AbdonMarinho - O GOLPE DE ITARARÉ
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O GOLPE DE ITARARÉ

O GOLPE DE ITARARÉ.

Sem­pre que ouço essa balela de que um processo de impeach­ment é golpe lem­bro de batalha de Itararé, aquela que se tornou famosa por não ter existido.

Os defen­sores da pres­i­dente da República, sen­hora Dilma Rouss­eff, têm todo o dire­ito de diz­erem que não há motivo para o processo de imped­i­mento; que ela não roubou din­heiro público; que não pos­sui conta na Suíça; que pref­ere guardar seu din­heiro, con­forme declarou, sob o colchão.

Emb­ora ache que este­jam erra­dos, este é um dire­ito que os assiste.

O que me irrita é quando vêm com essa bobagem de que o processo de impeach­ment é um golpe na democ­ra­cia, repetindo o dis­curso sur­rado de Col­lor há mais de vinte anos.

Outra ten­ta­tiva de enga­nar a pop­u­lação é colo­car o pedido de impeach­ment como sendo uma vin­gança de Cunha.

E, aqui, cabe um outro esclarec­i­mento, este sen­hor, agora exe­crado pelo gov­erno e seus apanigua­dos, enquanto se mostrava aten­cioso aos dese­jos do petismo, era muito bem quisto eles. Até na última hora antes de man­dar proces­sar o pedido dos juris­tas, era poupado das críti­cas, só virou demônio quando man­dou seguir com o processo. Aliás, e para reg­istro, foi na última década que o indig­i­tado cidadão cresceu politi­ca­mente e fez isso graças às benesses con­seguidas do gov­erno dos companheiros.

Quem per­mi­tiu que Cunha se tor­nasse tão forte e poderoso se não o gov­erno da clep­toc­ra­cia insta­l­ado em 2003?

Exam­inem a história da era petista e terão a resposta.

Outro motivo da minha irri­tação é quando dizem: – mas tirar o PT para colo­car o PMDB? Pois é, nos chan­tageiam com uma escolha que foram os petis­tas que fiz­eram. Foram eles que escol­heram o PMDB, o Temer, o Sar­ney, o Renan, o Jucá, o Jader, o Cunha, o Lobão e toda sua turma. O par­tido e estas notórias lid­er­anças são sócios do poder na Era petista. Servi­ram esse tempo todo para com­par­til­har o poder e não servem mais? Deve­mos mais essa des­graça a eles.

Mas volte­mos ao golpe de Itararé.

O insti­tuto do impeach­ment é o único instru­mento (fora as ações eleitorais próprias) colo­cado à dis­posição de qual­quer cidadão para o ques­tion­a­mento dos man­da­dos pres­i­den­ci­ais, min­istros de estado, do supremo e do procu­rador geral da República.

Como uma pre­visão con­sti­tu­cional pode ser con­sid­er­ada golpe à democracia?

No nosso enten­der ques­tionar o man­da­mento con­sti­tu­cional, con­ve­nien­te­mente, agora, isso sim, parece-​nos uma ten­ta­tiva de golpe.

Uma per­gunta que se impõe é, por que somente agora o proces­sa­mento de um pedido de impeach­ment é golpe?

A per­gunta é per­ti­nente uma vez que grande parcela dos que vejo empun­hando a ban­deira de que um processo de impeach­ment é golpe, estavam na linha de frente defend­endo o mesmo tipo de processo con­tra os demais presidentes.

Quando Tan­credo foi inter­nado às vésperas da posse em 15 de março de 1985, chegaram a sug­erir que uma junta assumisse e não o vice-​presidente, José Sar­ney, isso, para eles não era golpe.

Quando ten­taram reduzir o mandato do mesmo Sar­ney, chegando a reduzi-​lo em um ano – o mandato era de seis anos –, ninguém disse que era golpe.

Aliás, muitos dos que dizem está em curso um golpe, estavam naque­les anos pro­movendo man­i­fes­tações vio­len­tas con­tra o gov­erno, atacando-​o a paus e pedras. E, não viam, na ten­ta­tiva de apear um gov­erno na marra, nada de golpismo.

Quando abri­ram o processo de impeach­ment e cas­saram Col­lor em 1992 – quase todos que dizem ser golpe con­tra Dilma estavam com a cara pin­tada con­tra ele –, não foi golpe.

O vice-​presidente Ita­mar Franco assumiu em 1992 para con­cluir o mandato de Col­lor – muitos dos que dizem ser golpe con­tra Dilma, defend­eram, ini­cial­mente, a rup­tura da ordem insti­tu­cional para con­vo­car novas eleições, ninguém aparece para dizer que isso foi uma ten­ta­tiva de golpe –, con­tra ele, tam­bém, pro­puseram aber­tura de processo de impeach­ment, foi golpe?

O Fer­nando Hen­rique Car­doso, que sucedeu Ita­mar Franco, rece­beu, con­tra seus dois mandatos, dezes­sete pedi­dos de aber­tura de processo de impeach­ment – um deles tinha por base o fato de ter dito uma coisa na eleição e feito outra, acusaram-​no de praticar este­lion­ato eleitoral. Os mes­mos que hoje dizem ser golpe o processo com a sen­hora Rouss­eff, estavam na linha de frente defend­endo a con­sti­tu­cional­i­dade do pedido. Qual­quer um que olhar os arquivos da mídia do ano 1999, verá que os mes­mos par­tidos, as mes­mas lid­er­anças políti­cas que dizem ser golpe con­tra Dilma e con­tra a democ­ra­cia, lá estavam pedido, exigindo – no Con­gresso Nacional e nas ruas (lem­bram a famosa passeata dos 100 mil?) – o imped­i­mento de FHC.

Tanta pressão e tanto barulho fiz­eram que um dos pedi­dos foi acatado – mor­reu no voto.

O próprio sen­hor Lula que esteve na linha de frente defend­endo o impeach­ment de quase todos os pres­i­dentes de 1985 para cá, sofreu algu­mas dezenas de pedi­dos de impeach­ment. Não lem­bro de ter havido nen­huma his­te­ria por conta disso. Não lem­bro de ninguém berrando tratar-​se de um golpe.

Como disse, entendo como golpista o menoscabo que se faz da dis­posição con­sti­tu­cional, colo­cada à dis­posição da cidadania.

Admitir-​se que uma regra con­tida na Con­sti­tu­ição está eivada de ile­gal­i­dade, quando nunca se teve qual­quer dúvida a respeito de sua val­i­dade, aí sim, encontra-​se patente um golpe, o casuísmo.

A pres­i­dente da República teve quase meia cen­tena de pedi­dos de impeach­ment, como FHC, um deles foi admi­tido. Assim como ele, poderá se defender no parlamento.

Esta é uma prova do reg­u­lar fun­ciona­mento das insti­tu­ições. Não enx­ergo qual­quer razão para esse debate histérico.

Difer­ente de quando ten­taram impedir Sar­ney de assumir; de quando ten­taram lhe afas­tar na marra; de quando ten­taram impedir Ita­mar Franco de suceder o mandato de Col­lor e de muitos out­ros pedi­dos de impeach­ment con­tra pres­i­dentes, basea­dos, uni­ca­mente, no incon­formismo, este, ao que parece, pos­sui base sól­ida. Talvez esteja aí a razão desta gri­taria de que se trata de golpe con­tra a democracia.

A única razão para que digam está em curso um lev­ante das dire­itas rea­cionárias, golpis­tas e anti­democráti­cas é o fato de ser o mod­elo petista de gov­ernar que está sendo ques­tion­ado. Se não fosse isso, se fosse con­tra qual­quer outro, estaria tudo muito bem, tudo muito bonito.

Quando só um grupo se acha no dire­ito de gov­ernar sem ser ques­tion­ado, não ten­ham dúvi­das, está em curso um golpe.

Abdon Mar­inho é advogado.

(Texto sem correção).