AbdonMarinho - A pandemia, o SUS e os políticos.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A pan­demia, o SUS e os políticos.

A PAN­DEMIA, O SUS E OS POLÍTI­COS.

Por Abdon Marinho.

NOS ÚLTI­MOS dias, por conta do recrude­sci­mento da pan­demia do novo coro­n­avírus, que já ceifou quase dois mil­hões e meio de vidas, só no Brasil já são quase 250 mil vidas per­di­das, assis­ti­mos a um debate insano dos políti­cos sobre a respon­s­abil­i­dade de cada um no processo e, até mesmo, do papel que cada um desem­penha neste mor­ticínio de brasileiros.

A falta de oxigênio, no iní­cio do ano, em Man­aus, Ama­zonas fez com que dezenas de cidadãos perdessem a vida; por lá, assistiu-​se a for­mação de filas e mais filas, desen­tendi­men­tos entre cidadãos comuns com seus cilin­dros na mão na ten­ta­tiva de levar um pouco de con­forto aos seus entes queri­dos e, até mesmo, salvar-​lhes a vida; artis­tas, as forças armadas, empre­sas e até o gov­erno da Venezuela se mobi­lizaram para fazer chegar o oxigênio sal­vador.

As autori­dades, munic­i­pais, estad­u­ais e fed­erais foram avisadas com alguma ante­cedên­cia para a escassez do pro­duto e das suas con­se­quên­cias.

Ver­gonhosa­mente foram neg­li­gentes e omis­sas.

As autori­dades brasileiras fal­haram na solução do prob­lema e vidas se perderam.

No Maran­hão, assisti, outro dia, um dep­utado estad­ual “descendo” críti­cas à admin­is­tração munic­i­pal por conta de uma suposta ausên­cia de leitos de UTI “na rede munic­i­pal” des­ti­na­dos ao trata­mento da COVID; críti­cas semel­hantes ou com pouca vari­ação tenho ouvido das autori­dades estad­u­ais em relação ao gov­erno fed­eral; e deste, em relação aos gov­er­nos estad­u­ais e municipais.

Em plena pan­demia, assisto, estar­recido, a mil­itân­cia política dizer: — o Bol­sonaro “man­dou” X bil­hões ou mil­hões para o Maran­hão (ou para São Paulo, Piauí, Ama­zonas, São Luís ou Man­aus), cadê o dinheiro?

Chamo a atenção, ini­cial­mente, para o tom per­son­al­ista que tem assum­ido a política brasileira. De uns tem­pos para cá a mil­itân­cia ensande­cida pas­sou a con­fundir os entes fed­er­a­dos com a pes­soa dos seus dirigentes.

Com nat­u­ral­i­dade dizem: “o Bol­sonaro man­dou para Dino”, “o Bol­sonaro man­dou para Dória”, “o Dino man­dou para o Braide” ou “o Bol­sonaro fez isso”, “Dória fez aquilo”.

Muitas das vezes, quando se tratar de uma ati­tude ou com­por­ta­mento pes­soal até cabe e é dev­ida a citação da autori­dade, por exem­plo, não temos vaci­nas porque o sen­hor Bol­sonaro, pres­i­dente da República, e o sen­hor Pazuello, min­istro da saúde, não foram prev­i­dentes ou imag­i­naram que a pan­demia iria se extin­guir por si e por isso fiz­eram “corpo mole” e não foram atrás de vaci­nas ou de desen­volver uma vacina nacional, como out­ros países fiz­eram, alguns, mais de uma.

Noutras, como no caso de repasses de recur­sos públi­cos, con­sti­tu­cionais ou vol­un­tários, por partes dos entes fed­er­a­dos a out­ros, a per­son­ifi­cação só é cabível na cabeça dos adu­ladores, que em tudo enx­erga motivos para pros­elit­ismo político.

O sen­hor Bol­sonaro, o sen­hor Dino ou qual­quer outra autori­dade não manda ou nunca man­dou recur­sos para ninguém.

Não se trata de recur­sos deles, eles não “meteram a mão no bolso” para man­dar din­heiro a quem quer que seja.

Os recur­sos são públi­cos – fruto imposto dos cidadãos –, e devem ser repas­sa­dos medi­ante critérios pre­vi­a­mente definidos nos instru­men­tos legais.

Se o gov­er­nante não está fazendo desse modo, no mín­imo, comete uma impro­bidade admin­is­tra­tiva ou mesmo, crime de respon­s­abil­i­dade.

A própria Con­sti­tu­ição Fed­eral esta­b­ele­ceu como crime de respon­s­abil­i­dade a pro­bidade na admin­is­tração.

Obvi­a­mente trata-​se de impro­bidade o trata­mento difer­en­ci­ado, por parte da União, entre os entes fed­er­a­dos: esta­dos e municí­pios; os dos esta­dos em relação aos municí­pios.

Então, acred­ito, já seja hora de se parar com essa “babaquice” de se ficar atribuindo a gov­er­nante esse ou aquele suposto “bene­fí­cio” dis­pen­sado aos esta­dos ou municí­pios.

Se a União (e não o Bol­sonaro) man­dou qual­quer recurso para os esta­dos ou para os municí­pios foi porque a lei deter­mi­nou que fizesse.

Se alguma autori­dade fez a mais do que lei man­dou deve ser removido do cargo.

Essa bal­búr­dia insti­tu­cional, essa polit­i­calha rasteira, essa ignorân­cia desme­dida, tenho certeza, é a prin­ci­pal respon­sável pela perda de tan­tas vidas no Brasil.

O nosso país pos­sui um dos sis­temas de saúde mais avança­dos do mundo, talvez só se com­para­ndo ao sis­tema de saúde pública inglês o NHS (na sigla em inglês para Sis­tema Nacional de Saúde).

O sis­tema brasileiro ainda pos­sui uma “van­tagem” em relação ao inglês: a cober­tura. Enquanto o con­gênere inglês tem que ofer­e­cer cober­tura a 60 mil­hões pes­soas, o nosso sis­tema tem que ofer­e­cer a quase qua­tro vezes mais.

Desde 1988 que con­sta da Con­sti­tu­ição Fed­eral as bases do nosso Sis­tema Único de Saúde — SUS.

Lá, do artigo 196 ao 199, con­sta os princí­pios que norteiam o nosso sis­tema.

O artigo 196, esta­b­elece: “A saúde é dire­ito de todos e dever do Estado, garan­tido medi­ante políti­cas soci­ais e econômi­cas que visem à redução do risco de doença e de out­ros agravos e ao acesso uni­ver­sal e igual­itário às ações e serviços para sua pro­moção, pro­teção e recuperação”.

O artigo 197: “São de relevân­cia pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dis­por, nos ter­mos da lei, sobre sua reg­u­la­men­tação, fis­cal­iza­ção e con­t­role, devendo sua exe­cução ser feita dire­ta­mente ou através de ter­ceiros e, tam­bém, por pes­soa física ou jurídica de dire­ito privado”.

Já o artigo 198, esta­b­elece as dire­trizes do SUS, sua forma de finan­cia­mento, entre out­ras.

Diz o artigo 198: “As ações e serviços públi­cos de saúde inte­gram uma rede region­al­izada e hier­ar­quizada e con­stituem um sis­tema único, orga­ni­zado de acordo com as seguintes dire­trizes: I — descen­tral­iza­ção, com direção única em cada esfera de gov­erno; II — atendi­mento inte­gral, com pri­or­i­dade para as ativi­dades pre­ven­ti­vas, sem pre­juízo dos serviços assis­ten­ci­ais; III — par­tic­i­pação da comu­nidade”.

Já o artigo 199 trata da par­tic­i­pação da ini­cia­tiva pri­vada.

Em 1990, através da Lei 8.080, tam­bém chamada de Lei Orgânica da Saúde, os dis­pos­i­tivos con­sti­tu­cionais foram esmi­uça­dos e ampli­a­dos, a lei dis­põe sobre as condições para a pro­moção, pro­teção e recu­per­ação da saúde, a orga­ni­za­ção e o fun­ciona­mento dos serviços cor­re­spon­dentes e dá out­ras providên­cias.

Com apri­mora­men­tos aqui e ali, temos um dos mel­hores sis­temas de saúde pública do mundo, repito, que, infe­liz­mente, para o enfrenta­mento à pan­demia tem sido rel­e­gado a um segundo plano.

Pelo con­junto de declar­ações dos políti­cos, nos últi­mos tem­pos, fico com a impressão que pas­sadas mais de três décadas desde a cri­ação do nosso sis­tema de saúde pública, as autori­dades não se deram ao tra­balho de conhecê-​lo ou de saber como o mesmo deve fun­cionar. De cima abaixo, o que assis­ti­mos é uma sucessão de improvisos.

Impro­vi­sos, repito, que têm cus­tado a vida de brasileiros.

O SUS é um sis­tema único de saúde. A vogal “U”, de SUS, sig­nifica só isso, que ele é único.

Nós não temos um sis­tema de saúde fed­eral, um estad­ual e outro munic­i­pal.

Ele é único e a ele se soma inclu­sive a rede pri­vada e/​ou filantrópica, con­forme a neces­si­dade.

A primeira dire­triz con­sti­tu­cional do SUS é a descen­tral­iza­ção, com direção única em cada esfera de governo.

Isso sig­nifica, por exem­plo, que o dep­utado estad­ual ao recla­mar que o Municí­pio de São Luís não pos­sui leitos de UTI especí­fi­cos para o trata­mento da COVID está só falando uma bobagem.

O Municí­pio de São Luís há quase três décadas encontra-​se na chamada gestão plena e, por­tanto, nos ter­mos da con­sti­tu­ição, é quem dev­e­ria “diri­gir” todas as unidades e ofer­tas de vagas no seu ter­ritório, inclu­sive aque­las admin­istradas pela rede pri­vada, não existe essa tolice de vagas da rede fed­eral, vagas da rede estad­ual, vagas da rede munic­i­pal ou mesmo vagas da rede pri­vada, todas as vagas estão à dis­posição do sis­tema de saúde que é único e que, nos ter­mos da leg­is­lação, estão sob a direção do municí­pio.

Abro uma exceção para des­cul­par a tolice do dep­utado em ten­tar tirar “casquinha” de um assunto que não con­hece e, tam­bém, para des­cul­par o prefeito que “cor­reu” para dizer que estava abrindo as tais vagas na rede munic­i­pal, pelo sim­ples fato, de no Maran­hão, prin­ci­pal­mente, com ressalto nos últi­mos tem­pos, nunca ter exis­tido um sis­tema único de saúde. Por conta da ganân­cia e da ignorân­cia das autori­dades, pos­suí­mos na cap­i­tal do estado três sis­temas: o fed­eral, o estad­ual e o municipal.

Difer­ente de out­ras cap­i­tais com gestão plena, até mesmo Teresina, no viz­inho Piauí, aqui a Con­sti­tu­ição é solen­e­mente igno­rada, em pre­juízo da população.

Já tratei deste assunto diver­sas vezes, sem, con­tudo, encon­trar o respaldo das autori­dades inter­es­sadas.

A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080÷90, nos arti­gos 16, 17 e 18 esta­b­elece de forma cristalina o com­petên­cia de cada esfera de gov­erno, nacional, estad­ual e munic­i­pal.

Se cada uma estivesse atenda às suas atribuições e, noutro giro, dis­cutindo nos seus fóruns com­pe­tentes, con­sel­hos de secretários de estado de saúde e con­selho de secretários munic­i­pais de saúde, as políti­cas públi­cas a serem imple­men­tadas para vencer os desafios, prin­ci­pal­mente o enorme desafio da pan­demia, cer­ta­mente estaríamos sendo um exem­plo para o mundo e não uma piada de mau gosto e não cor­reríamos o risco do sis­tema entrar em colapso, como já quase ocor­reu em Man­aus, AM, e prin­cipia ocor­rer em diver­sos out­ros municí­pios país afora.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

P.S. Em out­ros tex­tos apro­fun­dare­mos a dis­cussão sobre o nosso sis­tema de saúde.