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A pan­demia, o SUS e os políticos.

Escrito por Abdon Mar­inho

A PAN­DEMIA, O SUS E OS POLÍTI­COS.

Por Abdon Marinho.

NOS ÚLTI­MOS dias, por conta do recrude­sci­mento da pan­demia do novo coro­n­avírus, que já ceifou quase dois mil­hões e meio de vidas, só no Brasil já são quase 250 mil vidas per­di­das, assis­ti­mos a um debate insano dos políti­cos sobre a respon­s­abil­i­dade de cada um no processo e, até mesmo, do papel que cada um desem­penha neste mor­ticínio de brasileiros.

A falta de oxigênio, no iní­cio do ano, em Man­aus, Ama­zonas fez com que dezenas de cidadãos perdessem a vida; por lá, assistiu-​se a for­mação de filas e mais filas, desen­tendi­men­tos entre cidadãos comuns com seus cilin­dros na mão na ten­ta­tiva de levar um pouco de con­forto aos seus entes queri­dos e, até mesmo, salvar-​lhes a vida; artis­tas, as forças armadas, empre­sas e até o gov­erno da Venezuela se mobi­lizaram para fazer chegar o oxigênio sal­vador.

As autori­dades, munic­i­pais, estad­u­ais e fed­erais foram avisadas com alguma ante­cedên­cia para a escassez do pro­duto e das suas con­se­quên­cias.

Ver­gonhosa­mente foram neg­li­gentes e omis­sas.

As autori­dades brasileiras fal­haram na solução do prob­lema e vidas se perderam.

No Maran­hão, assisti, outro dia, um dep­utado estad­ual “descendo” críti­cas à admin­is­tração munic­i­pal por conta de uma suposta ausên­cia de leitos de UTI “na rede munic­i­pal” des­ti­na­dos ao trata­mento da COVID; críti­cas semel­hantes ou com pouca vari­ação tenho ouvido das autori­dades estad­u­ais em relação ao gov­erno fed­eral; e deste, em relação aos gov­er­nos estad­u­ais e municipais.

Em plena pan­demia, assisto, estar­recido, a mil­itân­cia política dizer: — o Bol­sonaro “man­dou” X bil­hões ou mil­hões para o Maran­hão (ou para São Paulo, Piauí, Ama­zonas, São Luís ou Man­aus), cadê o dinheiro?

Chamo a atenção, ini­cial­mente, para o tom per­son­al­ista que tem assum­ido a política brasileira. De uns tem­pos para cá a mil­itân­cia ensande­cida pas­sou a con­fundir os entes fed­er­a­dos com a pes­soa dos seus dirigentes.

Com nat­u­ral­i­dade dizem: “o Bol­sonaro man­dou para Dino”, “o Bol­sonaro man­dou para Dória”, “o Dino man­dou para o Braide” ou “o Bol­sonaro fez isso”, “Dória fez aquilo”.

Muitas das vezes, quando se tratar de uma ati­tude ou com­por­ta­mento pes­soal até cabe e é dev­ida a citação da autori­dade, por exem­plo, não temos vaci­nas porque o sen­hor Bol­sonaro, pres­i­dente da República, e o sen­hor Pazuello, min­istro da saúde, não foram prev­i­dentes ou imag­i­naram que a pan­demia iria se extin­guir por si e por isso fiz­eram “corpo mole” e não foram atrás de vaci­nas ou de desen­volver uma vacina nacional, como out­ros países fiz­eram, alguns, mais de uma.

Noutras, como no caso de repasses de recur­sos públi­cos, con­sti­tu­cionais ou vol­un­tários, por partes dos entes fed­er­a­dos a out­ros, a per­son­ifi­cação só é cabível na cabeça dos adu­ladores, que em tudo enx­erga motivos para pros­elit­ismo político.

O sen­hor Bol­sonaro, o sen­hor Dino ou qual­quer outra autori­dade não manda ou nunca man­dou recur­sos para ninguém.

Não se trata de recur­sos deles, eles não “meteram a mão no bolso” para man­dar din­heiro a quem quer que seja.

Os recur­sos são públi­cos – fruto imposto dos cidadãos –, e devem ser repas­sa­dos medi­ante critérios pre­vi­a­mente definidos nos instru­men­tos legais.

Se o gov­er­nante não está fazendo desse modo, no mín­imo, comete uma impro­bidade admin­is­tra­tiva ou mesmo, crime de respon­s­abil­i­dade.

A própria Con­sti­tu­ição Fed­eral esta­b­ele­ceu como crime de respon­s­abil­i­dade a pro­bidade na admin­is­tração.

Obvi­a­mente trata-​se de impro­bidade o trata­mento difer­en­ci­ado, por parte da União, entre os entes fed­er­a­dos: esta­dos e municí­pios; os dos esta­dos em relação aos municí­pios.

Então, acred­ito, já seja hora de se parar com essa “babaquice” de se ficar atribuindo a gov­er­nante esse ou aquele suposto “bene­fí­cio” dis­pen­sado aos esta­dos ou municí­pios.

Se a União (e não o Bol­sonaro) man­dou qual­quer recurso para os esta­dos ou para os municí­pios foi porque a lei deter­mi­nou que fizesse.

Se alguma autori­dade fez a mais do que lei man­dou deve ser removido do cargo.

Essa bal­búr­dia insti­tu­cional, essa polit­i­calha rasteira, essa ignorân­cia desme­dida, tenho certeza, é a prin­ci­pal respon­sável pela perda de tan­tas vidas no Brasil.

O nosso país pos­sui um dos sis­temas de saúde mais avança­dos do mundo, talvez só se com­para­ndo ao sis­tema de saúde pública inglês o NHS (na sigla em inglês para Sis­tema Nacional de Saúde).

O sis­tema brasileiro ainda pos­sui uma “van­tagem” em relação ao inglês: a cober­tura. Enquanto o con­gênere inglês tem que ofer­e­cer cober­tura a 60 mil­hões pes­soas, o nosso sis­tema tem que ofer­e­cer a quase qua­tro vezes mais.

Desde 1988 que con­sta da Con­sti­tu­ição Fed­eral as bases do nosso Sis­tema Único de Saúde — SUS.

Lá, do artigo 196 ao 199, con­sta os princí­pios que norteiam o nosso sis­tema.

O artigo 196, esta­b­elece: “A saúde é dire­ito de todos e dever do Estado, garan­tido medi­ante políti­cas soci­ais e econômi­cas que visem à redução do risco de doença e de out­ros agravos e ao acesso uni­ver­sal e igual­itário às ações e serviços para sua pro­moção, pro­teção e recuperação”.

O artigo 197: “São de relevân­cia pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dis­por, nos ter­mos da lei, sobre sua reg­u­la­men­tação, fis­cal­iza­ção e con­t­role, devendo sua exe­cução ser feita dire­ta­mente ou através de ter­ceiros e, tam­bém, por pes­soa física ou jurídica de dire­ito privado”.

Já o artigo 198, esta­b­elece as dire­trizes do SUS, sua forma de finan­cia­mento, entre out­ras.

Diz o artigo 198: “As ações e serviços públi­cos de saúde inte­gram uma rede region­al­izada e hier­ar­quizada e con­stituem um sis­tema único, orga­ni­zado de acordo com as seguintes dire­trizes: I — descen­tral­iza­ção, com direção única em cada esfera de gov­erno; II — atendi­mento inte­gral, com pri­or­i­dade para as ativi­dades pre­ven­ti­vas, sem pre­juízo dos serviços assis­ten­ci­ais; III — par­tic­i­pação da comu­nidade”.

Já o artigo 199 trata da par­tic­i­pação da ini­cia­tiva pri­vada.

Em 1990, através da Lei 8.080, tam­bém chamada de Lei Orgânica da Saúde, os dis­pos­i­tivos con­sti­tu­cionais foram esmi­uça­dos e ampli­a­dos, a lei dis­põe sobre as condições para a pro­moção, pro­teção e recu­per­ação da saúde, a orga­ni­za­ção e o fun­ciona­mento dos serviços cor­re­spon­dentes e dá out­ras providên­cias.

Com apri­mora­men­tos aqui e ali, temos um dos mel­hores sis­temas de saúde pública do mundo, repito, que, infe­liz­mente, para o enfrenta­mento à pan­demia tem sido rel­e­gado a um segundo plano.

Pelo con­junto de declar­ações dos políti­cos, nos últi­mos tem­pos, fico com a impressão que pas­sadas mais de três décadas desde a cri­ação do nosso sis­tema de saúde pública, as autori­dades não se deram ao tra­balho de conhecê-​lo ou de saber como o mesmo deve fun­cionar. De cima abaixo, o que assis­ti­mos é uma sucessão de improvisos.

Impro­vi­sos, repito, que têm cus­tado a vida de brasileiros.

O SUS é um sis­tema único de saúde. A vogal “U”, de SUS, sig­nifica só isso, que ele é único.

Nós não temos um sis­tema de saúde fed­eral, um estad­ual e outro munic­i­pal.

Ele é único e a ele se soma inclu­sive a rede pri­vada e/​ou filantrópica, con­forme a neces­si­dade.

A primeira dire­triz con­sti­tu­cional do SUS é a descen­tral­iza­ção, com direção única em cada esfera de governo.

Isso sig­nifica, por exem­plo, que o dep­utado estad­ual ao recla­mar que o Municí­pio de São Luís não pos­sui leitos de UTI especí­fi­cos para o trata­mento da COVID está só falando uma bobagem.

O Municí­pio de São Luís há quase três décadas encontra-​se na chamada gestão plena e, por­tanto, nos ter­mos da con­sti­tu­ição, é quem dev­e­ria “diri­gir” todas as unidades e ofer­tas de vagas no seu ter­ritório, inclu­sive aque­las admin­istradas pela rede pri­vada, não existe essa tolice de vagas da rede fed­eral, vagas da rede estad­ual, vagas da rede munic­i­pal ou mesmo vagas da rede pri­vada, todas as vagas estão à dis­posição do sis­tema de saúde que é único e que, nos ter­mos da leg­is­lação, estão sob a direção do municí­pio.

Abro uma exceção para des­cul­par a tolice do dep­utado em ten­tar tirar “casquinha” de um assunto que não con­hece e, tam­bém, para des­cul­par o prefeito que “cor­reu” para dizer que estava abrindo as tais vagas na rede munic­i­pal, pelo sim­ples fato, de no Maran­hão, prin­ci­pal­mente, com ressalto nos últi­mos tem­pos, nunca ter exis­tido um sis­tema único de saúde. Por conta da ganân­cia e da ignorân­cia das autori­dades, pos­suí­mos na cap­i­tal do estado três sis­temas: o fed­eral, o estad­ual e o municipal.

Difer­ente de out­ras cap­i­tais com gestão plena, até mesmo Teresina, no viz­inho Piauí, aqui a Con­sti­tu­ição é solen­e­mente igno­rada, em pre­juízo da população.

Já tratei deste assunto diver­sas vezes, sem, con­tudo, encon­trar o respaldo das autori­dades inter­es­sadas.

A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080÷90, nos arti­gos 16, 17 e 18 esta­b­elece de forma cristalina o com­petên­cia de cada esfera de gov­erno, nacional, estad­ual e munic­i­pal.

Se cada uma estivesse atenda às suas atribuições e, noutro giro, dis­cutindo nos seus fóruns com­pe­tentes, con­sel­hos de secretários de estado de saúde e con­selho de secretários munic­i­pais de saúde, as políti­cas públi­cas a serem imple­men­tadas para vencer os desafios, prin­ci­pal­mente o enorme desafio da pan­demia, cer­ta­mente estaríamos sendo um exem­plo para o mundo e não uma piada de mau gosto e não cor­reríamos o risco do sis­tema entrar em colapso, como já quase ocor­reu em Man­aus, AM, e prin­cipia ocor­rer em diver­sos out­ros municí­pios país afora.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

P.S. Em out­ros tex­tos apro­fun­dare­mos a dis­cussão sobre o nosso sis­tema de saúde.

Maran­hão e Sudão: A des­graça vai além da rima.

Escrito por Abdon Mar­inho

MARAN­HÃO E SUDÃO: A DES­GRAÇA VAI ALÉM DA RIMA.

Por Abdon Marinho.

UMA NOTÍ­CIA chamou-​me a atenção estes dias. Li que na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado o número de dep­uta­dos estad­u­ais qual­i­fi­ca­dos como sendo “de oposição” ao gov­erno eram insu­fi­cientes para a for­mação de um bloco para­men­tar.

Pelo que pesqui­sei a con­sti­tu­ição de um bloco par­la­men­tar – de oposição, por exem­plo –, só é admi­tida se os par­tidos que o dese­jarem con­sti­tuir pos­suir pelo menos um décimo dos inte­grantes do par­la­mento, no caso do Maran­hão, qua­tro dep­uta­dos, do uni­verso de quarenta e dois parlamentares.

Ainda, pelo que li, com uma ressalva aqui outra ali, sobraram três auto­de­nom­i­na­dos opos­i­tores do gov­erno. Sem o bloco poderão se man­i­fes­tar uma vez ou outra e não terão dire­ito a diver­sas van­ta­gens deferi­das aos blo­cos.

Diante do ocaso da oposição vi os con­tu­mazes adu­ladores de gov­erno – qual­quer gov­erno –, “cor­rerem” para exercerem o papel que fazem com maes­tria: adu­lar o gov­er­nante, esten­dendo a adu­lação ao pres­i­dente da Assem­bleia, elogiando-​os, fal­sa­mente, por faz­erem “tão mag­ní­fi­cas gestões” a ponto de não terem oposição. Um ou outro, mais xerim­babo, cun­hando que a oposição caberia numa moto.

Como todos os elo­gios moti­va­dos por paixões ou inter­esses tor­pes, as pre­mis­sas em que se baseiam ou são, em parte, ou inteira­mente, falsas.

Uma breve leitura ou con­hec­i­mento da história nos prova que tanto no pas­sado quanto no pre­sente as nações mais avançadas foram for­jadas e se man­tém como democ­ra­cias con­sol­i­dadas pos­suem oposição forte e par­tidos con­sis­tentes.

Vejam os EUA; o Reino Unido; a Dina­marca; a França; a Ale­manha ou mesmo a Sué­cia.

Já as ditaduras vio­len­tas e mis­eráveis flo­resce­ram e se man­tém sem oposição. O dita­dor do Iraque, Sad­dam Hus­sein, numa de suas últi­mas eleições, foi eleito com mais de 98% dos votos; o mesmo acon­te­ceu com o dita­dor da Líbia, Muam­mar Kad­hafi; na Cor­eia do Norte nem eleição há; em Cuba vig­ora a eleição de par­tido único; na Venezuela, os arreme­dos de democ­ra­cia aniquila­ram as insti­tu­ições, a oposição e o povo.

No Sudão que faz rima com Maran­hão, um régime total­itário que domi­nou o país por quase trinta anos levando fome e mis­éria ao povo foi sub­sti­tuído há dois anos por uma outra ditadura, desta vez uma junta mil­i­tar.

Mesmo quem não entende de estatís­tica ou de números é capaz de enten­der que os indi­cadores econômi­cos e soci­ais do Maran­hão não nos aprox­ima das nações civ­i­lizadas do primeiro mundo, onde existe desen­volvi­mento econômico e social e conta com oposições pujantes, mas, sim, nos aprox­ima de ditaduras sub­de­sen­volvi­das da África, da Ásia e mesmo das Améri­cas, onde impera a mis­éria e o povo, já aniquilado pela própria des­graça, acha nor­mal o que passa e tem nos seus algo­zes os sal­vadores da pátria.

É o que acon­tece no Maran­hão.

Quando li que no estado a oposição, com ressal­vas, se limita a três par­la­mentares, insu­fi­cientes até para forma um bloco de oposição, pas­sei a enten­der que todos os trinta e nove restantes, acham que esta­mos muito bem, obrigado.

Devem igno­rar que a situ­ação de mis­éria do povo, que já era dramática, aumen­tou sig­ni­fica­ti­va­mente nos últi­mos anos; que o número de mis­eráveis do estado alcança mais de 50% da pop­u­lação; que con­tin­u­amos na “rabeira” nos indi­cadores do IDH; que a edu­cação encontra-​se entre as piores do mundo; que os cidadãos con­tin­uam mor­rendo pela ausên­cia de sanea­mento básico e por doenças que já deviam ter sido con­tro­ladas e até de fome.

Ora, se está tudo muito bem, qual a razão para ter­mos rep­re­sen­tantes do povo cobrando, fis­cal­izando ou instando os gov­er­nantes a exercerem o seu papel com eficá­cia e com­petên­cia?

O Maran­hão que já era pobre, empo­brece mais a cada dia, enquanto a classe política e as demais autori­dades do estado acham que tudo vai muito bem.

Bem, talvez esteja tudo muito bem para eles.

Talvez os seus inter­esses pes­soais e dos seus famil­iares e dos seus negó­cios este­jam sendo aten­di­dos, mas, e o povo?

Será que igno­ram que, enquanto aumen­tam seus patrimônios, estão levando mais maran­henses e o próprio estado para a mis­éria abso­luta, tal qual acon­tece nas piores ditaduras?

Uma das piores tragé­dias da humanidade oca­sion­ada pela pan­demia – como se fosse pos­sível encon­trar um efeito colat­eral pior que a pan­demia em si, que já ceifou quase 240 mil vidas de brasileiros numa cres­cente que não para de aumen­tar –, é o que está acon­te­cendo com os cri­anças maran­henses, já há quase um ano sem escola, se dis­tan­ciando do con­hec­i­mento e ficando para trás em relação a out­ras crianças.

As cri­anças, os ver­dadeiros “fil­hos do povo”, a maio­ria da nossa pop­u­lação, sim­ples­mente “perderam” o ano esco­lar.

Enquanto out­ras cri­anças, com posses, tiveram algum tipo de edu­cação através de vídeo, ou platafor­mas disponi­bi­lizadas por suas esco­las pri­vadas, aque­las da rede pública não tiveram nada. Nem mesmo na cap­i­tal con­seguiram chegar perto de acom­pan­har as aulas pois lhes fal­tou – e lhes fal­tam –, com­puta­dores, inter­net ou mesmo qual­quer estru­tura e, as vezes, até o que comer.

A pan­demia, para estas cri­anças, está tirando, tam­bém, a chance de futuro.

Esse é só um exem­plo, mas serve para provar o quanto os “rep­re­sen­tantes do povo” estão dis­so­ci­a­dos da real­i­dade dos rep­re­sen­ta­dos.

Quan­tos foram ao menos uma vez à tri­buna cobrar algo em favor da edu­cação destas cri­anças? Ou mesmo foram à tri­buna das redes soci­ais cobrar pub­li­ca­mente do gov­er­nador ou do secretário uma solução para esta situação?

Se fiz­eram alguma gestão deve ter sido de forma sec­reta, até porque o gov­erno estad­ual é “tão per­feito” que não pre­cisa de dep­uta­dos cobrando soluções para a fome ou para edu­cação do povo.

Per­doem o sarcasmo.

Uma outra situ­ação que me chamou a atenção nos últi­mos dias, tam­bém divul­gada pela mídia e rela­cionada com a Assem­bleia Leg­isla­tiva, colo­cando o estado numa situ­ação de “mundo para­lelo” de uma ditadura africana, foi o des­file de autori­dades na aber­tura dos tra­bal­hos leg­isla­tivos e (re)posse da nova mesa diretora.

Pois bem, como sabe­mos, o atual pres­i­dente após “her­dar” à presidên­cia com o pas­sa­mento do pres­i­dente ante­rior, na leg­is­latura pas­sada, elegeu-​se para o mesmo cargo na leg­is­latura seguinte e poucos dias depois, acho que pouco mais de um mês, as excelên­cias já mudaram as regras históri­cas e o reelegeram para o segundo biênio no comando da casa.

A situ­ação inusi­tada e exdrúx­ula foi denun­ci­ada soli­tari­a­mente por mim em um texto. Pro­curem no nosso site.

Ques­tion­ava, além do fato da intem­pes­tiva ante­ci­pação da eleição – dois anos antes –, a própria con­sti­tu­cional­i­dade do ato. Cobrei dos órgãos de fis­cal­iza­ção e con­t­role atenção para o que estava acon­te­cendo.

Como nada sou, ninguém ligou para min­has palavras.

Acon­tece que no final do ano pas­sado o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF con­fir­mou o que disse há dois anos, ou seja, que não é pos­sível a reeleição dos mem­bros da mesa do par­la­mento den­tro da mesma leg­is­latura.

O STF não fez nada além de dizer que vale aquilo que resta expresso na Con­sti­tu­ição Fed­eral.

A piada mais inter­es­sante sobre a suprema decisão foi aquela que disse: “os min­istros do Supremo decidi­ram que sabem ler”.

O mesmo tri­bunal, por um dos seus min­istros, vetou a reeleição em situ­ação idên­tica no Estado de Rondô­nia, já agora no iní­cio de 2021.

Qual não foi minha sur­presa ao assi­s­tir pela tele­visão que quase todas as autori­dades do estado, incluindo aque­las que dev­e­riam fis­calizar e cobrar o cumpri­mento das leis, estavam pres­ti­giando a posse de alguém que não pode­ria ser eleito. E, pior, aplaudindo como se tudo estivesse cor­reto.

Nen­hum dep­utado, pres­i­dente de par­tido, mem­bro do Poder Judi­ciário, Exec­u­tivo ou mesmo do Min­istério Público Estad­ual disse ou fez nada em relação a uma situ­ação fla­grante­mente ile­gal e ainda foram aplaudir.

Ressalvo que se fiz­eram não deram o dev­ido con­hec­i­mento aos pagadores de impos­tos, à pat­uleia ignara.

Vive­mos em um mundo para­lelo onde a Con­sti­tu­ição Fed­eral não se aplica aqui? Sim, pois a regra já estava na Carta desde 1988, o STF não “criou” ou “inven­tou” nada, só disse que aquilo que está escrito é o que, lit­eral­mente, vale.

Outra coisa, não existe “dire­ito adquirido” con­trário à Con­sti­tu­ição Fed­eral ao argu­mento de que o STF só decidiu que o dis­pos­i­tivo inserto lá tem eficá­cia.

A vedação já estava lá desde a sua pro­mul­gação há ais de trinta anos.

Pois é, lá estavam todas as autori­dades que um dia juraram respeitar a Con­sti­tu­ição, solen­e­mente, a igno­rando.

Era como se nada estivesse acon­te­cendo ou como se muitos ali não tivessem qual­quer pudor ou con­strang­i­mento.

É o Maran­hão cada vez mais próx­imo da real­i­dade do Sudão, e, infe­liz­mente, não é ape­nas na rima.

A única coisa que faz com que a atual quadra política no Estado do Maran­hão seja pos­i­tiva é a triste certeza de o legado dos gov­er­nantes de hoje para o futuro é bem pior que a real­i­dade dos dias atu­ais.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

P.S. Pen­sava sobre isso quando acordei as cinco da manhã para escr­ever este texto.

Faça o que eu digo …

Escrito por Abdon Mar­inho

FAÇA O QUE EU DIGO

Por Abdon Marinho.

BRUNO COVAS, prefeito de São Paulo, foi à final da Lib­er­ta­dores da América, no último dia 30 de janeiro de 2021, no Mara­canã, Rio de Janeiro, e envolveu-​se numa polêmica. Aliás, a polêmica foi ter ido a um está­dio de fute­bol, em plena pan­demia, quando os casos de con­t­a­m­i­nação e de mortes encontram-​se em cur­vas ascen­dentes e a cidade dirigida por ele estava na zona ver­melha ou laranja na tabela de contágio.

O ques­tion­a­mento feito com algum excesso de ênfase era o seguinte: como pode­ria sua excelên­cia, ao momento em impunha medi­das restri­ti­vas à sua pop­u­lação ia a um está­dio de fute­bol aglomerar-​se? Uma outra vari­ante do ques­tion­a­mento foi: como pode­ria alguém que tira licença do tra­balho para trata­mento médico ir refestelar-​se numa par­tida de futebol?

Em condições nor­mais seriam ques­tion­a­men­tos váli­dos, per­ti­nentes. Entre­tanto, con­forme aprendi com o mestre Alberto Tavares, deve­mos anal­isar toda situ­ação com “grano salis”, ou seja, com prudên­cia.

Assim, não atiro a primeira ou última pedra em alguém que no fres­cor da juven­tude, com ape­nas quarenta anos e com um filho ado­les­cente, tem que enfrentar um câncer agres­sivo.

Não atiro pedras em quem passa por tamanha provação.

Quem, em sã con­sciên­cia, pode repreen­der um jovem pai que, em trata­mento de câncer, deseja viver um momento que talvez lhe seja único ao lado filho ado­les­cente como uma final de Lib­er­ta­dores? Acred­ito que ninguém.

Claro, torce­mos para que o jovem prefeito con­siga vencer essa ter­rível batalha con­tra o câncer, que viva diver­sos momen­tos com o filho, quiçá, com os netos, mas quando o seu time, o San­tos, terá outra chance de ir a uma final de lib­er­ta­dores?

Pois bem, fiz essa breve digressão para aden­trar no assunto prin­ci­pal do texto: o tor­tu­oso e con­tra­ditório com­por­ta­mento das autori­dades fed­erais, estad­u­ais, munic­i­pais em relação à pan­demia e a out­ros temas, a exceção de Mário Covas, que pelas razões acima “dou um desconto”, o com­por­ta­mento das autori­dades no que­sito “dar exem­plo” é sofrível.

Ainda em São Paulo, onde o gov­er­nador João Dória tem se esmer­ado em aten­der as recomen­dações da ciên­cia em relação à pan­demia – e graças a esse esforço, emb­ora com atraso, ini­ci­amos a cam­panha de imu­niza­ção –, já come­teu seus “vac­i­los”, ini­cial­mente por retar­dar medi­das restri­ti­vas durante as eleições, deixando para fazer somente após a con­fir­mação da vitória do seu can­didato; e, depois, por logo após dec­re­tar o iso­la­mento da pop­u­lação do estado achar opor­tuno ir passear em Miami, USA.

Ora, quer dizer que você diz que as pes­soas não podem sair de casa; não pode ir ao bar; não pode ir bal­ada; não por ir ao aniver­sário da tia ou ao chur­rasco com os ami­gos; e vai passear no estrangeiro?

A reação foi tão neg­a­tiva à pos­tura do gov­er­nador que mal des­fez as malas em Miami, teve que refazê-​las nova­mente e voltar para casa, dando uma des­culpa esfar­ra­pada qual­quer.

Mais indeco­roso foi, recen­te­mente, a comem­o­ração da “vitória” do novo comando da Câmara dos Dep­uta­dos. Sim­ples­mente os maio­rais da República estavam em uma festa com dire­ito a música alta, muita bebida, comi­das caras, karaokê, abraços, bei­jos e, desnecessário dizer, ninguém usando más­caras, indu­men­tária que não com­bina com a tertúlia.

No ambi­ente lib­ertino era como se, em sen­tido fig­u­rado, dançassem sobre os quase 230 mil brasileiros que até aquele dia já haviam per­dido a vida.

Ah, se não lhes pas­sou des­perce­bido, o termo vitória aspeado é ape­nas uma lem­brança de que o sen­hor Bol­sonaro, pres­i­dente da República, para eleger seus ali­a­dos, san­grou a nação em cerca de três bil­hões de reais. Sim, dizem que a “farra” cus­tou essa for­tuna. Enquanto se mendi­gava ou dizia que dev­eríamos esperar os preços baixarem para com­prar vaci­nas; quando se dizia que não era respon­s­abil­i­dade do gov­erno fed­eral prover oxigênio para as pes­soas que mor­riam asfix­i­adas; quando se dizia que não se tinha din­heiro para amparar os menos favore­ci­dos com um auxílio emer­gen­cial, se “com­prava” apoios de par­la­mentares para eleger o comando do Con­gresso Nacional.

Cer­ta­mente o sen­hor Bol­sonaro e os seus ali­a­dos acham nor­mal que em plena pan­demia se inter­fira, a este custo, na eleição do leg­isla­tivo.

Cer­ta­mente acham que nada tem demais, enquanto brasileiros mor­reram por falta de assistên­cia médica, os recur­sos migrem das con­tas públi­cas para as con­tas pri­vadas das excelên­cias.

Será que igno­ram que os recur­sos públi­cos, sobre­tudo, os que dev­e­riam ser des­ti­na­dos para a saúde pública não chegam ao seu destino?

Mais, o próprio pres­i­dente não declarou que sepul­tara o “toma lá, dá cá”?

Pois é, quer me pare­cer que o dis­curso não com­bina muito com a prática.

Antes quem falava em com­bater a cor­rupção não só pas­sou a achá-​la per­feita­mente nor­mal, como pas­sou a “fazer o jogo” dos cor­rup­tos. E foi além, tra­bal­ham incansavel­mente para desmon­tar todo o aparato insti­tu­cional e legal de com­bate à cor­rupção.

Nem a Lava Jato sobre­viveu.

O “mecan­ismo” retorna mais forte e insti­tu­cional­izado.

Há, aprox­i­mada­mente um ano, quando tinha iní­cio a pan­demia, eu aler­tava para o risco das autori­dades não estarem à altura do desafio; de não serem capazes de pas­sarem sinais claros e exem­p­los inques­tionáveis da importân­cia do com­por­ta­mento indi­vid­ual dos cidadãos no con­t­role de com­bate da molés­tia.

Não deu outra. As autori­dades, se lixando, para vida das pes­soas “poli­ti­zaram” a pan­demia e, fiz­eram pior, não foram capazes de “casar” o dis­curso com a prática.

Isso quando o próprio dis­curso não ia em sen­tido con­trário a lóg­ica, ao bom senso e as recomen­dações das autori­dades da saúde.

Aqui no Maran­hão, por exem­plo, dia sim, dia não, o gov­er­nador ia (vai) aos seus canais de mídia dizer que o pres­i­dente da República estava “matando” pes­soas com o seu com­por­ta­mento nega­cionista – e estava –, mas, quando chegou as eleições munic­i­pais, o próprio gov­er­nador – as posta­gens estão aí para provar –, “achava bonito” as aglom­er­ações provo­cadas pelos can­didatos governistas.

Os secretários estad­u­ais, inclu­sive o da saúde, pas­mem, acharam que nada tinha demais em se rever­sarem de comí­cios em comí­cios, passeatas, etc.

Lem­bro que ques­tion­a­dos sobre isso, chegaram a dizer que não per­ten­cia às suas atribuições aquele tipo de dis­ci­plina­mento.

Chegaram ao cúmulo quando “travaram” uma guerra em apoio ao can­didato ofi­cial do gov­er­nador na cap­i­tal, can­didato que dias antes fora acu­sado de, mesmo se sabendo con­t­a­m­i­nado pela COVID-​19, ter man­tido a cam­panha nor­mal­mente, par­tic­i­pando de even­tos, cumpri­men­tado e abraçado pes­soas.

O gov­er­nador não achou “nada demais”, depois de ficar meses cobrando coerên­cia dos out­ros, sentar-​se no banco da praça, lit­eral­mente, com o seu can­didato e dizer que aquele era “homem ideal” para con­duzir os des­ti­nos de mais de um mil­hão de pes­soas.

Pois é, enquanto em qual­quer outro lugar do mundo o cidadão que coloca em risco a vida out­ras respon­dem per­ante a justiça, por aqui as autori­dades estad­u­ais achavam que era mere­ce­dor de, como prêmio, rece­ber o cargo de prefeito.

Ah, Abdon, mas a pan­demia estava em baixa durante as eleições e essa segunda onda agora tem a ver com os exces­sos do final de ano.

Pode ser, mas durante as eleições munic­i­pais a pan­demia não tinha acabado, entre­tanto, as autori­dades do estado e da saúde, inclu­sive, achavam uma “beleza” os even­tos de seus can­didatos.

Como pode­ria essas mes­mas pes­soas exi­girem que a pop­u­lação deix­asse de cumpri­men­tar os seus ami­gos e par­entes e com eles fes­te­jassem o Natal e o Ano Bom?

A leitura que faz o cidadão comum é que se as autori­dades nada diziam poucos dias antes quando estavam pedindo votos, por que, poucos dias depois, iriam mor­rer se fos­sem fes­te­jar o fim de ano?

Ape­sar de verem mais de mil pes­soas perderem a vida diari­a­mente, pen­sam que a doença não existe e que podem fazer o que bem enten­derem.

Até que con­sig­amos vencer a pan­demia, acred­ito, infe­liz­mente, que mil­hares de brasileiros ainda pere­cerão, muitos deles por culpa das autori­dades, a começar pelo pres­i­dente da República que, despreparado, não foi e não é capaz de com­preen­der que, em uma situ­ação de pan­demia prin­ci­pal­mente, o bom exem­plo é muito mais valioso que os recur­sos que possa des­ti­nar ao com­bate da molés­tia, pas­sando pelo com­por­ta­mento dúbio de gov­er­nadores, prefeitos e de diver­sas out­ras autori­dades, muitas delas, mais pre­ocu­padas em roubarem o din­heiro público do que sal­varem vidas.

O Brasil, não tenho dúvi­das, estaria bem mel­hor sem essa chusma de ratos que con­duzem os des­ti­nos da nação.

Abdon Mar­inho é advogado.