A política sem princípios.
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- Criado: Domingo, 13 Setembro 2020 13:21
- Escrito por Abdon Marinho
A POLÍTICA SEM PRINCÍPIOS.
Por Abdon Marinho.
NESTES dias, enquanto partidos e candidatos organizam-se para a eleição de 15 novembro – data deslocada do primeiro domingo de outubro por conta da pandemia do novo coronavírus –, exceto pelas obrigações do trabalho, venho me abstraindo do atual processo eleitoral. Sequer sei em quem votarei – ou se votarei.
O quadro não me inspira, pelo contrário, acho-o desolador.
Por coincidência, em meio a tudo isso, numa noite dessas me dediquei a assistir ao filme Darkest Hour – O destino de uma nação, no título em português –, de Joe Wright, com interpretação premiada de Gary Oldman, no papel de Winston Churchill.
O filme é de política e não de ação de guerra, e narra o início da gestão de Churchill, como primeiro-ministro do Reino Unido, no começo da Segunda Guerra Mundial.
Começo é apenas uma forma de dizer, as tropas nazistas já dominavam grande parte da Europa e a película nos alcança nas discussões sobre a reação do Reino Unido à invasão da França. Churchill já era velho – e, até, se ressente por ter virado primeiro-ministro já naquela idade e em uma situação tão difícil –, mas já ao assumir fez o famoso discurso de que o que tinha a prometer ao país era a guerra, o sangue, o suor, o trabalho e as lágrimas.
Deslocado no tempo, acho nos anos oitenta ou noventa fizeram uma minissérie com título semelhante: “Sangue, Suor e Lágrimas”.
Como disse, o filme é sobre política, sobre os bastidores da política enquanto a guerra se desenrolava e retrata muito bem as dificuldades enfrentadas pelo governo de Churchill em sustentar um confronto contra as imbatíveis tropas alemães, praticamente sozinho.
No próprio governo haviam pressões para se costurar um acordo com os nazistas.
As pressões aumentaram com a queda da França pouco depois.
Embora a história não mostre, por um momento o Reino Unido ficou sozinho no combate ao nazismo.
Foi neste momento que a autoconfiança de Hitler o levou à derrota, pois pensando que seria fácil a vitória, abriu, simultaneamente, uma outra frente de batalha, agora, contra a União Soviética.
Pois bem, voltando ao tempo em que o Reino Unido estava sozinho no enfrentamento ao nazismo – mesmo os Estados Unidos se recusavam ou colocavam obstáculos na ajuda aos aliados históricos –, e enfrentando resistências dentro do próprio Gabinete de Guerra, que não acreditava numa vitória contra os alemães, Churchill mostrou ao Parlamento, ao país e ao mundo, que existiam coisas, princípios que não podiam ser negociados; e, que, ainda, a derrota, a morte, eram mais dignas do que a capitulação ao nazismo.
Ainda por um momento que seja deveríamos pensar no que seria o mundo sem aquele momento de solitária resistência.
Aliás, a maioria da população mundial sequer sabe a importância daquele ato.
O mundo de hoje se ressente de líderes com princípios. Parece-nos que a política global se tornou um refúgio para todo tipo de psicopatia.
Basta olhar para o que acontece diante da pandemia.
O mundo inteiro enfrenta um inimigo comum, mas, mesmo assim, os líderes globais agem como se brigassem entre si, cada um buscando suas próprias soluções e incapazes de um esforço comum para o enfrentamento da pandemia, para a produção de uma vacina, promover tratamentos, etc., enquanto o mundo já registra quase um milhão de vidas humanas perdidas.
Quando trago este mesmo exemplo para a política nacional meu desalento é ainda maior.
Enquanto contávamos mortos aos milhares – já passamos de 130 mil vidas perdidas, a maior tragédia da história do país –, os políticos estavam brigando entre si por espaço político, por aparecer melhor na mídia.
E não pensem que isso, a “brigalhada” político-ideológica foi o que tínhamos de pior a oferecer. O pior é que os políticos – não todos, mas uma grande maioria –, estavam “ocupados” roubando o dinheiro público que deveria se destinar a equipar hospitais, comprar medicamentos e salvar vidas. Governadores, prefeitos, senadores, deputados, e tantos outros políticos, legítimos representantes do povo, que deveriam se ocupar na busca de soluções para salvar vidas, estavam – e ainda estão –, “ocupados” desviando o dinheiro público, cobrando propinas de prefeitos para destinar verbas para salvar vidas humanas e diminuir o sofrimento do povo.
Que tipo de gente não se envergonha de roubar dinheiro público em plena pandemia? Ora, os mesmos que roubam nas quatro estações do ano o dinheiro da saúde, da educação, da infraestrutura, da cultura, da ciência, e de tudo que tenha algum valor.
Não roubam por necessidade. Roubam porque o ato de roubar se tornou um vicio pior do o vício na heroína, na cocaína, no crack ou qualquer outro narcótico.
Roubam para si e por várias gerações.
Mas, pior, ainda é saber que esses políticos são o retrato de uma sociedade aética e imoral. A nossa sociedade.
O Tribunal de Contas da União — TCU, aponta que mais de R$ 40 bilhões de reais destinados à ajuda emergencial por causa da pandemia foram parar nas contas de pessoas que não tinham necessidade de tal ajuda. Quantas destas pessoas que não deveriam receber devolveram o dinheiro? Bem poucas, quase nenhuma. Muito pelo contrário, pessoas que sabidamente não teriam necessidade de se receber, se inscreveram para receber a ajuda emergencial; outras até entraram na justiça reclamando um direito ao qual não fazem jus, não são merecedoras.
Em se tratando de princípios, que diferença faz o roubar pouco e o roubar muito? Qual a diferença que tem entre o cidadão que rouba os R$ 600 reais do político que roubou os R$ 60 mil, os R$ 60 milhões, os R$ 600 milhões, etc? Talvez aquela apontada por padre Antônio Vieira há trezentos anos: o roubar pouco faz os salteadores o roubar muito, os imperadores.
A diferença que enxergo entre o que rouba pouco e o que rouba muito é que rouba para viver já o outro vive para roubar.
No Brasil, aqui mesmo no Maranhão, começou-se a falar em nova política.
Muitas pessoas passaram a confundir idade cronológica com práticas políticas modernas, com o zelo pelo dinheiro do contribuinte e, sobretudo, jovens querendo e entrando na política falando uma coisa e praticando outra.
Assim, temos vistos muitos políticos jovens com velhas práticas e mesmo alguns velhos políticos com práticas modernas – estes, infelizmente, em extinção.
A política no Maranhão (e no Brasil) se tornou um negócio que é indiferente a qualquer princípio ético ou moral.
É assim que vemos determinado jovem político falar em “nova política” e ao mesmo tempo se “ajuntar” e se submeter a outros políticos, que pela vida pregressa e pela prática cotidiana, já desafiaram todos os dispositivos do Código Penal Brasileiro e tantos outros dispositivos da legislação penal extravagante.
Trata-se do poder pelo poder – sem qualquer chance de esperança ao povo.
O poder, a sua conquista e permanência, tornou-se um fim em si mesmo.
Ainda na esteira de tudo isso que falo, outro dia chamou-me a atenção a coligação para “fins eleitorais” de dois grupos políticos locais historicamente antagonistas, para apoiarem determinado candidato, também desta escola de “jovens políticos anciãos”.
Pois bem, os dois grupos políticos já vinham de uma longa história de brigas, até que lá atrás, no começo deste século, principiaram um diálogo que não vingou e, anos depois, mais precisamente, há onze anos, azedou de vez quando um dos grupos “tomou”, na marra, o mandato de governador arduamente conquistado pelo grupo político da oposição.
Por ocasião da “deposição” do governador eleito o seu grupo criou um movimento intitulado os “Os Balaios”, uma alusão ao Movimento Balaiada, revolta popular ocorrida no estado entre os anos de 1838 e 1841, também chamada de Guerra dos Bem-te-vis.
Como ocorrido no século XIX, os Balaios do século XX, também, foram derrotados pelas forças do “império”.
O que achei curioso no acontecimento de dias atrás é que os líderes “balaios” – balaios fakes, diga-se de passagem –, lá estavam no “palácio” daqueles que os derrotaram e os apearam do poder injustamente, para se coligarem numa estratégia de conquistarem e manterem o poder.
A impressão que tive, analisando o fato a partir de uma perspectiva histórica, é que estava havendo uma derradeira capitulação – e o ex-governador, do túmulo, se contorcendo, assim como os verdadeiros balaios.
Mas, na verdade, era apenas a velha prática da “nova” política, onde nada que não seja o poder importa.
Por conta da pandemia do novo coronavírus – e não como os velhos salteadores de outrora –, estavam todos devidamente mascarados, talvez para esconder os sorrisos marotos.
E são tão jovens.
Quanta falta nos faz o velho Churchill.
Abdon Marinho é advogado.