CACHAÇA NO LEITE.
Meu pai – analfabeto por parte de pai, mãe e parteira –, costumava dizer que no Maranhão o que dinheiro ou «taca» não resolvesse era porque fora pouca. Dizia isso, acredito, não no sentido da corrupção permear todas as relações – sequer sabia o que era isso –, mas no sentido de que para os ricos, os poderosos, os bem nascidos, o peso das auguras pesava menos sobre os ombros.
Vejamos o caso da ex-prefeita de Bom Jardim – que analiso de longe, sem conhecer minúcias, e por isso peço um desconto –, onde as autoridades fazem de tudo para serem desmoralizadas.
A Polícia Federal, em qualquer pesquisa de opinião que se faça, figura como uma das mais respeitáveis instituição da República. Isso se deve, sobretudo, ao grande volume de ações que empreendeu, para combater a corrupção que assola o país. Em que pese o êxito ser pouco, pois quanto mais se descobre roubos mais aumenta a fome dos dadores do dinheiro público, o trabalho da polícia é reconhecido como serio e eficiente.
Dito isso, soa como inverossímil que a Polícia Federal tenha levado um «banho» da quase adolescente prefeita de Bom jardim, de 25 anos, que conseguiu ficar à solta por 39 dias. Só se entregando, ao que parece, através de um acordo prévio, que lhe garantisse um tratamento diferenciado em relação a outras pessoas em iguais situações.
Até para uma pessoa que não tem muita vivência nesta área, pareceu estranho que a PF tenha levado o “banho” que levou, ainda mais de uma jovem inexperiente como já referido.
A impressão que fica – e que deve está equivocada – é que não fizeram tudo que podiam e deviam para prendê-la ou que não são esse modelo todo de eficiência que tanto orgulha a sociedade brasileira.
Diante do fato da Câmara Municipal de Bom Jardim ter declarado vago o cargo de prefeito pela ausência da titular por mais de dez dias do município e empossado a vice-prefeita em caráter definitivo como prefeita, cessou o foro privilegiado da foragida, baixando o processo para a competência de uma das varas criminais da Justiça Federal.
Diante de tal fato, a primeira medida dos defensores, da agora ex-prefeita, foi pedir o relaxamento do mandado de prisão, embora a requerente ainda que a mesma estivesse foragida.
Ainda, pelo que soube, o juiz que assumiu o caso concedeu o prazo de 72 horas para que se apresentasse à polícia, prestasse depoimento e fosse conduzida para o quartel do corpo de bombeiros, para, só então se manifestar sobre o pedido de revogação da prisão.
Não tenho dúvida alguma que juiz agiu dentro da mais estrita observância aos parâmetros legais e, até o recolhimento da ex-prefeita numa prisão especial, deve ter sido motivada na intenção de preservar-lhe a integridade física, diante da enorme repercussão adquirida pelo caso, manchete em todos os meios de comunicação no país e até no exterior.
A forma como divulgaram o assunto – com alguns jornalistas dando conta como certa a soltura da ex-prefeita – passam a ideia de há um suposto favorecimento, privilégio e que a Justiça Federal estaria a colaborar com ele. O que, acreditamos, esteja bem longe de corresponder à verdade.
Claro que uma foto que circulou na internet mostrando como cela uma quarto com cama confortável, televisão de LED e frigobar, bem como, um lanche do bob’s supostamente servido a ex-prefeita por ocasião do seu depoimento, não contribuíram muito para dissipar a ideia de que algo incomum estaria ocorrendo.
Noutra quadra, a ex-prefeita, orientada por brilhantes advogados, trabalha e acalenta a ideia de retornar ao comando do município. A senha para isso foi dada durante o depoimento após se entregar à polícia. Lá, no depoimento, fez questão de consignar que jamais deixara o município, permanecendo durante todo esse tempo visitando os munícipes em seus povoados, sobretudo, suas aldeias indígenas.
Os índios, claro, negaram tal visita. Um chefe de aldeia chegou a afirmar que a ex-alcaidina, não só não esteve por lá, como fazia tal afirmação no propósito de denegrir a imagem dos mesmos. Também, se não me falha a memória, ouvi de um delegado que a afirmação careceria de verdade.
Não deixa de ser estranho que saiba onde a prefeita não estava, mas que não soubesse onde estava. Mas, entre o céu e terra, sempre cabe uma explicação.
Ao afirmar que não se ausentara do município durante 39 dias – período em que nem a polícia federal, com todo seu aparato e competência, sabia onde estava –, tenta tornar sem efeito a decisão da mesa legislativa que declarou vago seu cargo.
Vejam como é interessante a tese: a prefeita aproveitou o fato de não ser prefeita para pleitear o relaxamento de sua prisão em primeira instância e, na outra frente, argumenta que jamais perdera a condição de prefeita pois não deixara o município.
Diante de todos estes fatos, fico em dúvidas se tudo isso não é movido por alguma cachaça forte, talvez com leite.
Abdon Marinho é advogado.