UM SILÊNCIO CONSTRANGEDOR.
Logo no inicio do ano, se não me falha a memória, em março, o deputado federal Hildo Rocha (PMDB/MA), em pronunciamento na tribuna da Câmara dos Deputados acusou o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão de negociar decisões em processos de cassação de políticos, tirando o direito de quem tinha para dar a quem não tinha. Asseverava que aquela corte agia como autêntico balcão de negócios.
Naquela oportunidade, escrevi um texto intitulado “O silêncio é a pior resposta”, onde cobrava uma posição do tribunal no sentido de apurar a denuncia do deputado, afinal tratava-se de um representante do povo acusando uma corte de corrupção.
O tempo encarregou-se de colocar o assunto no esquecimento. O tribunal, ao que soube, ainda encaminhou uma solicitação de apuração da denúncia à Polícia Federal.
Se apuraram ou apuram, o resultado ficou e permanece mais guardado que cabelo de freira, ninguém viu.
O dito pelo não dito trata-se de uma prática infame que ao invés de deixar livre de quaisquer suspeitas os inocentes, joga todos na vala comum da suspeição. É a pior das soluções tanto por não punir os que, por ventura, tenham se desviado, como por estimular que outros façam o mesmo. E também por igualar corruptos aos homens de bem.
Como – ao menos publicamente – não houve um protesto veemente, um pedido de explicações, representações à corregedoria da Câmara dos Deputados solicitando apuração do fato, estimulou-se que outras acusações, no mesmo sentido, descabidas ou não, fossem feitas.
Foi o que aconteceu com o deputado estadual Fernando Furtado do PC do B.
No discurso já célebre proferido no Município de São João do Caru, onde atacou a FUNAI, INCRA, Igreja Católica, Justiça Federal, Partido dos Trabalhadores — PT e no qual chamou chamou os indígenas de “veadinhos» – ainda hoje tento entender o que o nobre parlamentar tem a ver com o quê, indígenas, brancos, negros ou amarelos, fazem na sua intimidade –, aproveitou para acusar colegas do parlamento estadual e os magistrados do Tribunal de Justiça do Maranhão de práticas pouco recomendáveis às suas atribuições.
Segundo li o parlamentar comunista teria afirmado: “Eu fiz o meu pronunciamento incomodando alguns deputados que têm trânsito no Tribunal e fazem negociatas, para poder voltar prefeitos com R$ 100 mil e R$ 200 mil, em posto de gasolina. Porque eu fui passar uma noite de domingo em um posto de gasolina em São Luís para flagrar uma negociata dessas com um genro de um desembargador. Eu estava lá de madrugada, vendo tudo. Porque podem fazer comigo duas coisas: ou eu perder o mandato ou eles me matarem. Agora, eu não vou me calar”.
Sob qualquer ângulo que se examine, as palavras do deputado são revestidas de gravidade ímpar: primeiro por acusar seus colegas deputados de fazerem negociatas dentro do TJMA (quais deputados? com quem são feitas as negociatas? desembargadores? assessores? lobistas?); segundo, que as tais “negociatas» foram feitas para voltar prefeitos afastados pela Justiça (quais prefeitos pagaram entre R$ 100 e R$ 200 mil para voltarem? O dinheiro veio de onde? Dos cofres públicos?); terceiro, o próprio parlamentar afirma ser testemunha ocular de tal fato, tendo ficado uma noite inteira de campana ocasião em que viu um genro de desembargador neste tipo de negociata (por que não chamou a polícia para prender os envolvidos em flagrante? Por que não fez uma representação à corregedoria? Por que não representou à corregedoria da ALEMA?).
Todas as condutas narradas – inclusive a do próprio narrador, ao se omitir das providências que lhe cabia enquanto servidor público para todos os efeitos –, constituem crimes, constam do Código Penal Brasileiro.
Ainda que não fossem condutas criminosas, não restam dúvidas que ultrapassam quaisquer limites de decoro.
Os parlamentos costumam fazer «vistas grossas» às condutas de seus membros. Entendem que nunca ultrapassam as prerrogativas do cargo. Raramente alguma investigação sobre quebra de decoro resulta em censura ou outra punição ao infrator. Isso acontece em todo canto.
Desde que os primeiros trechos do pronunciamento do parlamentar veio a público que era de se esperar algum pronunciamento da Assembleia Legislativa sobre o fato. Até onde sei, ninguém disse nada.
Acham normal um parlamentar afirmar que colegas fazem intermediação de decisões judiciais? Acham normal que parlamentar faça campana e comprove tal e sobre ela silencie? Acham normal que fazer silêncio sobre isso? Querem que a sociedade tenham como normal que deputados se ocupem de negociar decisões judiciais? Que decisões judiciais sejam negociadas por R$ 100 ou R$ 200 mil ou por qualquer valor?
Se da ALEMA não se pode esperar muita coisa com relação apuração de fatos de tamanha gravidade o mesmo não deveríamos esperar do TJMA – mais atacado pelas palavras do parlamentar que o próprio parlamento.
Diante das palavras do deputado, o TJMA conseguiu ser menos eficaz que parlamento. Segundo uma emissora de TV, o tribunal se manifestou para dizer que não iria se «manifestar» uma vez que o deputado não declinara os nomes dos vendilhões de decisões. Agiu como o cidadão que comparece ao local para dizer que não vai comparecer. Melhor teria feito se tivesse feito ouvidos moucos.
Ora, ao tribunal, caberia (e ainda cabe), ao menos interpelar o parlamentar para que ele decline o nome dos envolvidos nas negociatas que ele afirma ter testemunhado na madrugada, enquanto fazia campana. Ou, ainda, que solicitasse a autoridade policial a abertura de inquérito para apurar o que foi dito. Ou, desafiá-lo para provar as acusações lançadas.
O silêncio do tribunal não serve a ninguém, muito menos ao seus membros, que ficam, todos, sob o manto da suspeição. Culpados (se houver) e inocentes estão todos enlameados pelas palavras do deputado, em face do silêncio do tribunal. Tal comportamento é injusto com as pessoas sérias, de boa índole e cumpridoras de suas obrigações funcionais.
As graves acusações estão estampadas em todos os veículos de comunicação, as autoridades e entidades envolvidas – a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público Estadual, a Associação de Magistrados e até a Ordem dos Advogados do Brasil –, não podem fingir que não viram, que nada foi dito, que não foi com eles, e quedarem-se inertes.
Estas instituições, ao se furtarem de responder ou de esclarecer o real sentido das palavras do deputado Furtado, estão dizendo que ele está certo e que suas afirmações são expressões da verdade.
As palavras ditas, são claras, em demasia, para admitir quaisquer tipos meios – termos ou de comportar o silêncio como resposta.
A sociedade, a patuleia pagadora de impostos, tem, sim, o direito de saber se estão todos de acordo com elas.
Apenas isso.
Abdon Marinho é advogado.