Basta não roubar?
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- Criado: Domingo, 04 Outubro 2020 12:07
- Escrito por Abdon Marinho
BASTA NÃO ROUBAR?
Por Abdon Marinho.
TENHO refletido nos últimos dias, pós quarentena, nos males causados pelas administrações do Partido dos Trabalhadores — PT – e seus aliados –, ao Brasil. Não falo apenas dos atos praticados no exercício dos encargos. Destes, podemos, com boa vontade, até apurar coisas positivas e diversos avanços.
O que, efetivamente, me preocupa são os efeitos para a posteridade.
Recentemente, em um debate com os candidatos à prefeitura de São Paulo, um dos assuntos que dominou os participantes foi a “ameaça” de um retorno dos petistas ao comando da cidade.
O receio parece ser tanto que o representante do partido encontra-se, nas pesquisas de opinião, atrás, até mesmo, de radicais, como o candidato do Partido Socialista e Liberdade — PSOL, representado pelo notório Guilherme Boulos, que, ao menos em tese, estaria à esquerda do PT.
O que assistimos em São Paulo é o que acontece no macro cenário da política nacional.
Estimulados por ambos os lados, como se houvessem apenas dois, os brasileiros, somos compelidos ou empurrados para o seguinte dilema: se criticamos o governo Bolsonaro, somos logo colocados no grupo dos “esquerdistas, comunistas, saudosistas” da roubalheira dos governos petistas.
Se, por outro lado, criticamos a roubalheira, os equívocos, a bandalha que foram os governos petistas, logo somos chamados bolsonaristas, infames, intolerantes, racistas, genocidas, e tudo mais.
Nos debates extremados que tomaram de conta da política nacional, os governos tidos por sociais-democratas, que na curta experiência após a ditadura, se fazem representar pelos dois governos do Partido da Social Democracia Brasileira — PSDB, são colocados, na conta dos petistas como “de direita” e, por isso mesmo, combatidos; e, pelos bolsonaristas, como comunistas, de esquerda, cúmplices da corrupção, aliados e a encarnação do mal, devendo ser combatidos por isso.
É assim, entre dois pólos que lutam pelo poder e/ou para a manutenção de suas ideias a qualquer custo, que a maior parte da sociedade brasileira vê-se compelida, embora sem lado, a escolher um dos dois que mais “berram”.
O debate do “nós contra eles” teve início com primeiro governo Lula, que a despeito de ter recebido o governo numa transição pacífica – como nunca tínhamos visto entre partidos de oposição –, logo que assumiu tratou de satanizar o governo anterior.
Isso foi feito, não com o propósito de “fazer diferente” ou evoluir no propósito de governar para o bem comum, mas sim, para aniquilar aquela que era a principal força de oposição em um projeto hegemônico de poder.
Em linhas gerais, o petismo vem experimentando o mesmo método de desconstrução que utilizou contra os seus antecessores.
Assumiram com uma bandeira de “puros” e no governo revelara-se aos olhos da nação capazes de coonestarem e participarem de esquemas de corrupção inimagináveis aos cidadãos brasileiros, até então.
É esse contraponto que o bolsonarismo vem fazendo de forma eficiente – também num projeto hegemônico de poder –, impingindo a todos os seus críticos a pecha de cúmplices ou participes dos esquemas petistas de corrupção, mesmo que estes nunca tenham passado por perto de qualquer dos governos petistas ou auferido quaisquer vantagens de seus governos.
O título do texto é uma provocação.
Aprendi desde muito cedo, aliás, desde sempre, que a honestidade não é favor, mérito ou faculdade, mas sim um dever, uma obrigação do cidadão.
Outra coisa, ninguém que se pretende honesto deve sê-lo para impressionar ou para os outros. Devemos ser honestos para nós mesmos.
E isso não “vantagem” nenhuma.
O ex-presidente Lula da Silva, no seu discurso de posse, no já longíquo janeiro de 2003, fez uma solene promessa à nação brasileira: não apenas não roubar, mas impedir que outros roubassem no seu governo.
O tempo que é o senhor da razão e as dezenas de processos civis e criminais contra o ex-presidente e sua troupe provam que não fez nenhuma coisa nem outra.
Os mais variados esquemas já revelados – e acreditamos que de muitos jamais saberemos –, subtraíram dos cofres da nação bilhões de dólares e as penas aos implicados se conta em milhares de anos.
As maltas fiéis do lulopetismo negam as evidências – e provas da bandalha –, como elas nunca tivessem existido e tudo que assistimos nos últimos anos fossem uma “armação” da direita conservadora, escravocrata e ressentida que nunca superou a chegada de “operário” (que nunca trabalhou) ao poder.
Esse negacionismo à luz de todas as evidências é o principal combustível para o bolsonarismo se firmar e se fortalecer no poder.
As hostes bolsonaristas – e já ouvi de diversos defensores deste novo credo –, repetem como se fosse um mantra: o homem não está roubando; até agora, com toda vigilância, ninguém nunca apontou qualquer ato de corrupção e outras coisas na mesma linha.
Enquanto isso, a “boiada” vai passando, como bem assinalou o ministro anti-meio ambiente do atual governo.
Para os defensores do credo bolsonarista a “formação de família” que aliviou ou cofres públicos em milhões de reais através do famoso esquema de “rachadinha” não é nada.
— Ora, todo mundo faz: vereadores, deputados, senadores, membros do poder judiciário e até do Ministério Público, que deveria fiscalizar a lei. Por que com os Bolsonaro seria diferente?
Dizem para justificar o injustificável.
O que significam os depósitos sem origem na conta da primeira-dama de pouco menos de cem mil diante dos milhões roubados pelos petistas?
É claro que numa escala de grandeza não se tem como comparar, mas é corrupção do mesmo jeito.
Enquanto o mundo inteiro assiste com estupor as queimadas recordes na Amazônia e no Pantanal.
Para os defensores do credo bolsonarista isso sempre existiu, é coisa de ONG’s estrangeiras interessadas em questionar a soberania do país sobre assuntos internos, é coisa de índios e de caboclos que usam esse método para limpeza do solo, é coisa do Leonardo di Caprio.
Órgãos de monitoramento via satélite do Brasil e do mundo interior estão errados.
As imagens estão erradas, são infiltrados esquerdistas que querem desestabilizar o governo.
E a boiada vai passando.
Numa reunião convocada numa sexta-feira para acontecer na segunda, o Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama, que foi “desidratado” pelo atual governo, para excluir a participação da sociedade, revogou diversas normas de proteção ambiental, seja a proteção dos manguezais, das restingas, do cerrado, da exploração dos rios, lagos e da proteção as áreas de reservatórios.
O que tem? É o desenvolvimento.
O mercado e a especulação imobiliária em geral, agradece.
E é assim em toda a pauta ambiental, exploração desordenada de garimpos em reservas e áreas indígenas, incentivos à grilagem de terras públicas nas bordas da Amazônia e do Pantanal e por aí vai.
Vejam que mesmo o “gancho” que usam para se contrapor aos governos petistas se tornou contraditório.
Como falar em combate à corrupção quando o governo é “sustentado” politicamente pelos mesmos parlamentares – com poucas exceções –, envolvidos em onze de cada dez escândalos de corrupção dos governos petistas.
— Mas o “homem” precisa governar. Vai governar com quem?
Dizem as maltas do bolsonarismo utilizando, praticamente, o mesmo argumento do ex-ministro Zé Dirceu, em 2003, ao lotear o governo e montar o esquema que ficou conhecido como “mensalão” e depois “petrolão”.
O que tem de diferente é que a corrupção encontra-se “institucionalizada” através de outros mecanismos, não mais totalmente dentro do governo federal.
Agora usam a principal moeda da República: as emendas, distribuídas a granel e sem controle, inclusive, legal, para garantir a sustentação do governo.
Quantos bilhões o governo não lançou mão nos últimos tempos para “agradar” a base aliada?
Como nos governos anteriores ninguém liga para as burras da viúva – ou ligam em demasia, tanto que as querem para si.
E o governo federal, presidente à frente, faz de tudo para satisfazer a gula e ficar de bem com o eleitorado.
Pois, mais do que colocar o país no rumo do desenvolvimento e do progresso, o que está em jogo já é a disputa eleitoral de 2022.
Outro dia, os parlamentares aprovaram um “mimo” de isenção de quase um bilhão para as igrejas, o presidente por recomendação da ilegalidade pela equipe econômica, mas já dizendo aos seus aliados do Congresso que derrubem o próprio veto.
A mesma coisa é a “guerra” que trava para criar um programa assistencial mais robusto que o criado pelo petismo, que por sua vez era uma junção dos programas criados pelo PSDB.
Tudo com um propósito: comprar votos explorando a miséria do povo – ainda que o país tenha que pagar as consequências.
Noutra frente, e com igual importância, trabalham com incomum afinco para – e juntos –, para acabar com todos os avanços na área de controle e combate institucional à corrupção.
Não foi sem motivos que o presidente nomeou um procurador-geral de fora da lista tríplice formulada pelos integrantes do MPF.
Os resultados estão aí, a forças tarefas de combate à corrupção nos estados – as várias “lava jato” estão sendo desmobilizadas.
Alguém se lembra que o ex-juiz Moro deixou a magistratura porque acreditou na promessa que no governo não iria “pescar” corruptos com vara de pesca, mas com redes?
Desde o seu primeiro dia que assistiu a “promessa” esvair.
Viu o projeto de combate à corrupção ser aniquilado; as ações de combate à corrupção serem redirecionadas.
Viu as tentativas de aparelhamento da Polícia Federal.
E, por fim, teve que pedir demissão.
Agora, assiste aqueles mesmos corruptos que deveriam ser investigados, julgados e condenados “estancarem a sangria” –como bem queria o notório ex-senador Romero Jucá –, e reverterem com o silêncio e complacência de todos, os avanços no combate à corrupção que ele – e tantos juízes –, o Ministério Público, a Polícia Federal, travaram.
Assiste, também, o presidente da República a escolher ministro do STF, em comum acordo com o centrão, em convescote com Gilmar Mendes e Dias Tóffoli, as principais reservas morais do nosso Supremo.
Sobra a impressão que o Brasil faz um triste retorno a um triste passado.
Abdon Marinho é advogado.