AbdonMarinho - Inauguraremos a era dos ministros capachos?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Inau­gu­raremos a era dos min­istros capachos?

INAU­GU­RAREMOS A ERA DOS MIN­ISTROS CAPACHOS?

Por Abdon Marinho*.

O MIN­ISTRO Celso de Mello, do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, “pen­durou” a toga por estes dias, mais pre­cisa­mente, no dia 13 de out­ubro, dias antes de com­ple­tar os 75 anos idade, em 1º de novem­bro, data lim­ite para aposen­ta­do­ria com­pul­sória, com 31 anos na Corte Suprema e 50 anos de serviço público ao país – graduou-​se em 1969 e, a par­tir de 1970, através de con­curso, onde foi aprovado em primeiro lugar, pas­sou a inte­grar o Min­istério Público do Estado de São Paulo, de onde saiu para inte­grar o STF.

Com uma vida inteira ded­i­cada ao Dire­ito, o ex-​decano do STF, pos­sui uma car­reira jurídica sól­ida, tendo se car­ac­ter­i­zado por seus votos den­sos e de inigualáveis con­teú­dos.

Ao ingres­sar no Supremo e com 19 anos de car­reira no MPSP, já era recon­hecido por sua notável capaci­dade jurídica, esta, aliás, um dos pré-​requisitos para o ingresso na corte.

Nunca tive­mos notí­cias de ques­tion­a­men­tos à sua notável capaci­dade jurídica ou, tão pouco, quanto à falta de ilibação de sua con­duta, seja nos trinta e um anos na Suprema Corte, seja nos dezen­ove anos antecedentes no Min­istério Público de São Paulo.

Nas sessões que ante­ced­eram sua saída, na turma e no pleno, vimos em emo­cionadas saudações, os demais min­istros recon­hecerem a sua hon­radez e dig­nidade.

Mesmo o min­istro Gilmar Mendes, que por inúmeras vezes, dis­cor­dou dos posi­ciona­men­tos do ex-​ministro, não con­teve as lágri­mas no dis­curso de des­pe­dida.

Um justo recon­hec­i­mento pelos cinquenta anos de ded­i­cação ao dire­ito e ao serviço público brasileiro.

Mas, como nem tudo são flo­res, nos últi­mos anos, prin­ci­pal­mente desde que se instalou o atual gov­erno, o ex-​ministro vinha sofrendo ataques das hostes gov­ernistas e, prin­ci­pal­mente, da mil­itân­cia par­tidária vin­cu­lada ao pres­i­dente, incon­for­mada com algu­mas decisões e votos e, até, por críti­cas que fez em ambi­ente pri­vado – mas que vieram a público –, ao atual gov­erno, onde com­parou os arrou­bos autoritários dos atu­ais man­datários, com man­i­fes­tações sem­anais con­tra os demais poderes, ao ocor­rido na triste República de Weimar, naque­les anos que pre­ced­eram a tomada defin­i­tiva do poder na Ale­manha pelos nazis­tas e toda a des­graça que a ela se sucedeu.

A sanha detra­tora à guisa de não encon­trar um escân­dalo nos votos ou sus­peita de favorec­i­mento ou cor­rupção ou inter­esses sub­al­ter­nos, foi revolver da página de um livro do ex-​ministro da Justiça do gov­erno Sar­ney, Saulo Ramos, um único episó­dio pouco edi­f­i­cante, jamais des­men­tido – por edu­cação ou pudor –, por Celso de Mello.

O episó­dio nar­rado por Ramos, incerto no livro Código da Vida, dar conta de um diál­ogo havido entre o autor e o ex-​ministro sobre uma votação que inter­es­saria ao ex-​presidente José Sar­ney, que o indicara para o cargo de min­istro e que ele, Mello, votara con­tra.

Ao cobrar os motivos de seu posi­ciona­mento, o ex-​ministro teria respon­dido ao autor do livro que votara con­tra porque o jor­nal Folha de São Paulo ante­ci­para que ele votaria a favor do ex-​presidente Sar­ney e, como este já gan­hara a votação antes de chegar sua vez de votar, votou contra.

No livro, Ramos diz que o chamou de “juiz de merda” e nunca mais lhe dirigiu a palavra.

O livro de Ramos foi ques­tion­ado por algu­mas pes­soas, que dis­seram que o mesmo con­tara a história “causa própria”. O próprio Mello, como dito ante­ri­or­mente, nunca soube ter dito nada sobre o assunto.

Com quase trinta anos de “mundo jurídico”, onde tudo se comenta, como em um salão de beleza, e gozando de boa memória, nunca ouvi falar de nada, exceto este episó­dio, que desabonasse ou pusesse em xeque a con­duta do min­istro recém-​aposentado. Um ato de cor­rupção ou desvio de con­duta, nada.

Pois este único episó­dio, que já conta com quase três décadas, foi o que bas­tou para uma sór­dida cam­panha dos mil­i­tantes bol­sonar­is­tas con­tra o ex-​ministro, a quem só se refe­riam (ou se ref­erem) como “juiz de merda”. Essa tem sido a can­tilena nos dois últi­mos anos.

Faço tais con­sid­er­ações sobre a vida do ex-​ministro porque o pres­i­dente da República, até com um der­radeiro gesto de grosse­ria por alguém que dedi­cou 50 anos de sua vida ao serviço público, mal o então decano anun­ciara a data da saída, já tinha o nome pronto para ocu­par a vaga. Não esperou a “missa de sétimo dia”, o defunto ainda quente na sala, já o sub­sti­tuto aden­trava ao recinto.

E é sobre este pro­ceder pres­i­den­cial e sobre as suas escol­has que, pro­pri­a­mente, trata o pre­sente texto.

Desde que assumiu – e mesmo antes disso –, o pres­i­dente vem usando as vagas que sur­girão no Supremo, e tam­bém, nos out­ros tri­bunais, como moeda de troca.

Faz isso com tanta des­façatez e “desaver­gonhamento” que por vezes chego a pen­sar que isso é nor­mal. Ape­nas por um momento, logo percebo que nada disso é nor­mal, nem mesmo o “novo nor­mal”, é ape­nas descara­mento diante da omis­são dos poderes con­sti­tuí­dos que teimam em perseguir a própria desmor­al­iza­ção.

Me detendo ape­nas no Supremo Tri­bunal Fed­eral, a Con­sti­tu­ição Fed­eral, no artigo 101, esta­b­elece “Art. 101. O Supremo Tri­bunal Fed­eral compõe-​se de onze Min­istros, escol­hi­dos den­tre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e rep­utação ilibada”.

Muito emb­ora, den­tro das bal­izas con­sti­tu­cionais, exista uma vastidão a per­mi­tir a escolha, espera-​se que as escol­has recaíam sobre elas.

Antes mesmo de abrir a vaga ocu­pada pelo ex-​ministro Celso de Mello, o pres­i­dente já havia dito que indi­caria um min­istro “ter­riv­el­mente” evangélico, doutra feita, que indi­caria um min­istro com quem pudesse tomar uma cerveja.

Nada tenho con­tra os evangéli­cos ou os apre­ci­adores de cerve­jas, mas estes não são critérios para se escol­her min­istros de tri­bunais.

Ape­sar das inusi­tadas colo­cações a pat­uleia e, pior, os poderes con­sti­tuí­dos silen­ciam como se fos­sem nor­mais.

Mesmo aquela mil­itân­cia que disse ter votado no atual man­datário numa perseguição à ética per­dida na política, aplaude e acha nor­mal estes despautérios.

E não falo ape­nas daque­les que se deixaram “cegar” pelas escol­has ide­ológ­i­cas, mesmo pes­soas esclare­ci­das, aplau­dem e acham nor­mais esse tipo de coisa.

E, das palavras à ação – prin­ci­pal­mente diante do silên­cio cúm­plice, obse­quioso ou covarde –, é um pulo.

Antes mesmo de aberta a vaga ocu­pada pelo decano, o pres­i­dente, como dis­se­mos, tra­tou logo de indicar para preenchê-​la o desem­bar­gador do Tri­bunal Regional da Primeira Região, Kás­sio Mar­ques, que ingres­sou naquele tri­bunal na vaga do quinto con­sti­tu­cional des­ti­na­dos aos advo­ga­dos, nomeado, em 2011, pela então pres­i­dente Dilma Rouss­eff.

Estran­hamente, segundo noti­cia a mídia, o desem­bar­gador estava em “cam­panha” por uma vaga no Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, quando acabou caindo nas “graças” do pres­i­dente e gan­hando a indi­cação para o mais alto degrau da fama.

Indi­cação feita, exceto por algu­mas fran­jas bol­sonar­is­tas, – e pelos motivos erra­dos –, que cobravam a nomeação de alguém “ter­riv­el­mente” evangélico, a escolha, ao que parece, agradou em “cheio” classe polit­ica, sobre­tudo, aque­les mais encalacra­dos com a justiça, do chamado “cen­trão”, agora prin­ci­pal força polit­ica na base do gov­erno e que, certa vez, um impor­tante min­istro do gov­erno fez o seguinte tro­cadilho: – se gri­tar pega “cen­trão”, não fica um meu irmão; os petis­tas, respon­sáveis, como dito ante­ri­or­mente, pela indi­cação ao TRF1.

A classe polit­ica parece tão sat­is­feita com a nova indi­cação para Suprema Corte que ninguém diz nada, impera o mutismo, em relação as incon­sistên­cias cur­ric­u­lares do indi­cado, aos indica­tivos de plá­gios nas teses defen­di­das e, até mesmo, nas denún­cias – várias –, de que não pos­suiria o notável con­hec­i­mento jurídico e a con­duta ilibada.

É ver­dade que ninguém disse nada, aliás, nem ligou, quando da nomeação pelo gov­erno do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, para o cargo que ocupa hoje. Como é comum nestes casos.

Entre­tanto, agora, esta­mos falando de uma indi­cação para mais ele­vada corte de justiça do país, onde o escol­hido, com menos de 50 anos, ficará por lá, com o dire­ito de “errar por último”, como os próprios inte­grantes da Corte fazem questão de dizer, por quase trinta anos.

Trata-​se de algo de tamanha importân­cia que dev­e­ria mobi­lizar toda a sociedade.

Assiste-​se, entre­tanto, uma estranha letar­gia diante de uma indi­cação, no mín­imo con­tro­versa, tendo o rela­tor da indi­cação no Senado República adi­antado, diante das incon­sistên­cias cur­ric­u­lares do pos­tu­lante, que o cur­rículo para o mais ele­vado cargo do judi­ciário brasileiro, não tem relevân­cia.

A mim, soa como ina­cred­itável que a classe política e a sociedade civil tratem a indi­cação e escolha de um min­istro para STF com o pouco caso de quem se apeia um bode em uma beira de estrada no Piauí.

Mesmo aque­les que estavam nas ruas, desde o ano de 2013, cobrando moral­i­dade, respeito a coisa pública e o fim da cor­rupção, parece-​me que nada têm a dizer diante da nomeação de um min­istro do STF por um con­vescote de pes­soas de con­duta duvi­dosa.

Quer me pare­cer que nada apren­deram com as con­se­quên­cias de quando o ex-​presidente Lula, indi­cou um mil­i­tante do par­tido e sub­or­di­nado de Zé Dirceu para o Supremo, ainda no seu primeiro gov­erno.

A escolha do novo min­istro parece seguir os mes­mos pas­sos daquela infe­liz escolha, numa ver­são pio­rada.

Ao bater os olhos no indi­cado por seus novos ali­a­dos políti­cos, o pres­i­dente tra­tou de levá-​lo pes­soal­mente para um “acerto” de posições com os notáveis min­istros Gilmar Mendes e Dias Tóf­foli.

Não sat­is­feito, em “bate-​boca” com seguidores nas redes soci­ais, adiantou uma dezenas de votos do futuro min­istro.

Chega a ser desmor­al­izante não só para o min­istro mas para todo o tri­bunal os votos de qual­quer inte­grante da corte seja ante­ci­pado por quem quer que seja.

Como alguém, em sã con­sciên­cia, pode acred­i­tar que esse tipo de coisa está certa? Não, não tem nada certo nisso.

Assim, como Celso de Mello, temo pelo futuro do país. Temo mais ainda quando vejo a comunhão de malfeitores em torno de um mesmo inter­esse.

A certeza é que dias piores virão.

Abdon Mar­inho é advogado.