria da população.
Na “construção” desta visão bem particular de enxergar o mundo forjam narrativas de que a vontade popular foi viciada pela mídia ou por outros fatos ou circunstâncias. Trabalham incessantemente para “aparelhar” ou desmerecer as instituições republicanas, pois elas fortes e/ou independentes são os únicos obstáculos entre estes iluminados e o poder eterno.
Vimos na tentativa de golpe nos Estados Unidos o próprio presidente derrotado nas urnas convocar, através de suas redes sociais, seus aliados/militantes para se fazerem presente a Washington D. C., no dia 06 de janeiro de 2021, informando que coisas graves iriam acontecer; posteriormente, diante do fato do vice-presidente e presidente do Senado Americano, Mike Pence, recusar-se a ceder os seus caprichos e impedir a certificação da vitória do seu adversário Joe Biden, conclamar, pessoal e diretamente, a malta de seguidores a marcharem para o Capitólio – como fizeram os fascistas na Itália e os nazistas na Alemanha, na primeira metade do século passado –, numa patética tentativa de impedir um ato protocolar, mas necessário, para a posse do adversário em 20 de janeiro.
Quem poderia imaginar que algum dia iríamos testemunhar coisas deste tipo na maior democracia do ocidente? Talvez os Simpsons, que, lá atrás, “previram” a improvável vitória de Trump.
Os cidadãos de bem precisamos ficar alertas, o episódio americano é um triste prenúncio do que outros esbirros autoritários poderão tentar no resto do mundo.
Nos Estados Unidos, embora desmoralizados e envergonhados, os americanos e suas instituições “segurara” a afronta derradeira, noutros países, em particular, no Brasil, daqui a dois anos, não sabemos como será.
Com a sinceridade própria dos inconsequentes, o presidente do Brasil já anunciou que será bem pior, caso suas vontades – e caprichos –, não sejam atendidas.
Precisamos ficar atentos, como já nos ensinou a história, o preço da liberdade é a eterna vigilância.
Abdon Marinho é advogado.