AbdonMarinho - Faça o que eu digo …
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Faça o que eu digo …

FAÇA O QUE EU DIGO

Por Abdon Marinho.

BRUNO COVAS, prefeito de São Paulo, foi à final da Lib­er­ta­dores da América, no último dia 30 de janeiro de 2021, no Mara­canã, Rio de Janeiro, e envolveu-​se numa polêmica. Aliás, a polêmica foi ter ido a um está­dio de fute­bol, em plena pan­demia, quando os casos de con­t­a­m­i­nação e de mortes encontram-​se em cur­vas ascen­dentes e a cidade dirigida por ele estava na zona ver­melha ou laranja na tabela de contágio.

O ques­tion­a­mento feito com algum excesso de ênfase era o seguinte: como pode­ria sua excelên­cia, ao momento em impunha medi­das restri­ti­vas à sua pop­u­lação ia a um está­dio de fute­bol aglomerar-​se? Uma outra vari­ante do ques­tion­a­mento foi: como pode­ria alguém que tira licença do tra­balho para trata­mento médico ir refestelar-​se numa par­tida de futebol?

Em condições nor­mais seriam ques­tion­a­men­tos váli­dos, per­ti­nentes. Entre­tanto, con­forme aprendi com o mestre Alberto Tavares, deve­mos anal­isar toda situ­ação com “grano salis”, ou seja, com prudên­cia.

Assim, não atiro a primeira ou última pedra em alguém que no fres­cor da juven­tude, com ape­nas quarenta anos e com um filho ado­les­cente, tem que enfrentar um câncer agres­sivo.

Não atiro pedras em quem passa por tamanha provação.

Quem, em sã con­sciên­cia, pode repreen­der um jovem pai que, em trata­mento de câncer, deseja viver um momento que talvez lhe seja único ao lado filho ado­les­cente como uma final de Lib­er­ta­dores? Acred­ito que ninguém.

Claro, torce­mos para que o jovem prefeito con­siga vencer essa ter­rível batalha con­tra o câncer, que viva diver­sos momen­tos com o filho, quiçá, com os netos, mas quando o seu time, o San­tos, terá outra chance de ir a uma final de lib­er­ta­dores?

Pois bem, fiz essa breve digressão para aden­trar no assunto prin­ci­pal do texto: o tor­tu­oso e con­tra­ditório com­por­ta­mento das autori­dades fed­erais, estad­u­ais, munic­i­pais em relação à pan­demia e a out­ros temas, a exceção de Mário Covas, que pelas razões acima “dou um desconto”, o com­por­ta­mento das autori­dades no que­sito “dar exem­plo” é sofrível.

Ainda em São Paulo, onde o gov­er­nador João Dória tem se esmer­ado em aten­der as recomen­dações da ciên­cia em relação à pan­demia – e graças a esse esforço, emb­ora com atraso, ini­ci­amos a cam­panha de imu­niza­ção –, já come­teu seus “vac­i­los”, ini­cial­mente por retar­dar medi­das restri­ti­vas durante as eleições, deixando para fazer somente após a con­fir­mação da vitória do seu can­didato; e, depois, por logo após dec­re­tar o iso­la­mento da pop­u­lação do estado achar opor­tuno ir passear em Miami, USA.

Ora, quer dizer que você diz que as pes­soas não podem sair de casa; não pode ir ao bar; não pode ir bal­ada; não por ir ao aniver­sário da tia ou ao chur­rasco com os ami­gos; e vai passear no estrangeiro?

A reação foi tão neg­a­tiva à pos­tura do gov­er­nador que mal des­fez as malas em Miami, teve que refazê-​las nova­mente e voltar para casa, dando uma des­culpa esfar­ra­pada qual­quer.

Mais indeco­roso foi, recen­te­mente, a comem­o­ração da “vitória” do novo comando da Câmara dos Dep­uta­dos. Sim­ples­mente os maio­rais da República estavam em uma festa com dire­ito a música alta, muita bebida, comi­das caras, karaokê, abraços, bei­jos e, desnecessário dizer, ninguém usando más­caras, indu­men­tária que não com­bina com a tertúlia.

No ambi­ente lib­ertino era como se, em sen­tido fig­u­rado, dançassem sobre os quase 230 mil brasileiros que até aquele dia já haviam per­dido a vida.

Ah, se não lhes pas­sou des­perce­bido, o termo vitória aspeado é ape­nas uma lem­brança de que o sen­hor Bol­sonaro, pres­i­dente da República, para eleger seus ali­a­dos, san­grou a nação em cerca de três bil­hões de reais. Sim, dizem que a “farra” cus­tou essa for­tuna. Enquanto se mendi­gava ou dizia que dev­eríamos esperar os preços baixarem para com­prar vaci­nas; quando se dizia que não era respon­s­abil­i­dade do gov­erno fed­eral prover oxigênio para as pes­soas que mor­riam asfix­i­adas; quando se dizia que não se tinha din­heiro para amparar os menos favore­ci­dos com um auxílio emer­gen­cial, se “com­prava” apoios de par­la­mentares para eleger o comando do Con­gresso Nacional.

Cer­ta­mente o sen­hor Bol­sonaro e os seus ali­a­dos acham nor­mal que em plena pan­demia se inter­fira, a este custo, na eleição do leg­isla­tivo.

Cer­ta­mente acham que nada tem demais, enquanto brasileiros mor­reram por falta de assistên­cia médica, os recur­sos migrem das con­tas públi­cas para as con­tas pri­vadas das excelên­cias.

Será que igno­ram que os recur­sos públi­cos, sobre­tudo, os que dev­e­riam ser des­ti­na­dos para a saúde pública não chegam ao seu destino?

Mais, o próprio pres­i­dente não declarou que sepul­tara o “toma lá, dá cá”?

Pois é, quer me pare­cer que o dis­curso não com­bina muito com a prática.

Antes quem falava em com­bater a cor­rupção não só pas­sou a achá-​la per­feita­mente nor­mal, como pas­sou a “fazer o jogo” dos cor­rup­tos. E foi além, tra­bal­ham incansavel­mente para desmon­tar todo o aparato insti­tu­cional e legal de com­bate à cor­rupção.

Nem a Lava Jato sobre­viveu.

O “mecan­ismo” retorna mais forte e insti­tu­cional­izado.

Há, aprox­i­mada­mente um ano, quando tinha iní­cio a pan­demia, eu aler­tava para o risco das autori­dades não estarem à altura do desafio; de não serem capazes de pas­sarem sinais claros e exem­p­los inques­tionáveis da importân­cia do com­por­ta­mento indi­vid­ual dos cidadãos no con­t­role de com­bate da molés­tia.

Não deu outra. As autori­dades, se lixando, para vida das pes­soas “poli­ti­zaram” a pan­demia e, fiz­eram pior, não foram capazes de “casar” o dis­curso com a prática.

Isso quando o próprio dis­curso não ia em sen­tido con­trário a lóg­ica, ao bom senso e as recomen­dações das autori­dades da saúde.

Aqui no Maran­hão, por exem­plo, dia sim, dia não, o gov­er­nador ia (vai) aos seus canais de mídia dizer que o pres­i­dente da República estava “matando” pes­soas com o seu com­por­ta­mento nega­cionista – e estava –, mas, quando chegou as eleições munic­i­pais, o próprio gov­er­nador – as posta­gens estão aí para provar –, “achava bonito” as aglom­er­ações provo­cadas pelos can­didatos governistas.

Os secretários estad­u­ais, inclu­sive o da saúde, pas­mem, acharam que nada tinha demais em se rever­sarem de comí­cios em comí­cios, passeatas, etc.

Lem­bro que ques­tion­a­dos sobre isso, chegaram a dizer que não per­ten­cia às suas atribuições aquele tipo de dis­ci­plina­mento.

Chegaram ao cúmulo quando “travaram” uma guerra em apoio ao can­didato ofi­cial do gov­er­nador na cap­i­tal, can­didato que dias antes fora acu­sado de, mesmo se sabendo con­t­a­m­i­nado pela COVID-​19, ter man­tido a cam­panha nor­mal­mente, par­tic­i­pando de even­tos, cumpri­men­tado e abraçado pes­soas.

O gov­er­nador não achou “nada demais”, depois de ficar meses cobrando coerên­cia dos out­ros, sentar-​se no banco da praça, lit­eral­mente, com o seu can­didato e dizer que aquele era “homem ideal” para con­duzir os des­ti­nos de mais de um mil­hão de pes­soas.

Pois é, enquanto em qual­quer outro lugar do mundo o cidadão que coloca em risco a vida out­ras respon­dem per­ante a justiça, por aqui as autori­dades estad­u­ais achavam que era mere­ce­dor de, como prêmio, rece­ber o cargo de prefeito.

Ah, Abdon, mas a pan­demia estava em baixa durante as eleições e essa segunda onda agora tem a ver com os exces­sos do final de ano.

Pode ser, mas durante as eleições munic­i­pais a pan­demia não tinha acabado, entre­tanto, as autori­dades do estado e da saúde, inclu­sive, achavam uma “beleza” os even­tos de seus can­didatos.

Como pode­ria essas mes­mas pes­soas exi­girem que a pop­u­lação deix­asse de cumpri­men­tar os seus ami­gos e par­entes e com eles fes­te­jassem o Natal e o Ano Bom?

A leitura que faz o cidadão comum é que se as autori­dades nada diziam poucos dias antes quando estavam pedindo votos, por que, poucos dias depois, iriam mor­rer se fos­sem fes­te­jar o fim de ano?

Ape­sar de verem mais de mil pes­soas perderem a vida diari­a­mente, pen­sam que a doença não existe e que podem fazer o que bem enten­derem.

Até que con­sig­amos vencer a pan­demia, acred­ito, infe­liz­mente, que mil­hares de brasileiros ainda pere­cerão, muitos deles por culpa das autori­dades, a começar pelo pres­i­dente da República que, despreparado, não foi e não é capaz de com­preen­der que, em uma situ­ação de pan­demia prin­ci­pal­mente, o bom exem­plo é muito mais valioso que os recur­sos que possa des­ti­nar ao com­bate da molés­tia, pas­sando pelo com­por­ta­mento dúbio de gov­er­nadores, prefeitos e de diver­sas out­ras autori­dades, muitas delas, mais pre­ocu­padas em roubarem o din­heiro público do que sal­varem vidas.

O Brasil, não tenho dúvi­das, estaria bem mel­hor sem essa chusma de ratos que con­duzem os des­ti­nos da nação.

Abdon Mar­inho é advogado.