AbdonMarinho - Os EUA vivem seu dia de República de bananas.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Os EUA vivem seu dia de República de bananas.

OS EUA VIVEM SEU DIA DE REPÚBLICA DE BANANAS.

Por Abdon Marinho.

A NOTÍ­CIA alcançou-​me enquanto me deslo­cava entre um municí­pio e outro do inte­rior do estado: seguidores do pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump acabavam de invadir o Capitólio – sede do leg­isla­tivo daquele país –, que se encon­trava em sessão solene ou pro­to­co­lar para cer­ti­ficar o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais ocor­ri­das em 3 de novem­bro de 2020.

Com a des­culpa de tomar um café e fazer um lanche para seguir viagem paramos no municí­pio seguinte quando pude acom­pan­har com mais calma os acon­tec­i­men­tos. Diver­sos sites de notí­cias trans­mi­tiam ao vivo o que estava acon­te­cendo.

Enquanto seguia viagem, con­forme a inter­net per­mita, acom­pan­hava as infor­mações. À noite, mal chegando ao hotel, já liguei a tele­visão nos diver­sos canais de notí­cias – alter­nando entre um e outro –, e, tam­bém, pela inter­net, segui acom­pan­hando os fatos, as man­i­fes­tações e análises até altas horas da noite.

Sem qual­quer som­bra de dúvida o assunto mais impor­tante da sem­ana – quiçá do mês, do ano, da década –, foi a mal­ograda ten­ta­tiva de golpe sofrida pela democ­ra­cia amer­i­cana, as cenas vex­atórias de par­la­mentares tendo que ser reti­ra­dos às pres­sas por pas­sagens sec­re­tas, servi­dores públi­cos e jor­nal­is­tas escon­di­dos sob mesas e cadeiras e, por fim, o san­grento saldo de cinco mor­tos (qua­tro man­i­fes­tantes e um poli­cial), enver­gonharam e reduzi­ram o sta­tus daquela que por mais de duzen­tos anos foi con­sid­er­ada a maior democ­ra­cia oci­den­tal ao de “república de bananeiras”, igualando-​a a tan­tas out­ras do mesmo con­ti­nente: América Cen­tral, do Sul, Caribe, ou mesmo as nefas­tas e san­grentas ditaduras africanas.

O triste sta­tus de republi­queta de bananas foi lem­brado por um ex-​presidente amer­i­cano, George W. Bush; e por par­la­men­tar do par­tido Repub­li­cano, enquanto se diri­gia apres­sada­mente, no calor da invasão do Capitólio, para um abrigo.

O termo “república de bananas” lem­brado pelos dois políti­cos foi con­sol­i­dado durante os anos 50, 60 e 70 do século pas­sado para des­ig­nar aque­las nações que tin­ham como dos prin­ci­pais ativos econômi­cos a pro­dução de bananas e que a insta­bil­i­dade política as lev­avam a uma série de golpes e con­tragolpes, muitos deles estim­u­la­dos por países viz­in­hos e, prin­ci­pal­mente, pelos Esta­dos Unidos.

Afora a gravi­dade do acon­te­cido, não deixa de ser irônico que os Esta­dos Unidos, respon­sáveis por estim­u­lar tan­tos golpes ao redor do mundo ten­ham enfrentado uma ten­ta­tiva de golpe desmor­al­izante den­tro do seu próprio ter­ritório, na sua cap­i­tal fed­eral, den­tro do seu sím­bolo maior da democ­ra­cia.

Vi algu­mas pes­soas ten­tando com­parar o episó­dio a out­ros episó­dios de protestos ocor­ri­dos nos Esta­dos Unidos, como os acon­te­ci­dos em protestos con­tra a vio­lên­cia poli­cial ou por coques raci­ais e, ainda, a episó­dios noutros países, inclu­sive no Brasil, como a invasão do Con­gresso Nacional por inte­grantes do Movi­mento dos Tra­bal­hadores Sem Ter­ras — MST, lá atrás.

Dis­cordo destas analo­gias e com­para­ções. O episó­dio amer­i­cano foi uma clara ten­ta­tiva de golpe nos moldes das que assis­ti­mos tan­tas vezes em diver­sas democ­ra­cias embri­onárias.

Igno­rar ou min­i­mizar tal fato é descon­hecer a história ou “acoitar” o inde­fen­sável.

Por isso os Esta­dos Unidos e o mundo assi­s­ti­ram per­plexos os acon­tec­i­men­tos do dia 6 de janeiro de 2021, tento, inclu­sive, alguns par­la­mentares amer­i­canos se referido a tal data como mais uma data a ser inscrita na relação de “dia da infâmia”.

Os líderes mundi­ais de todos os países – os que valem a pena referir-​se –, exceto do Brasil, que apressou-​se em achar mérito onde só existe des­onra, con­denaram de forma vee­mente a ten­ta­tiva de golpe patroci­nada pelo ainda pres­i­dente amer­i­cano Don­ald Trump – muitos pre­ocu­pa­dos com o que pos­sam ocor­rer em seus próprios países; out­ros para legit­i­mar seus regimes autocráti­cos; e, out­ros ape­nas para ironizar e “tirar sarro” da cara dos amer­i­canos.

O certo é que qual­quer pes­soa que pos­sua um mín­imo de lucidez e não esteja “con­t­a­m­i­nada” pelo ide­ol­o­gismo de ocasião, sabe o grave sig­nifi­cado para as democ­ra­cias oci­den­tais dos fatos ocor­ri­dos nos Estado Unidos.

Uma democ­ra­cia con­sol­i­dada há mais de duzen­tos anos e tida como refer­ên­cia e inspi­ração para diver­sas out­ras nações de repente, e pela ação de uma única pes­soa – o seu pres­i­dente –, teve seu dia de ver­gonha, de ten­ta­tiva de golpe, em resumo, de republi­queta de bananas.

Não que eu acred­ite que a ten­ta­tiva de golpe tivesse qual­quer chance de pros­perar em um país com insti­tu­ições tão sól­i­das, entre­tanto, só o fato de um pres­i­dente amer­i­cano cog­i­tar a pos­si­bil­i­dade e estim­u­lar que seguidores seus ataquem o poder leg­isla­tivo numa ten­ta­tiva der­radeira de “melar” o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais, já é, por si, algo muito grave.

O sis­tema eleitoral amer­i­cano – difer­ente do nosso, em que cada cidadão tem dire­ito a um voto de peso igual –, lá impera o mod­elo do colé­gio eleitoral, onde mesmo um can­didato que perdeu na votação pop­u­lar pode sagrar-​se vence­dor se fizer a maio­ria do cole­giado.

Na eleição ante­rior, em 2016, o atual pres­i­dente, perdeu na votação pop­u­lar por mais de qua­tro mil­hões de votos para a can­di­data democ­rata, Hillary Clin­ton, e sagrou-​se pres­i­dente por ter con­seguido a maio­ria dos votos no cole­giado.

Na última eleição pres­i­den­cial amer­i­cana o atual pres­i­dente, sen­hor Don­ald Trump perdeu por cerca de oito mil­hões de votos e, ape­sar disso, insis­tia em per­manecer pres­i­dente, ale­gando supostas fraudes que ninguém, além dele e do seu cír­culo íntimo, con­seguiu enx­er­gar.

Todas as recon­ta­gens e todas as ten­ta­ti­vas de ques­tionar o resul­tado das eleições foram rechaçadas pelas autori­dades eleitorais e judi­ci­ais daquele país.

Foram quase uma cen­tena de ações ques­tio­nando os resul­ta­dos das urnas em diver­sos esta­dos sem que nen­hum juiz lhe desse um pingo de razão – mesmo aque­les que foram nomea­dos por ele.

Se as recon­ta­gens e as ações judi­ci­ais não apon­taram para fraudes, o mesmo não pode se dizer do com­por­ta­mento do pres­i­dente Trump, fla­grado em dezenas de tele­fone­mas pres­sio­n­ando autori­dades eleitorais do seu próprio par­tido para que “con­seguis­sem” os votos que lhe fal­tavam para con­seguir os del­e­ga­dos no colé­gio eleitoral.

Os fun­dadores do país, chama­dos “pais da pátria” que inven­taram o mod­elo do colé­gio na esper­ança de, com isso, evitarem que líderes pop­ulis­tas alcançassem o poder e destruíssem a democ­ra­cia, cer­ta­mente, estão a revirar-​se nos túmu­los vendo que o mod­elo não é tão seguro quanto pen­saram.

Em 2016, Don­ald Trump, con­forme já dis­se­mos, perdeu por cerca de qua­tro mil­hões de votos e sagrou-​se pres­i­dente dos Esta­dos Unidos, con­trar­iando o pesavam os “pais da pátria”, um pop­ulista que fez da men­tira um método, der­ro­tou o sis­tema amer­i­cano, pois, emb­ora, com menos votos que a opo­nente, focou na estraté­gia do colé­gio eleitoral e con­seguiu a maio­ria dos del­e­ga­dos.

Em 2020, indifer­ente à insat­is­fação da maio­ria da pop­u­lação com dire­ito a voto que impôs uma der­rota por cerca de 8 mil­hões de votos – e tam­bém do colé­gio eleitoral –, ten­tou gan­har “no grito”, com fal­sas acusações de fraudes, com o duplo propósito: de per­manecer no poder e, mais grave, dar um xeque-​mate na democ­ra­cia oci­den­tal.

Em um ano atípico por causa da pan­demia que já cei­fara mil­hares de mortes naquele país, e com o voto sendo fac­ul­ta­tivo, mil­hões de amer­i­canos se dis­puseram a votar, de ambos os lados. Mas a maio­ria deu a vitória aos democ­ratas.

O que isso importa?

Para ególa­tras, como o pres­i­dente amer­i­cano, seus mil­hões de seguidores nos Esta­dos Unidos e ao redor do mundo a democ­ra­cia é a sua per­manên­cia no poder, inde­pen­dente da von­tade da maio­ria da pop­u­lação.

Na “con­strução” desta visão bem par­tic­u­lar de enx­er­gar o mundo for­jam nar­ra­ti­vas de que a von­tade pop­u­lar foi vici­ada pela mídia ou por out­ros fatos ou cir­cun­stân­cias. Tra­bal­ham inces­san­te­mente para “apar­el­har” ou desmere­cer as insti­tu­ições repub­li­canas, pois elas fortes e/​ou inde­pen­dentes são os úni­cos obstácu­los entre estes ilu­mi­na­dos e o poder eterno.

Vimos na ten­ta­tiva de golpe nos Esta­dos Unidos o próprio pres­i­dente der­ro­tado nas urnas con­vo­car, através de suas redes soci­ais, seus aliados/​militantes para se faz­erem pre­sente a Wash­ing­ton D. C., no dia 06 de janeiro de 2021, infor­mando que coisas graves iriam acon­te­cer; pos­te­ri­or­mente, diante do fato do vice-​presidente e pres­i­dente do Senado Amer­i­cano, Mike Pence, recusar-​se a ceder os seus capri­chos e impedir a cer­ti­fi­cação da vitória do seu adver­sário Joe Biden, con­cla­mar, pes­soal e dire­ta­mente, a malta de seguidores a mar­charem para o Capitólio – como fiz­eram os fascis­tas na Itália e os nazis­tas na Ale­manha, na primeira metade do século pas­sado –, numa patética ten­ta­tiva de impedir um ato pro­to­co­lar, mas necessário, para a posse do adver­sário em 20 de janeiro.

Quem pode­ria imag­i­nar que algum dia iríamos teste­munhar coisas deste tipo na maior democ­ra­cia do oci­dente? Talvez os Simp­sons, que, lá atrás, “pre­vi­ram” a improvável vitória de Trump.

Os cidadãos de bem pre­cisamos ficar aler­tas, o episó­dio amer­i­cano é um triste prenún­cio do que out­ros esbir­ros autoritários poderão ten­tar no resto do mundo.

Nos Esta­dos Unidos, emb­ora desmor­al­iza­dos e enver­gonhados, os amer­i­canos e suas insti­tu­ições “segu­rara” a afronta der­radeira, noutros países, em par­tic­u­lar, no Brasil, daqui a dois anos, não sabe­mos como será.

Com a sin­ceri­dade própria dos incon­se­quentes, o pres­i­dente do Brasil já anun­ciou que será bem pior, caso suas von­tades – e capri­chos –, não sejam atendidas.

Pre­cisamos ficar aten­tos, como já nos ensi­nou a história, o preço da liber­dade é a eterna vig­ilân­cia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.