Faça o que eu digo …
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- Criado: Sábado, 06 Fevereiro 2021 21:50
- Escrito por Abdon Marinho
FAÇA O QUE EU DIGO …
Por Abdon Marinho.
BRUNO COVAS, prefeito de São Paulo, foi à final da Libertadores da América, no último dia 30 de janeiro de 2021, no Maracanã, Rio de Janeiro, e envolveu-se numa polêmica. Aliás, a polêmica foi ter ido a um estádio de futebol, em plena pandemia, quando os casos de contaminação e de mortes encontram-se em curvas ascendentes e a cidade dirigida por ele estava na zona vermelha ou laranja na tabela de contágio.
O questionamento feito com algum excesso de ênfase era o seguinte: como poderia sua excelência, ao momento em impunha medidas restritivas à sua população ia a um estádio de futebol aglomerar-se? Uma outra variante do questionamento foi: como poderia alguém que tira licença do trabalho para tratamento médico ir refestelar-se numa partida de futebol?
Em condições normais seriam questionamentos válidos, pertinentes. Entretanto, conforme aprendi com o mestre Alberto Tavares, devemos analisar toda situação com “grano salis”, ou seja, com prudência.
Assim, não atiro a primeira ou última pedra em alguém que no frescor da juventude, com apenas quarenta anos e com um filho adolescente, tem que enfrentar um câncer agressivo.
Não atiro pedras em quem passa por tamanha provação.
Quem, em sã consciência, pode repreender um jovem pai que, em tratamento de câncer, deseja viver um momento que talvez lhe seja único ao lado filho adolescente como uma final de Libertadores? Acredito que ninguém.
Claro, torcemos para que o jovem prefeito consiga vencer essa terrível batalha contra o câncer, que viva diversos momentos com o filho, quiçá, com os netos, mas quando o seu time, o Santos, terá outra chance de ir a uma final de libertadores?
Pois bem, fiz essa breve digressão para adentrar no assunto principal do texto: o tortuoso e contraditório comportamento das autoridades federais, estaduais, municipais em relação à pandemia e a outros temas, a exceção de Mário Covas, que pelas razões acima “dou um desconto”, o comportamento das autoridades no quesito “dar exemplo” é sofrível.
Ainda em São Paulo, onde o governador João Dória tem se esmerado em atender as recomendações da ciência em relação à pandemia – e graças a esse esforço, embora com atraso, iniciamos a campanha de imunização –, já cometeu seus “vacilos”, inicialmente por retardar medidas restritivas durante as eleições, deixando para fazer somente após a confirmação da vitória do seu candidato; e, depois, por logo após decretar o isolamento da população do estado achar oportuno ir passear em Miami, USA.
Ora, quer dizer que você diz que as pessoas não podem sair de casa; não pode ir ao bar; não pode ir balada; não por ir ao aniversário da tia ou ao churrasco com os amigos; e vai passear no estrangeiro?
A reação foi tão negativa à postura do governador que mal desfez as malas em Miami, teve que refazê-las novamente e voltar para casa, dando uma desculpa esfarrapada qualquer.
Mais indecoroso foi, recentemente, a comemoração da “vitória” do novo comando da Câmara dos Deputados. Simplesmente os maiorais da República estavam em uma festa com direito a música alta, muita bebida, comidas caras, karaokê, abraços, beijos e, desnecessário dizer, ninguém usando máscaras, indumentária que não combina com a tertúlia.
No ambiente libertino era como se, em sentido figurado, dançassem sobre os quase 230 mil brasileiros que até aquele dia já haviam perdido a vida.
Ah, se não lhes passou despercebido, o termo vitória aspeado é apenas uma lembrança de que o senhor Bolsonaro, presidente da República, para eleger seus aliados, sangrou a nação em cerca de três bilhões de reais. Sim, dizem que a “farra” custou essa fortuna. Enquanto se mendigava ou dizia que deveríamos esperar os preços baixarem para comprar vacinas; quando se dizia que não era responsabilidade do governo federal prover oxigênio para as pessoas que morriam asfixiadas; quando se dizia que não se tinha dinheiro para amparar os menos favorecidos com um auxílio emergencial, se “comprava” apoios de parlamentares para eleger o comando do Congresso Nacional.
Certamente o senhor Bolsonaro e os seus aliados acham normal que em plena pandemia se interfira, a este custo, na eleição do legislativo.
Certamente acham que nada tem demais, enquanto brasileiros morreram por falta de assistência médica, os recursos migrem das contas públicas para as contas privadas das excelências.
Será que ignoram que os recursos públicos, sobretudo, os que deveriam ser destinados para a saúde pública não chegam ao seu destino?
Mais, o próprio presidente não declarou que sepultara o “toma lá, dá cá”?
Pois é, quer me parecer que o discurso não combina muito com a prática.
Antes quem falava em combater a corrupção não só passou a achá-la perfeitamente normal, como passou a “fazer o jogo” dos corruptos. E foi além, trabalham incansavelmente para desmontar todo o aparato institucional e legal de combate à corrupção.
Nem a Lava Jato sobreviveu.
O “mecanismo” retorna mais forte e institucionalizado.
Há, aproximadamente um ano, quando tinha início a pandemia, eu alertava para o risco das autoridades não estarem à altura do desafio; de não serem capazes de passarem sinais claros e exemplos inquestionáveis da importância do comportamento individual dos cidadãos no controle de combate da moléstia.
Não deu outra. As autoridades, se lixando, para vida das pessoas “politizaram” a pandemia e, fizeram pior, não foram capazes de “casar” o discurso com a prática.
Isso quando o próprio discurso não ia em sentido contrário a lógica, ao bom senso e as recomendações das autoridades da saúde.
Aqui no Maranhão, por exemplo, dia sim, dia não, o governador ia (vai) aos seus canais de mídia dizer que o presidente da República estava “matando” pessoas com o seu comportamento negacionista – e estava –, mas, quando chegou as eleições municipais, o próprio governador – as postagens estão aí para provar –, “achava bonito” as aglomerações provocadas pelos candidatos governistas.
Os secretários estaduais, inclusive o da saúde, pasmem, acharam que nada tinha demais em se reversarem de comícios em comícios, passeatas, etc.
Lembro que questionados sobre isso, chegaram a dizer que não pertencia às suas atribuições aquele tipo de disciplinamento.
Chegaram ao cúmulo quando “travaram” uma guerra em apoio ao candidato oficial do governador na capital, candidato que dias antes fora acusado de, mesmo se sabendo contaminado pela COVID-19, ter mantido a campanha normalmente, participando de eventos, cumprimentado e abraçado pessoas.
O governador não achou “nada demais”, depois de ficar meses cobrando coerência dos outros, sentar-se no banco da praça, literalmente, com o seu candidato e dizer que aquele era “homem ideal” para conduzir os destinos de mais de um milhão de pessoas.
Pois é, enquanto em qualquer outro lugar do mundo o cidadão que coloca em risco a vida outras respondem perante a justiça, por aqui as autoridades estaduais achavam que era merecedor de, como prêmio, receber o cargo de prefeito.
Ah, Abdon, mas a pandemia estava em baixa durante as eleições e essa segunda onda agora tem a ver com os excessos do final de ano.
Pode ser, mas durante as eleições municipais a pandemia não tinha acabado, entretanto, as autoridades do estado e da saúde, inclusive, achavam uma “beleza” os eventos de seus candidatos.
Como poderia essas mesmas pessoas exigirem que a população deixasse de cumprimentar os seus amigos e parentes e com eles festejassem o Natal e o Ano Bom?
A leitura que faz o cidadão comum é que se as autoridades nada diziam poucos dias antes quando estavam pedindo votos, por que, poucos dias depois, iriam morrer se fossem festejar o fim de ano?
Apesar de verem mais de mil pessoas perderem a vida diariamente, pensam que a doença não existe e que podem fazer o que bem entenderem.
Até que consigamos vencer a pandemia, acredito, infelizmente, que milhares de brasileiros ainda perecerão, muitos deles por culpa das autoridades, a começar pelo presidente da República que, despreparado, não foi e não é capaz de compreender que, em uma situação de pandemia principalmente, o bom exemplo é muito mais valioso que os recursos que possa destinar ao combate da moléstia, passando pelo comportamento dúbio de governadores, prefeitos e de diversas outras autoridades, muitas delas, mais preocupadas em roubarem o dinheiro público do que salvarem vidas.
O Brasil, não tenho dúvidas, estaria bem melhor sem essa chusma de ratos que conduzem os destinos da nação.
Abdon Marinho é advogado.