AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

Escrito por Abdon Mar­inho

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

Por Abdon Marinho.

CHAMADO a manifestar-​se sobre os fatos que ocor­riam nos Esta­dos Unidos há uma sem­ana, além de achar jus­ti­fica­tiva para defender seu ídolo, Don­ald Trump – acred­ito que dos países que mere­cem refer­ên­cia, o único a fazê-​lo –, dizendo haver supostas notí­cias fraudes nas eleições pres­i­den­ci­ais amer­i­canas, fato cir­cun­scrito ao próprio der­ro­tado e a um pequeno cír­culo de seguidores devo­tos de teo­rias con­spir­atórias, já rechaçado por todas autori­dades amer­i­canas, incluindo as judi­ciárias, que ates­taram a legit­im­i­dade do processo, o pres­i­dente do Brasil, sen­hor Bol­sonaro, fez uma declar­ação para o público interno de sin­gu­lar gravidade.

Sua excelên­cia disse naquele seu estilo trun­cado próprio de quem não tem muita famil­iari­dade com a lín­gua pátria que por aqui, em 2022, acon­te­cerá coisas bem piores, caso não seja aprovado e colo­cado em prática o voto impresso.

A cada colo­cação fora de hora e de tom do pres­i­dente, apare­cem min­istros, asses­sores e até o vice-​presidente para “traduzir” o que ele disse e/​ou colo­car “panos quentes” ou apon­tar “erros” de inter­pre­tação, geral­mente atribuí­das a imprensa.

Como para essa declar­ação ainda não sur­gi­ram os tradu­tores, deve­mos imag­i­nar que o pres­i­dente, inspi­rado por seu ídolo amer­i­cano, pre­tende fazer o mesmo no Brasil em 2022, caso o resul­tado das eleições não lhe seja favorável: insu­flar uma insur­reição ou golpe.

Deve­mos imag­i­nar isso não ape­nas por suas palavras, mas, sobre­tudo, porque desde o iní­cio do seu mandato, e por quase dois anos, ele e seus ali­a­dos foram os prin­ci­pais incen­ti­vadores de man­i­fes­tações pedindo o fechamento do Con­gresso Nacional, do Supremo Tri­bunal Fed­eral e do retorno de uma ditadura com o pres­i­dente no comando, uma espé­cie de auto golpe.

Além disso, o pres­i­dente e seus ali­a­dos são os prin­ci­pais incen­ti­vadores a uma política de armar a pop­u­lação civil – acred­i­tando que entre seus seguidores mais rad­i­cais estarão os maiores ben­efi­ciários de tais políti­cas –, e, sabe­mos agora, é um grande defen­sor da fed­er­al­iza­ção das polí­cias estad­u­ais, outro segui­mento onde suas ideias são mais apoiadas.

Vejam, pelo menos em tese, não sou con­tra mais um mecan­ismo que for­t­aleça a segu­rança do voto eletrônico; não sou con­tra ao dire­ito do cidadão pos­suir armas para a defesa pes­soal; e não me recuso a dis­cu­tir pro­je­tos de lei que garan­tam autono­mia para as polí­cias.

Noutra, quadra, entre­tanto, quando soma os even­tos prece­dentes, os dis­cur­sos e man­i­fes­tações com estas políti­cas e pro­je­tos, basta saber somar para enten­der que o atual pres­i­dente tra­balha com a per­spec­tiva de con­struir as condições para um golpe na democ­ra­cia, amparado por mil­itares das forças armadas, das polí­cias mil­itares estad­u­ais e por milí­cias civis, uti­lizando como des­culpa a mesma nar­ra­tiva de que o sis­tema eleitoral brasileiro é fraud­u­lento.

Tal qual fez o seu ídolo americano.

Se nos Esta­dos Unidos as insti­tu­ições repub­li­canas sec­u­lares segu­raram o “tranco”, aqui não tenho certeza se ocor­rerá o mesmo, sobre­tudo, por que esta­mos assistindo com inco­mum pas­sivi­dade das autori­dades e da classe política essa “preparação” de golpe.

Desde que foi eleito pres­i­dente o sen­hor Bol­sonaro diz que o sis­tema de votação eletrônico brasileiro é propí­cio a fraudes, emb­ora tenha sido eleito dep­utado fed­eral diver­sas vezes sem nunca recla­mar e nunca tenha apon­tado qual­quer ele­mento capaz de com­pro­var ou apon­tar qual­quer indí­cio de que houve alguma fraude desde a implan­tação da votação eletrônica há mais de 20 anos.

O pres­i­dente da República é o chefe da Polí­cia Fed­eral, da Agên­cia Brasileira de Inteligên­cia — Abin, por que não deter­mina que apurem as suas sus­peitas de que as eleições no Brasil estão sendo frau­dadas esses anos todos? Por que não aproveita que está no comando e pede para tirarem essa sua sus­peita a limpo?

Talvez porque não lhe inter­esse fazer isso.

Acom­panho eleições no Brasil há mais trinta anos, antes e depois do sis­tema eletrônico de votação.

Antes do sis­tema eletrônico a história reg­is­tra infini­tas fraudes. Depois do sis­tema eletrônico não tive­mos mais notí­cias de fraudes.

É certo que a cada eleição sem­pre aparece um ou outro dizendo que seus votos sumi­ram.

Esta última eleição, inclu­sive, está cheia de história deste tipo, sobre­tudo, dev­ido a pul­ver­iza­ção de múlti­plas can­di­dat­uras dev­ido à proibição de col­i­gações par­tidárias nas eleições pro­por­cionais.

De todas as infor­mações de fraudes que recebi, não apare­ceu um único episó­dio de divergên­cia entre o bole­tim de urna e o resul­tado da total­iza­ção.

O sis­tema eleitoral brasileiro é auditável e trans­par­ente. Cada seção eleitoral tem um número X de eleitores; no iní­cio da votação é emi­tido um extrato da urna com­pro­vando ela se encon­tra “zer­ada”, sem qual­quer voto; ao final é emi­tido o bole­tim da urna, infor­mando quan­tos eleitores votaram, quais can­didatos obtiveram votos, quais par­tidos, quan­tos anu­laram os votos e quan­tos votaram em branco.

Antes, durante e depois do pleito os par­tidos e/​ou can­didatos podem fis­calizar o processo, aliás, podem fis­calizar desde a qual­i­fi­cação dos eleitores.

Em mais de vinte anos, nunca ninguém me apre­sen­tou um ele­mento com­pro­batório de que houve alguma fraude.

Mas o sen­hor Bol­sonaro, sem qual­quer prova, diz que há fraude que pro­moverá uma insur­reição caso as urnas de 2022 não lhe sejam favoráveis.

Pois bem, as palavras do pres­i­dente – e mais muitas de suas ati­tudes –, estão no lim­iar, se é que não ultra­pas­saram, do que sejam crimes de respon­s­abil­i­dade, pre­vis­tos no artigo 85 da Con­sti­tu­ição Fed­eral, pois, ao menos em tese, aten­tam con­tra a existên­cia da União e Segu­rança interna do país, incisos I e IV, pois resta claro que pre­tende a sub­l­e­vação de mil­itares e civis, caso o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais não seja o que deseja.

Se alguém acha ques­tionável o enquadra­mento nos crimes de respon­s­abil­i­dade estatuí­dos na Carta repub­li­cana, dúvi­das não restarão de que o com­por­ta­mento, palavras e ati­tudes da autori­dade máx­ima do país vio­lam diver­sos arti­gos da Lei de Crimes con­tra a Segu­rança Nacional, Lei nº 7.170÷1983.

Basta exam­i­nar as palavras, as ati­tudes, as ações para fazer o enquadra­mento.

Infe­liz­mente, o pres­i­dente se blindou con­tra isso ao nomear um Procurador-​Geral da República que lhe é fã e que, além de não procu­rar coisa alguma, teima em não enx­er­gar o que lhe está à vis­tas.

Estran­hamente ninguém parece enx­er­gar o com­por­ta­mento insur­reto do pres­i­dente con­tra a democ­ra­cia brasileira, con­struída a duras penas, ou não se abala com o desserviço que presta à nação em plena pan­demia, que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.

Isso não parece escan­dalizar ninguém ou são cíni­cos demais para perceber.

O que escan­dal­i­zou diver­sos segui­men­tos da sociedade brasileira foi a sug­estão de um jor­nal­ista e repro­duzida por outro, de que o pres­i­dente Bol­sonaro pode­ria imi­tar o ídolo Don­ald Trump caso aquele resolvesse come­ter o ato extremo de tirar a própria vida.

Vi diver­sos protestos e recla­mações de que jamais se pode­ria dar esse tipo de sug­estão para o pres­i­dente da República.

Até parece que alguém dizer ou sug­erir tal coisa iria fazê-​lo acatar a sugestão.

O min­istro da Justiça, por descon­hecer con­ceitos mín­i­mos de dire­ito ou no afã de adu­lar o chefe, infor­mou que deter­mi­nara a Polí­cia Fed­eral que inves­ti­gasse o pos­sível come­ti­mento de crime pre­visto do artigo 122 do Código Penal Brasileiro (Art. 122. Induzir ou insti­gar alguém a suicidar-​se ou a praticar auto­mu­ti­lação ou prestar-​lhe auxílio mate­r­ial para que o faça;).

Emb­ora ache de mau gosto e até con­trário ao sen­ti­mento de piedade cristã esse tipo de colo­cação con­siderando as mil­hares de víti­mas que anual­mente cedem à fraqueza e come­tem o gesto extremo, o assunto não dev­e­ria ser tratado fora de tais limites.

Qual­quer calouro de fac­ul­dade de dire­ito, ainda a mais vagabunda, sabe que os jor­nal­is­tas – o que escreveu e o que repro­duziu o texto –, não podem ser enquadrado neste tipo penal.

Dizer que fulano ou sicrano pode­ria pode­ria seguir o exem­plo de alguém caso essa pes­soa resolvesse come­ter o gesto extremo não tem nada a ver com tipo penal inserto não Código Penal Brasileiro.

Essa “babaquice”, esse afã adu­lador do min­istro só serve para com­pro­var o quanto lhe falta de con­teúdo e con­hec­i­mento para o exer­cí­cio do cargo ou acred­ita que a Polí­cia Fed­eral não tem nada mais impor­tante para fazer.

Quer dizer que se alguém man­dar uma peça de corda para o palá­cio como pre­sente ao pres­i­dente pode­ria ser enquadrado no mesmo artigo por prestar auxílio material?

O mesmo se aplica aos demais adu­ladores que se revoltaram con­tra os jor­nal­is­tas.

Parem de idi­o­tice!

Parem com essa patética adulação?

O pres­i­dente da República jamais come­te­ria o gesto extremo – mesmo que fosse para seguir o Trump.

Em que pese não sen­tir ou demon­strar qual­quer empa­tia pela vida humana – e já cansamos de assi­s­tir a falta de sol­i­dariedade às famílias das mil­hares de víti­mas da tragé­dia da pan­demia, mais de 200 mil –, ele demon­stra muito gostar da “sua” própria vida.

Abdon Mar­inho é advogado.

Os EUA vivem seu dia de República de bananas.

Escrito por Abdon Mar­inho

OS EUA VIVEM SEU DIA DE REPÚBLICA DE BANANAS.

Por Abdon Marinho.

A NOTÍ­CIA alcançou-​me enquanto me deslo­cava entre um municí­pio e outro do inte­rior do estado: seguidores do pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump acabavam de invadir o Capitólio – sede do leg­isla­tivo daquele país –, que se encon­trava em sessão solene ou pro­to­co­lar para cer­ti­ficar o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais ocor­ri­das em 3 de novem­bro de 2020.

Com a des­culpa de tomar um café e fazer um lanche para seguir viagem paramos no municí­pio seguinte quando pude acom­pan­har com mais calma os acon­tec­i­men­tos. Diver­sos sites de notí­cias trans­mi­tiam ao vivo o que estava acon­te­cendo.

Enquanto seguia viagem, con­forme a inter­net per­mita, acom­pan­hava as infor­mações. À noite, mal chegando ao hotel, já liguei a tele­visão nos diver­sos canais de notí­cias – alter­nando entre um e outro –, e, tam­bém, pela inter­net, segui acom­pan­hando os fatos, as man­i­fes­tações e análises até altas horas da noite.

Sem qual­quer som­bra de dúvida o assunto mais impor­tante da sem­ana – quiçá do mês, do ano, da década –, foi a mal­ograda ten­ta­tiva de golpe sofrida pela democ­ra­cia amer­i­cana, as cenas vex­atórias de par­la­mentares tendo que ser reti­ra­dos às pres­sas por pas­sagens sec­re­tas, servi­dores públi­cos e jor­nal­is­tas escon­di­dos sob mesas e cadeiras e, por fim, o san­grento saldo de cinco mor­tos (qua­tro man­i­fes­tantes e um poli­cial), enver­gonharam e reduzi­ram o sta­tus daquela que por mais de duzen­tos anos foi con­sid­er­ada a maior democ­ra­cia oci­den­tal ao de “república de bananeiras”, igualando-​a a tan­tas out­ras do mesmo con­ti­nente: América Cen­tral, do Sul, Caribe, ou mesmo as nefas­tas e san­grentas ditaduras africanas.

O triste sta­tus de republi­queta de bananas foi lem­brado por um ex-​presidente amer­i­cano, George W. Bush; e por par­la­men­tar do par­tido Repub­li­cano, enquanto se diri­gia apres­sada­mente, no calor da invasão do Capitólio, para um abrigo.

O termo “república de bananas” lem­brado pelos dois políti­cos foi con­sol­i­dado durante os anos 50, 60 e 70 do século pas­sado para des­ig­nar aque­las nações que tin­ham como dos prin­ci­pais ativos econômi­cos a pro­dução de bananas e que a insta­bil­i­dade política as lev­avam a uma série de golpes e con­tragolpes, muitos deles estim­u­la­dos por países viz­in­hos e, prin­ci­pal­mente, pelos Esta­dos Unidos.

Afora a gravi­dade do acon­te­cido, não deixa de ser irônico que os Esta­dos Unidos, respon­sáveis por estim­u­lar tan­tos golpes ao redor do mundo ten­ham enfrentado uma ten­ta­tiva de golpe desmor­al­izante den­tro do seu próprio ter­ritório, na sua cap­i­tal fed­eral, den­tro do seu sím­bolo maior da democ­ra­cia.

Vi algu­mas pes­soas ten­tando com­parar o episó­dio a out­ros episó­dios de protestos ocor­ri­dos nos Esta­dos Unidos, como os acon­te­ci­dos em protestos con­tra a vio­lên­cia poli­cial ou por coques raci­ais e, ainda, a episó­dios noutros países, inclu­sive no Brasil, como a invasão do Con­gresso Nacional por inte­grantes do Movi­mento dos Tra­bal­hadores Sem Ter­ras — MST, lá atrás.

Dis­cordo destas analo­gias e com­para­ções. O episó­dio amer­i­cano foi uma clara ten­ta­tiva de golpe nos moldes das que assis­ti­mos tan­tas vezes em diver­sas democ­ra­cias embri­onárias.

Igno­rar ou min­i­mizar tal fato é descon­hecer a história ou “acoitar” o inde­fen­sável.

Por isso os Esta­dos Unidos e o mundo assi­s­ti­ram per­plexos os acon­tec­i­men­tos do dia 6 de janeiro de 2021, tento, inclu­sive, alguns par­la­mentares amer­i­canos se referido a tal data como mais uma data a ser inscrita na relação de “dia da infâmia”.

Os líderes mundi­ais de todos os países – os que valem a pena referir-​se –, exceto do Brasil, que apressou-​se em achar mérito onde só existe des­onra, con­denaram de forma vee­mente a ten­ta­tiva de golpe patroci­nada pelo ainda pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump – muitos pre­ocu­pa­dos com o que pos­sam ocor­rer em seus próprios países; out­ros para legit­i­mar seus regimes autocráti­cos; e, out­ros ape­nas para ironizar e “tirar sarro” da cara dos amer­i­canos.

O certo é que qual­quer pes­soa que pos­sua um mín­imo de lucidez e não esteja “con­t­a­m­i­nada” pelo ide­ol­o­gismo de ocasião, sabe o grave sig­nifi­cado para as democ­ra­cias oci­den­tais dos fatos ocor­ri­dos nos Estado Unidos.

Uma democ­ra­cia con­sol­i­dada há mais de duzen­tos anos e tida como refer­ên­cia e inspi­ração para diver­sas out­ras nações de repente, e pela ação de uma única pes­soa – o seu pres­i­dente –, teve seu dia de ver­gonha, de ten­ta­tiva de golpe, em resumo, de republi­queta de bananas.

Não que eu acred­ite que a ten­ta­tiva de golpe tivesse qual­quer chance de pros­perar em um país com insti­tu­ições tão sól­i­das, entre­tanto, só o fato de um pres­i­dente amer­i­cano cog­i­tar a pos­si­bil­i­dade e estim­u­lar que seguidores seus ataquem o poder leg­isla­tivo numa ten­ta­tiva der­radeira de “melar” o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais, já é, por si, algo muito grave.

O sis­tema eleitoral amer­i­cano – difer­ente do nosso, em que cada cidadão tem dire­ito a um voto de peso igual –, lá impera o mod­elo do colé­gio eleitoral, onde mesmo um can­didato que perdeu na votação pop­u­lar pode sagrar-​se vence­dor se fizer a maio­ria do cole­giado.

Na eleição ante­rior, em 2016, o atual pres­i­dente, perdeu na votação pop­u­lar por mais de qua­tro mil­hões de votos para a can­di­data democ­rata, Hillary Clin­ton, e sagrou-​se pres­i­dente por ter con­seguido a maio­ria dos votos no cole­giado.

Na última eleição pres­i­den­cial amer­i­cana o atual pres­i­dente, sen­hor Don­ald Trump perdeu por cerca de oito mil­hões de votos e, ape­sar disso, insis­tia em per­manecer pres­i­dente, ale­gando supostas fraudes que ninguém, além dele e do seu cír­culo íntimo, con­seguiu enx­er­gar.

Todas as recon­ta­gens e todas as ten­ta­ti­vas de ques­tionar o resul­tado das eleições foram rechaçadas pelas autori­dades eleitorais e judi­ci­ais daquele país.

Foram quase uma cen­tena de ações ques­tio­nando os resul­ta­dos das urnas em diver­sos esta­dos sem que nen­hum juiz lhe desse um pingo de razão – mesmo aque­les que foram nomea­dos por ele.

Se as recon­ta­gens e as ações judi­ci­ais não apon­taram para fraudes, o mesmo não pode se dizer do com­por­ta­mento do pres­i­dente Trump, fla­grado em dezenas de tele­fone­mas pres­sio­n­ando autori­dades eleitorais do seu próprio par­tido para que “con­seguis­sem” os votos que lhe fal­tavam para con­seguir os del­e­ga­dos no colé­gio eleitoral.

Os fun­dadores do país, chama­dos “pais da pátria” que inven­taram o mod­elo do colé­gio na esper­ança de, com isso, evitarem que líderes pop­ulis­tas alcançassem o poder e destruíssem a democ­ra­cia, cer­ta­mente, estão a revirar-​se nos túmu­los vendo que o mod­elo não é tão seguro quanto pen­saram.

Em 2016, Don­ald Trump, con­forme já dis­se­mos, perdeu por cerca de qua­tro mil­hões de votos e sagrou-​se pres­i­dente dos Esta­dos Unidos, con­trar­iando o pesavam os “pais da pátria”, um pop­ulista que fez da men­tira um método, der­ro­tou o sis­tema amer­i­cano, pois, emb­ora, com menos votos que a opo­nente, focou na estraté­gia do colé­gio eleitoral e con­seguiu a maio­ria dos del­e­ga­dos.

Em 2020, indifer­ente à insat­is­fação da maio­ria da pop­u­lação com dire­ito a voto que impôs uma der­rota por cerca de 8 mil­hões de votos – e tam­bém do colé­gio eleitoral –, ten­tou gan­har “no grito”, com fal­sas acusações de fraudes, com o duplo propósito: de per­manecer no poder e, mais grave, dar um xeque-​mate na democ­ra­cia oci­den­tal.

Em um ano atípico por causa da pan­demia que já cei­fara mil­hares de mortes naquele país, e com o voto sendo fac­ul­ta­tivo, mil­hões de amer­i­canos se dis­puseram a votar, de ambos os lados. Mas a maio­ria deu a vitória aos democ­ratas.

O que isso importa?

Para ególa­tras, como o pres­i­dente amer­i­cano, seus mil­hões de seguidores nos Esta­dos Unidos e ao redor do mundo a democ­ra­cia é a sua per­manên­cia no poder, inde­pen­dente da von­tade da maio­ria da pop­u­lação.

Na “con­strução” desta visão bem par­tic­u­lar de enx­er­gar o mundo for­jam nar­ra­ti­vas de que a von­tade pop­u­lar foi vici­ada pela mídia ou por out­ros fatos ou cir­cun­stân­cias. Tra­bal­ham inces­san­te­mente para “apar­el­har” ou desmere­cer as insti­tu­ições repub­li­canas, pois elas fortes e/​ou inde­pen­dentes são os úni­cos obstácu­los entre estes ilu­mi­na­dos e o poder eterno.

Vimos na ten­ta­tiva de golpe nos Esta­dos Unidos o próprio pres­i­dente der­ro­tado nas urnas con­vo­car, através de suas redes soci­ais, seus aliados/​militantes para se faz­erem pre­sente a Wash­ing­ton D. C., no dia 06 de janeiro de 2021, infor­mando que coisas graves iriam acon­te­cer; pos­te­ri­or­mente, diante do fato do vice-​presidente e pres­i­dente do Senado Amer­i­cano, Mike Pence, recusar-​se a ceder os seus capri­chos e impedir a cer­ti­fi­cação da vitória do seu adver­sário Joe Biden, con­cla­mar, pes­soal e dire­ta­mente, a malta de seguidores a mar­charem para o Capitólio – como fiz­eram os fascis­tas na Itália e os nazis­tas na Ale­manha, na primeira metade do século pas­sado –, numa patética ten­ta­tiva de impedir um ato pro­to­co­lar, mas necessário, para a posse do adver­sário em 20 de janeiro.

Quem pode­ria imag­i­nar que algum dia iríamos teste­munhar coisas deste tipo na maior democ­ra­cia do oci­dente? Talvez os Simp­sons, que, lá atrás, “pre­vi­ram” a improvável vitória de Trump.

Os cidadãos de bem pre­cisamos ficar aler­tas, o episó­dio amer­i­cano é um triste prenún­cio do que out­ros esbir­ros autoritários poderão ten­tar no resto do mundo.

Nos Esta­dos Unidos, emb­ora desmor­al­iza­dos e enver­gonhados, os amer­i­canos e suas insti­tu­ições “segu­rara” a afronta der­radeira, noutros países, em par­tic­u­lar, no Brasil, daqui a dois anos, não sabe­mos como será.

Com a sin­ceri­dade própria dos incon­se­quentes, o pres­i­dente do Brasil já anun­ciou que será bem pior, caso suas von­tades – e capri­chos –, não sejam atendidas.

Pre­cisamos ficar aten­tos, como já nos ensi­nou a história, o preço da liber­dade é a eterna vig­ilân­cia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Uma trégua de Natal

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA TRÉGUA DE NATAL.

Por Abdon Marinho.

UM amigo reclama da ausên­cia dos tex­tões – pois é, tem quem sinta falta. Rsrsrs.

Impus-​me essa parada pouco antes do Natal e que deve ir até o Dia de Reis. Fiz isso, não pela falta de assun­tos para comen­tar, pelo con­trário. Decidi parar jus­ta­mente pelo excesso de assun­tos de uma pauta política que não encon­tra um momento de trégua.

O Brasil, entenda-​se com isso, o con­junto dos cidadãos brasileiros, parece-​me, não saber mais o sig­nifi­cado de Natal, Ano Bom, dia de Reis, tudo é polit­ica, tudo é enfrenta­mento, tudo é guerra ide­ológ­ica.

A pauta política, como se estivesse acima de tudo e de todos, é o que os guia. Não sabem mais o que sig­nifica trégua natalina, essa reta final do ano em que as pes­soas – era assim até bem pouco tempo –, se ded­ica a reflexão sobre o sen­tido da vida, rep­re­sen­tado pela comem­o­ração do nasci­mento do Menino Jesus e a fé em um futuro mel­hor que se chamava de “Ano Bom”.

Sufo­caram o país com os debates extrema­dos e ninguém mais ligou para o sen­tido do Natal e do Ano Bom.

O que inter­essa, a única coisa que pas­sou a inter­es­sar ao país, é o insano debate político.

Cheg­amos ao ponto de, na noite de Natal, o pres­i­dente da República, ao invés de se diri­gir à nação com um dis­curso de con­forto pelo natalí­cio do Deus Homem, ocupou-​se, em sua live sem­anal de fazer pros­elit­ismo sobre suas pau­tas políti­cas, em espe­cial aquela que lhe parece mais cara: armar a pop­u­lação civil ou a for­mação de milí­cias, sob o argu­mento de que “os ban­di­dos já estão armados”.

Em tese, pes­soal­mente, não sou refratário a ideia de que o cidadão tem o dire­ito de adquirir armas para a defesa pes­soal, entre­tanto, não acred­ito que essa deva ser a pauta do país em um momento de tamanha difi­cul­dade para todo mundo por conta de uma pan­demia e com o país chegando próx­imo à estar­rece­dora marca de 200 mil mor­tos pela covid-​19.

Em um país em a pop­u­lação de pes­soas por­ta­do­ras de neces­si­dades espe­ci­ais é de quase dez por cento, parece-​me um escárnio que se fale em armar a pop­u­lação e zerar as tar­i­fas de impor­tações de armas e, ao mesmo tempo man­ter tar­i­fas de impor­tação para pro­du­tos médi­cos e/​ou ortopédi­cos.

Ainda mais, que seja esta a pauta a ser tratada na noite de Natal.

Se já era um excesso o dis­curso arma­men­tista do pres­i­dente da República na noite de Natal ou invés de uma men­sagem de con­forto para uma uma pop­u­lação assom­brada pela mais tragé­dia human­itária deste século, a reação ou con­tra­posição de um gov­er­nador de estado a tal dis­curso, com­para­ndo o man­datário da nação à “besta fera” e que tal fala seria coisa de “satanás”, ape­nas com­prova a que nível chegou a política nacional.

Em uma nação onde mais de noventa por cento da pop­u­lação se diz cristã, para a prin­ci­pal data da cri­stan­dade, o nasci­mento de Jesus Cristo, autori­dades “con­vi­dam” para Ceia de Natal, “milí­cias armadas”, a “besta fera” e “satanás”.

Pois é, para a des­graça da nação, parece-​nos que as “autori­dades” já não pos­suem qualque senso de pro­por­cional­i­dade, de decoro ou mesmo do ridículo.

Será que alguém achou nor­mal que na noite de Natal fos­sem feitos tais dis­cur­sos?

O pior é que a pop­u­lação – ou devo dizer, o gado trav­es­tido de mil­itân­cia –, achou nor­mal e, na véspera de natal, na própria noite de Natal, ao invés de estarem com suas famílias saudando o nasci­mento de Jesus, estavam de lado a lado, reper­cutindo as insanidades de seus líderes.

A insanidade que toma conta da política nacional chegou a esse “estar­rece­dor” ponto.

Por tudo isso – até porque não tocarei bum­bos para malu­cos dançarem –, resolvi esta­b­ele­cer uma “trégua natalina”, que, como dito ante­ri­or­mente, deve durar até o Dia de Reis, data, segundo a tradição cristã, encerra-​se o cír­culo do nasci­mento de Jesus Cristo.

Essa foi a razão para não ter me man­i­fes­tado sobre tan­tos assun­tos que os políti­cos insanos impuseram à pop­u­lação como os mais rel­e­vantes para a sociedade.

Tudo isso, repito, pas­sando por cima de toda a tradição de respeito ao período natal­ino.

Con­fesso que fique ten­tado a manifestar-​me sobre a “pauta maluca”, mas me con­tive para não lhes dar esse “gostinho”, como dizíamos ante­ri­or­mente.

O restante da pop­u­lação dev­e­ria fazer o mesmo. Sim­ples­mente igno­rar as insanidades pro­tag­on­i­zadas pelos líderes da nação pois nen­hum deles têm qual­quer inter­esse no bem-​estar do povo.

Para eles o povo não mere­cem qual­quer respeito e não pas­sam de “massa de manobra” para os seus pro­je­tos de poder.

Essa pauta política que não encon­tra uma trégua nem na noite de Natal trata-​se ape­nas de briga pelo poder, nada além disso. E, pior, ninguém tem inter­esse em con­quis­tar e deter o poder em prol do bem comum, mas, ape­nas dos seus próprios inter­esses.

A guerra política e o inces­sante enfrenta­mento é uma “dis­tração” para man­ter o povo sec­tário de ambos os lados e inca­pazes de enx­er­garem o que ver­dadeira­mente são: líderes de “pés de barro”, incon­sis­tentes ide­o­logi­ca­mente e incom­pen­tentes nos e exer­cí­cios dos mandatos que lhe foram con­fi­a­dos.

Este é um dos motivos para a “guerra política”.

Sem as “dis­trações” as pes­soas terão tempo para examiná-​los e, inclu­sive, perce­ber as fal­has de caráter que pos­suem.

Por isso que não respeitam as tradições do Natal e de ano bom, pois é impor­tante man­ter a beligerân­cia entre seus “fac­ciona­dos”.

Entra dia, sai dia, e as “guer­ras fakes” inun­dam as redes soci­ais, os gru­pos de aplica­tivo como se não hou­vesse qual­quer outro inter­esse do povo enquanto mil­hares já perderam a vida e out­ros tan­tos ainda a perderão. Nem o recesso natal­ino e de ano são respeita­dos. Nem mesmo a noite de Natal, con­forme assis­ti­mos estarrecidos.

Vejam que mesmo em guer­ras de ver­dade é comum se obser­var tréguas de natal.

O exem­plo mais tocante neste sen­tido deu-​se no Natal de 1914, na Primeira Guerra Mundial, nas prox­im­i­dades da cidade de Yprès, Bél­gica. Durante meses de inten­sos com­bates e em trincheiras próx­i­mas, na noite de 24 de dezem­bro, os com­ba­t­iam seus inimi­gos começaram a sair de suas trincheiras desar­ma­dos e irem para “terra de ninguém”, onde pode­riam ser abati­dos por seus inimi­gos, para desejarem-​lhes feliz natal. Naquela noite e no dia seguinte, a trégua de natal foi respeitada. Sem ordens supe­ri­ores, sem políti­cos deter­mi­nando. Ape­nas homens que enten­diam o real sig­nifi­cado do Natal.

A guerra depois prosseguiu e, infe­liz­mente, por muitos anos. Mil­hares de vidas foram per­di­das e muitos daque­les sol­da­dos e seus supe­ri­ores punidos. Mas nada tira a grandeza daquela trégua de Natal.

Aqui, nas nos­sas “guer­ras fakes” do dia a dia, nem o nasci­mento de Cristo é capaz de deter­mi­nar uma trégua.

Não para nós e para os homens de boa von­tade.

Temos muitos assun­tos a tratar, mas fare­mos isso no tempo certo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.