O Escândalo Capital.
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- Criado: Quarta, 02 Setembro 2020 22:11
- Escrito por Abdon Marinho
O ESCÂNDALO CAPITAL.
Por Abdon Marinho.
O que é, o que é, tem cara de escândalo, tem cheiro de escândalo, tem contornos de escândalo e é escândalo? Pois é, o que preenche todos estes requisitos e, ao nosso sentir, é um escândalo, é a compra de 1472 assinaturas da Revista Carta Capital com o “suposto”objetivo de atender as escolas da Rede Estadual de Educação do Maranhão, ao custo de R$ 671.984,40 (seiscentos e setenta e um mil, novecentos e oitenta e quatro reais e quarenta centavos).
O contrato, com vigência de 12 meses, foi assinado no dia 24 de agosto de 2020, pelo secretário adjunto de administração, conforme competência delegada pela portaria nº. 1097, de 04 de julho de 2019.
A Justificativa da Secretaria Adjunta de Administração com o “autorizo, na forma da lei”, pelo secretário de estado da educação, foi:
“A vivência de uma sociedade democrática pressupõe não só conhecimentos, mas também as práticas e valores necessários para o aprimoramento e manutenção da mesma. Essas práticas e valores estão diretamente ligados a propiciar processos formativos que lidem com o estudante sempre em relação com a sociedade, de modo a levar o individuo a se perceber como parte de um coletivo, uma comunidade, entendendo a sociedade a partir de bases marcadas por diferenças e empatia.
É preciso cultivar valores democráticos como o respeito às leis, o respeito aos bens públicos (acima do interesse privado), o respeito integral aos direitos humanos, a virtude do amor à igualdade na forma do reconhecimento de privilégios e repúdio a estes, o acatamento da vontade da maioria legítima sem prescindir do respeito aos direitos das minorias, ética na política, desconstrução fr preconceitos (sociais, políticos e em relação à própria política) e o estimulo a valorização do cidadão participativo, que se aproxima da política e da democracia por diferentes formas.
O desenvolvimento dessa dimensão valorativa deve ser benéfico não só ao estudante que participa das atividades de formação política, como espalha-se na sociedade a partir das reflexões e comportamentos destes frente à coletividade, contribuindo para a construção de consciência política mais madura e de uma vivencia democrática que saia do papel e seja a experiencia de mais intensamente.
A revista a ser contratada consiste em jornalismo que abrange os mais variados aspectos da vida em sociedade, tais como a política, economia, justiça, mundo, diversidade, cultura e opinião, que contribuirá sobremaneira para a formação dos estudantes da rede estadual de educação».
Fiz questão de transcrever, na integra, a justificativa da inusitada contratação por dois motivos:
Primeiro, porque a mesma não fica dever, em nada os textos mais inspirados do inesquecível personagem Rolando Lero, da não menos inesquecível “Escolinha do Professor Raimundo”, do saudoso humorista Chico Anysio.
Poucas vezes vi se utilizar tantas palavras para se dizer tão pouco.
Segundo, porque não consegui entender como um exemplar de uma “revista de politica”, voltada para o público esquerdista, basicamente, vai «cultivar valores democráticos como o respeito às leis, o respeito aos bens públicos (acima do interesse privado), o respeito integral aos direitos humanos, a virtude do amor à igualdade na forma do reconhecimento de privilégios e repúdio a estes, o acatamento da vontade da maioria legítima sem prescindir do respeito aos direitos das minorias, ética na política, desconstrução de preconceitos (sociais, políticos e em relação à própria política) e o estimulo a valorização do cidadão participativo, que se aproxima da política e da democracia por diferentes formas”, além de tantas outras coisas incompreensíveis aos comuns mortais.
Além deste, um blog local informa que no ano de 2019, um outro contrato, com a mesma empresa editora da Carta Capital fora assinado em abril daquele ano no valor de R$ 600 mil reais e posteriormente aditivado em mais R$ 150 mil reais, perfazendo um total de mais R$ 750 mil reais, com o mesmo objeto, distribuição de revistas nas escolas da rede pública de ensino do estado do Maranhão.
Vamos nos ater a este último contrato.
A rede estadual de ensino, ainda que consideremos somente o ensino médio, soma 262.700 alunos, segundo o censo escolar de 2019.
Ora, como 1.400 assinaturas de uma revista irá contribuir “sobremaneira” para a formação dos estudantes?
Ainda que se considere, diferente do que diz a justificativa, que a revista mensal se destinará aos professores e estes repassarão aos estudantes, a conta parece incongruente, pois a rede estadual, também, só considerando o ensino médio, possui 14.355 docentes.
Talvez os mentores da ideia imaginem que os mestres irão lendo as edições e repassando aos demais. Ou, por derradeiro, que a assinatura se destine apenas para que cada escola da rede receba um exemplar para suas bibliotecas — as que possuirem –, onde os leitores se revezarão na leitura de tão importante literatura.
Até é possível visualizarmos as filas e listas de espera para lerem diretamente na fonte original do saber mundial. Doravante estaremos no topo de todos os rankings de avaliação educacional.
A ironia é necessária para aquilatar o absurdo da contratação efetuada com os recursos da educação e o despropósito da justificativa.
Não sou contra, em absoluto, que as secretarias de educação façam assinaturas de periódicos visando o despertar da curiosidade de mestres e alunos, bem como, informá-los sobre o que se passa no país e no mundo, mas, quisessem mesmo ajudar a comunidade escolar, melhor proveito teria se fizessem assinaturas de revistas como a Nova Escola, que custa metade do valor; Saberes da Educação; Dê Ciência em Foco; Jornal de Políticas Educacionais, e tantas outras; ou, ainda, revistas cientificas, como Nature, Science; e etcetera, inclusive, em língua estrangeira, o que contribuiria muito mais para a formação do público-alvo que se disse querer atingir com a contratação de uma assinatura de revista politica.
Diferente de alguns teóricos da conspiração, não acredito que a assinatura da revista tenha por função ideologizar alunos e mestres. Acho tolice esse tipo de pensar, uma assinatura de revista numa escola, na maioria das vezes, sequer sai “do plástico”, antes de ir para o lixo.
Noutra quadra, não tenho como discordar dos pensam e dizem tratar-se de um “apoio» do governo estadual a uma editora “amiga” que comunga com seus ideais e sempre abre espaço ao governador do estado – e aos seus aliados –, o que, pelo menos em tese, caracterizaria o interesse pessoal e/ou o desvio de finalidade na aplicação do dinheiro público, ainda mais, se, como afirmam outras matérias, este tipo de contratação não ser um fato isolado e alcançar outros contratos desta ou de outras publicações.
No caso em tela, existem outros aspectos, além da descabida contratação.
Com a “noticia» na rua há quase uma semana até agora, pesquisando no site do Ministério Público estadual, que em relação aos municípios, examina até se as vírgulas de seus contratos estão no lugar certo, não encontrei uma linha sobre o assunto.
Uma noticiazinha de que vão cobrar explicações, que vão instaurar algum procedimento visando a apuração dos fatos; a responsabilização dos implicados, a devolução dos recursos aos cofres do estado.
Aliás, em relação a responsabilização, uma coisa me chama atenção já há muito tempo no estado, o fato dos agentes políticos, governador e secretários passarem a responsabilidade pela ordenação deste tipo de despesa para os “subs» e para os “adjuntos”.
Embora a delegação seja legal, ao valoroso MPMA nunca socorreu a ideia de se trata de um ardil para fugirem às suas responsabilidades quando os “malfeitos” veem a público.
A mesma “indiferença«por tais temas parece ter “contaminado” o Tribunal de Contas do Estado — TCE/MA, que, com a noticia circulando por todos os meios, não demonstra – e se demonstra não avisa a patuleia – preocupação com estes assuntos.
Pois é, se os órgãos que têm a missão de fiscalizar demonstram – pelo menos para o público externo –, pouco interesse por assuntos de tamanha gravidade, com repercussão inclusive na imprensa nacional, os governantes não se sentem no dever de prestar quaisquer explicações aos contribuintes nas costas de quem são espetadas estas e tantas outras contas.
Será que o MPMA acha justificável que recursos da educação se prestem para esse tipo coisa? O TCE/MA acha normal que se assine uma revista política – é sempre bom frisar –, para distribuição na rede de ensino estadual?
Tomarão alguma iniciativa para cessar o abuso e para restituirem os valores despendidos aos cofres públicos?
Qual o interesse da educação maranhense – que amarga os piores indicadores do país e do mundo –, com a aquisição de revistas com o conteúdo da editora contratada?
Será que os órgãos de controle, o governador, o secretário têm a resposta para essa pergunta tão singela que não seja aquele papo tortuoso de “Rolando Lero”, que serviu de justificativa para a contratação?
Suas excelências, com a palavra.
Abdon Marinho é advogado.