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AMI­GOS, ALI­A­DOS, COM­PAN­HEIROS, CÚMPLICES?

Escrito por Abdon Mar­inho

AMIGOS, ALI­A­DOS, COM­PAN­HEIROS, CÚMPLICES?

Quando fui asses­sor da Assem­bleia Leg­isla­tiva do Maran­hão, lá pelo começo dos anos noventa, tive a opor­tu­nidade de teste­munhar um dos momen­tos mais engraça­dos daquela legislatura.

Acom­pan­hava a sessão de uma Comis­são Par­la­men­tar de Inquérito – CPI, que apu­rava o crime orga­ni­zado no Estado.

Naquela tarde um dos dep­uta­dos estad­u­ais iria prestar esclarec­i­men­tos sobre o fato apurado.

O deputado/​relator começou sua inquirição:

– Dep­utado, Vossa Excelên­cia con­heceu fulano de tal?

– Sim. Foi meu amigo. Morreu.

– E bel­trano de tal?

– Tam­bém con­heci, gente muito boa, tam­bém já morreu.

– E sicrano de tal?

– Tam­bém foi meu amigo, infe­liz­mente já morreu.

Assim foi por mais, se não me falha a memória, uma dúzia de pes­soas, ami­gas do inquirido e já falecidas.

O deputado/​relator então encerrou:

– Dep­utado, Vossa Excelên­cia não acha estranho que tan­tos ami­gos seus este­jam mortos?

Ao que o deputado/​inquirido respon­deu de pronto:

– Acho não, dep­utado, tanto é assim que tenho mais ami­gos vivos que mortos.

A plateia não con­teve a gargalhada.

Desde as primeiras horas da manhã acom­panho o desen­ro­lar dos fatos sobre a prisão do senador Del­cí­dio do Ama­ral (PT/​MS). Neste tempo, não tive como não me lem­brar daque­les dias.

Nos últi­mos dez anos (talvez até antes), não passa um mês sem que um escân­dalo envol­vendo algum des­mando neste gov­erno do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT, não venha à tona. Todos eles, invari­avel­mente envol­vendo, diri­gentes par­tidários, deten­tores de mandatos, pes­soas do cír­culo ínti­mos do ex-​presidente Lula.

Acred­ito que o ex-​presidente se tivesse na condição daquele ex-​deputado/​inquirido nos anos noventa não pode­ria dizer, difer­ente daquele, que tem mais ami­gos, ali­a­dos, com­pan­heiros de par­tidos, não envolvi­dos que envolvi­dos em escân­da­los de corrupção.

Já em 2005, no ter­ceiro ano de mandato foi a vez do todo-​poderoso, min­istro da Casa Civil, José Dirceu, pon­tif­icar o escân­dalo do men­salão. Saiu fugido da Casa Civil, foi cas­sado pela Câmara dos Dep­uta­dos, con­de­nado pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, preso. Cumprindo a pena já em régime aberto foi nova­mente preso pela Oper­ação Lava Jato.

Junto com ele no escân­dalo do Men­salão (Ap 470) foram igual­mente con­de­na­dos o sen­hor Delúbio Soares, a quem o ex-​presidente Lula referia-​se, car­in­hosa­mente, como o com­pan­heiro Delúbio (ex-​tesoureiro da leg­enda); na mesma ação ainda foram igual­mente con­de­na­dos o ex-​deputado José Genoíno, ex-​presidente da leg­enda e um dos ícones do par­tido e o ex-​deputado e ex-​presidente da Câmara dos Dep­uta­dos João Paulo Cunha, só para citar os grandes, vez que na mesma rede tam­bém caíram os ali­a­dos do régime e ami­gos de primeira hora.

Agora, no chamado escân­dalo do “Petrolão”, que iniciou-​se ainda no ano pas­sado, não tem um dia que não sejamos sur­preen­di­dos com um fato novo – se é que ainda existe quem se sur­preenda com os vex­ames pro­tag­on­i­za­dos por essa turma. Durante todo processo do “Men­salão”, a máquina de pro­duzir escân­da­los e aliviar os cofres públi­cos não deixou de tra­bal­har um dia sequer, sem­pre ali­men­tando e se ali­men­tando da mis­éria do povo brasileiro.

Noticia-​se que o Sr. José Dirceu, até enquanto cumpria a pena no presí­dio da Papuda rece­bia pelo seu tra­balho de con­sul­tor. Talvez o pre­sidiário mais bem suce­dido da história do país.

Tanto fez e com tanto deste­mor (con­fi­ante na impunidade) que foi, mais uma vez, con­vi­dado a ser hós­pede do Estado, desta vez no estado do Paraná.

Mais uma vez, a alta hier­ar­quia do par­tido envolvida e sendo motivo de cha­cota no resto do mundo. Além do Sr. Dirceu quem tam­bém é hós­pede do Estado é o ex-​tesoureiro da agremi­ação, João Vac­cari Neto, cri­ador da moeda da propina chamada “pix­uleco”, o ex-​deputado e ex-​vice-​presidente da Câmara dos Dep­uta­dos André Var­gas. Isso, sem falar nos ami­gos empre­it­eiros e ex-​diretores da Petro­bras que fiz­eram parte do con­luio que san­graram a empresa brasileira, patrimônio nacional em mais de U$ 20 bil­hões de dólares, sem con­tar os pre­juí­zos indi­re­tos, com a desval­oriza­ção no mer­cado, e os out­ros que virão à medida em que a empresa for con­de­nada a pagar vul­tosas ind­eniza­ções aos investi­dores estrangeiros.

Os escân­da­los não se resumem a estes com pre­sos e con­de­na­dos. Difi­cil­mente se encon­tra uma área do gov­erno imper­me­ável à gana dos cor­rup­tos. Até o Min­istério do Plane­ja­mento que se pen­sava não inter­es­sar a ninguém alcançou o inter­esse de dos petis­tas ilus­tres, o ex-​ministro Paulo Bernardo e sua esposa, a senadora Gleisi Hoff­mann, sem falar nos que orbitam e operam o esque­mas de corrupção.

Caso o sen­hor Lula seja inocente – e não há motivos para descon­fiar que não seja –, será o cidadão mais traído da história deste país, senão, talvez, o mais tolo. Seus com­pan­heiros de par­tido, o enga­naram em esque­mas mon­u­men­tais de cor­rupção. Ao menos dois dos seus fil­hos fiz­eram for­tuna de encher os olhos nos últi­mos anos – um deixando de ser zelador de zoológico para ser um dos empresários mais promis­sores e ricos do país.

A pros­peri­dade repentina faz sur­gir sus­peitas de esque­mas mal expli­ca­dos envol­vendo traficân­cia de influên­cia e out­ros for­matos de corrupção.

Nos últi­mos dias o empresário José Bum­lai, empresário com fazen­das nas quais o ex-​presidente costumava/​costuma pas­sar tem­po­radas pes­cando e a quem foi dado passé-​livre ao gabi­nete pres­i­den­cial a qual­quer hora do dia ou da noite apre­sen­tando uni­ca­mente um crachá, exper­i­men­tou o diss­a­bor de ser preso e con­duzido ao cen­tro da oper­ação Lava Jato no Paraná, desta feita por sus­peitas de envolvi­mento com esque­mas na Petro­bras e tam­bém no BNDES.

Por último – até aqui – foi a vez da prisão do senador Del­cí­dio do Ama­ral (PT/​MS), líder do gov­erno, o primeiro senador e líder do gov­erno preso até onde me lem­bro. Acusação e o escopo doc­u­men­tal dão conta de uma con­duta gravís­sima: atra­pal­har as inves­ti­gações poli­ci­ais, obstruir o anda­mento do processo, pro­mover a evasão de um cidadão preso para o estrangeiro para que o mesmo não con­fesse crimes que o envolva.

Não há notí­cias nos anais do Senado da República de con­duta tão grave. Um senador envolvido em coisas assim já são de chocar. Quando este senador é tam­bém líder do gov­erno e o crime a que se tenta acober­tar envolve out­ras pes­soas impor­tantes do gov­erno, não há o que se pensar.

São tan­tos os ami­gos, os ali­a­dos, os com­pan­heiros, envolvi­dos em crimes cuja as penas já pas­saram com sobra de mil anos de con­de­nação que o ex-​presidente Lula acabará por ficar soz­inho do lado de fora das grades.

Por enquanto.

Abdon Mar­inho é advogado.

Em tempo: O fato nar­rado sobre a ALEMA efe­ti­va­mente ocor­reu. Preferi omi­tir os nomes para evi­tar o fuxico.

O INFERNO É A INTOLERÂNCIA.

Escrito por Abdon Mar­inho

O INFERNO É A INTOLERÂNCIA.

Pas­sei minha primeira infân­cia na roça, meus pais eram agricul­tores, anal­fa­betos por parte de pai mãe e parteira. O cen­tro urbano mais próx­imo ficava a 6 km de dis­tân­cia, como não tín­hamos estrada ou veículo, pare­cia ser bem mais longe.

As lem­branças que guardo daque­les dias, das pes­soas sim­ples, são todos de tol­erân­cia. Lem­bro que minha família era católica, minha mãe devota de São Fran­cisco, tinha um pequeno oratório na sala onde guar­dava os san­tos e acen­dia velas. Um dos meus irmãos, o que nasceu logo antes de mim, em hom­e­nagem ao santo, levou o nome de Fran­cisco. Acometido de poliomielite com um ano e pouco de vida, minha promessa foi vestir-​me como fran­cis­cano por um ou dois anos. E, sem­pre que algum amigu­inho vinha com goza­ção por conta da batina – as cri­anças sabem ser cruéis e os mais vel­hos tam­bém – já a lev­an­tava e mostrava o cacho e dizendo: – olha aqui quem é mul­herz­inha. Já não usava cue­cas para isso. Talvez, por isso mesmo tenha crescido um pouco mais. Rsrs.

Pois bem, emb­ora fosse um povoado pequeno, tin­ham pes­soas lig­adas às igre­jas protes­tantes e out­ros cre­dos. Lem­bro bem de ver alguns par­entes, ami­gos, uma vez por sem­ana arrumarem-​se todos para irem a um Terecô num ou noutro povoado viz­inho. No dia seguinte as ouvia comen­tar que o Terecô tinha sido assim ou assado, alguém tinha rece­bido este ou aquele espírito. Mais para frente, lá mesmo no povoado, em algu­mas noites da sem­ana ou do mês, prat­i­cavam a crença. Uns pri­mos e ami­gos mais vel­hos chegavam a dizer que até se aproveitavam de alguma cunhã nov­inha quando lhes baix­avam alguma pomba-​gira e as fazia cor­rer pelo capinzal.

Isso nunca nos cau­sou qual­quer con­strang­i­mento ou insatisfação.

Emb­ora cada um prat­i­cando seu credo, vivendo sua fé, estas não eram coisas que nos sep­a­r­avam. Nunca ouvi de nen­hum dos meus pais, tios, irmãos mais vel­hos o esboçar de qual­quer con­trariedade ou intol­erân­cia quanto à profis­são de fé de cada um. Eram pes­soas sim­ples, sem qual­quer for­mação int­elec­tual ou acadêmica que pos­suíam a certeza que a mel­hor forma de con­vivên­cia era o respeito mútuo.

Um pouco maior – e já órfão – fui morar e estu­dar o primário, primeiro em Gov­er­nador Archer e depois em Gonçalves Dias, onde fiquei até a oitava série. Em ambas as cidades con­vivi com pes­soas lig­adas a várias denom­i­nações reli­giosas, católi­cos, protes­tantes da Igreja Batista ou da Assem­bleia de Deus, umban­dis­tas. Nunca senti ou ouvi falar de qual­quer dis­crim­i­nação com relação à fé que praticavam.

His­tori­ca­mente, sabe­mos, da existên­cia de intol­erân­cia reli­giosa, pes­soas sendo lev­adas à fogueiras por pro­fes­sar esta ou aquela fé, out­ros acu­sa­dos de bruxaria, etc. Entre­tanto, pen­sá­va­mos que este tipo de coisa tinha ficado no pas­sado dis­tante, no período medieval.

Outro da soube de um caso, aqui mesmo, no Brasil de uma menina que fora agre­dida porque estava vestida toda de branco, sendo, por­tanto, prat­i­cante de cul­tos afros. Não faz muito tempo era um pas­tor chutando a imagem de uma santa, mais recente, uma destru­ição de diver­sas ima­gens por um fanático.

Multiplicam-​se os casos de van­dal­is­mos con­tra igre­jas católi­cas, ter­reiros de umbanda. Nem a Igreja da Sé, em São Paulo, escapou do van­dal­ismo da intol­erân­cia, sendo tola­mente pichada por gru­pos que defen­dem posições difer­entes das defen­di­das pela Igreja Católica, como a posição em relação ao aborto, casa­mento entre pes­soas do mesmo sexo, etc.

Não falo aqui de atos de van­dal­ismo a que estão sub­meti­das todos os demais pré­dios públi­cos e/​ou pri­va­dos nas cidades brasileiras.

O que acon­te­ceu em São Paulo foi um ato de van­dal­ismo moti­vado pela intol­erân­cia a uma posição política ou dog­mática da igreja. É diferente.

O mundo inteiro ainda está chocado com os aten­ta­dos em Paris, na França, moti­va­dos pela intol­erân­cia reli­giosa de fun­da­men­tal­is­tas islâmicos.

Os aten­ta­dos – emb­ora muitos, até mesmo aqui no Brasil, ten­tem jus­ti­ficar colo­cando a respon­s­abil­i­dade no capitalismo/​imperialismo das nações oci­den­tais – são inde­s­culpáveis. Ninguém, sobe qual­quer pre­texto, tem o dire­ito de sair por aí, empun­hando um rifle e ati­rando em pes­soas porque estas não pro­fes­sam a mesma fé que elas. Ninguém, sob qual­quer argu­mento, tem o dire­ito de invadir a esfera pri­vada de out­rem para impor seu pen­sa­mento ou seus val­ores. Qual­quer um tem o dire­ito de – desde que não atra­palhe a vida do outro e respeite as regras da con­vivên­cia em sociedade – viverem da forma que quiserem.

Com que dire­ito alguém pode querer o Deus para o qual devo rezar ou fazer algo na minha vida pri­vada que não prej­udique o próx­imo? Como pode ser razoável alguém querer impor seus val­ores e sua fé a outros?

Grandes atos de ter­ror começam com pequenos gestos de intol­erân­cia. Isso vale para Europa, Ásia, Africa, Améri­cas – e tam­bém para o Brasil.

A fé de cada um, a vida ide cada um é ter­ritório pri­vado onde não se admite a pre­sença de ninguém sem o con­sen­ti­mento do titular.

Todos (qual­quer um) têm o dire­ito de viver sua fé (e a sua não fé se assim quis­erem) e serem respeita­dos, terem garan­ti­dos os mes­mos dire­itos dos demais cidadãos. Assim como as igre­jas (qual­quer uma) têm o dire­ito ao seu credo. A igreja católica, por exem­plo, tem o dire­ito de ser con­tra o aborto, o casa­mento gay; tem o dire­ito de dizer isso a seus fiéis. Os protes­tantes têm, tam­bém, este dire­ito, assim como os umban­dis­tas têm o dire­ito de rev­er­en­ciar seus orixás e os ateus têm o dire­ito de dizer que não acred­i­tam em nada disso.

Um amigo me recla­mava que deter­mi­nada igreja ten­tara o con­verter à força, levá-​lo, segundo ela, ao Céu. Como não perco a piada fui logo dizendo: – pois é, fulano, trata-​se de uma con­cor­rên­cia desleal pois não tem nen­hum dia­binho te chamando para ira para o inferno, né?

O que pre­cisa é cada um respeitar os espaços dos demais. Ninguém pre­tender ser mel­hor que o outro e impor, à força ou na marra, suas convicções.

O mundo não acaba porque um padre ou bispo recusa-​se a casar pes­soas do mesmo sexo ou repu­diam o aborto e out­ras coisas, pois nos lim­ites da lei, pode-​se fazer isso de outra forma. Não sendo motivo para van­dalizar seus templos.

As religiões ou cre­dos não é dado o monopólio de Deus (aos que acred­i­tam), assim, cada um pode man­ter sua fé e até mesmo criar sua própria igreja se assim dese­jar. Ou não ter fé nenhuma.

Se muitos cam­in­hos que levam ao Céu, para o Inferno o cam­inho mais curto é a intol­erân­cia e o ódio.

Abdon Mar­inho é advogado.

UMA ESTRELA NA LAPELA DO MAGISTRADO.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA ESTRELA NA LAPELA DO MAGISTRADO.

Outro dia ouvi uma declar­ação do min­istro Ricardo Lewan­dovsky. Nela, o mesmo se refe­ria a um pos­sível processo de impeach­ment da pres­i­dente da República Dilma Rouss­eff, como sendo um golpe às instituições.

São dele estas palavras: “Estes três anos após o golpe insti­tu­cional pode­riam cobrar o preço de uma volta ao pas­sado tene­broso de trinta anos. Deve­mos ir deva­gar com o andor, no sen­tido que as insti­tu­ições estão reagindo bem e não se deixando con­t­a­m­i­nar por esta cortina de fumaça que está sendo lançada nos olhos de muitos brasileiros”.

Ao anal­isar a colo­cação do min­istro da mais ele­vada corte país, foi inevitável não lem­brar do bro­cado “agir como um magistrado”.

Lembrei-​me que uma das histórias sobre o bro­cado que trás o ensi­na­mento do filosofo Con­fú­cio que teria vivido na China entre os anos de 551 e 479 a.C.

Em lin­has gerais a história é a seguinte: certa vez estava o sábio na sala do rei quando foi inquirido por este sobre como dev­e­ria agir um mag­istrado, se com extrema sev­eri­dade a fim de cor­ri­gir e dom­i­nar os maus ou com abso­luta benevolên­cia, a fim de não sac­ri­ficar os bons. Enquanto refle­tia, Con­fú­cio obser­vou que aos pés do trono haviam dois vasos de finís­sima porce­lana e de extremada beleza, obje­tos de ver­dadeira ado­ração do sober­ano. Con­fú­cio orde­nou que um cri­ado trouxesse dois baldes, um com água fer­vente e outro com água gelada. Quando o cri­ado chegou com os baldes e o sober­ano deduziu que o filó­sofo pre­tendia colo­car seu con­teúdo nos vasos raros, o inter­rompeu: Que lou­cura é essa, ven­erável Con­fú­cio! Queres destruir estas obras mar­avil­hosas? A água fer­vente fará, cer­ta­mente, arreben­tar o vaso em que for colo­cada e a água gelada fará partir-​se o outro! Con­fú­cio, então mis­turou o con­teúdo dos dois baldes o e colo­cou nos vaso sem que rep­re­sen­tasse qual­quer risco as peças. A alma do povo, ó rei, é como um vaso de porce­lana, e a justiça é como água. A água fer­vente da sev­eri­dade ou a gelada da exces­siva benevolên­cia são igual­mente desas­trosas para a del­i­cada porcelana.

A expressão, «agir como mag­istrado», assim, tem sido usada ao longo dos sécu­los para definir aquele que age com impar­cial­i­dade, tratando a todos com igual­dade e dis­tribuindo a justiça sem olhar a quem.

Tornou-​se comum ouvir­mos esta ou aquela autori­dade dizer, diante de deter­mina situ­ação, que agirá como um magistrado.

Os dicionar­is­tas definem o termo mag­istrado como sendo o «indi­ví­duo investido de múnus público e del­e­gatário dos poderes da nação ou do poder cen­tral para gov­ernar ou dis­tribuir justiça. Ape­nas em sen­tido restrito, sig­nif­i­cando, juiz, desem­bar­gador, ministro.

Pois bem, se de gov­er­nantes é cor­reto exigir-​se que ajam como mag­istra­dos, com mel­hor razão deve-​se exi­gir que assim aja quem é “mag­istrado» em sen­tido restrito. Muito mais ainda, quando este mag­istrado é o rep­re­sen­tante máx­imo da justiça no país.

O processo de impeach­ment de um gov­er­nante é uma pre­visão con­sti­tu­cional reg­u­lada em lei (no caso a Lei 107950). Quem decide o cabi­mento ou não a aber­tura de processo e o seu proces­sa­mento é o Con­gresso Nacional (o Poder Leg­isla­tivo), o papel do pres­i­dente do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF é pre­sidir a sessão de jul­ga­mento, caso ele venha ocor­rer. O papel do Poder Judi­ciário é garan­tir que as regras sejam obser­vadas e que a lei seja cumprida.

Ao opinar sobre o assunto de forma tão intem­pes­tiva e dis­tante dos autos o ministro-​presidente do STF extrapolou das suas pre­rrog­a­ti­vas, sujeitando-​se, ele próprio, a sofrer um processo de impeach­ment. Ao opinar fora dos autos – como jamais devem fazer os mag­istra­dos – o min­istro andou muito longe de agir como o que se esper­aria dele, que agisse como um “magistrado”.

A impressão que passa é que o Brasil, no que con­cerne às suas insti­tu­ições, andou para trás, exper­i­menta um retrocesso.

O país pas­sou por um processo de impeach­ment de um pres­i­dente da República, ape­nas sete anos após o fim do régime mil­i­tar, em 1992, e as insti­tu­ições fun­cionaram com muito mais maturi­dade que agora. Cada um dos poderes real­i­zou seu papel e o país seguiu em frente, pas­sando ao mundo o exem­plo de maturi­dade política.

Ninguém, muito menos um min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral, ousou dizer que uma pre­visão con­sti­tu­cional reg­u­la­men­tada em lei recep­cionada pela mesma Carta, seria um “golpe institucional”.

Ao meu sen­tir, retro­cesso é a intro­mis­são de min­istros numa dis­cursão, que no momento, não está sobre o seu crivo. Na ver­dade o que cobra o preço – e alto à nação – é o claro apar­el­hamento das insti­tu­ições, prática que se tornou rotina nos últi­mos anos, com min­istros dos tri­bunais supe­ri­ores sendo escol­hi­dos mais por afinidades político-​ideológicas do que pelo exigido rito constitucional.

Foram muitas as vezes que aler­ta­mos para os riscos do apar­el­hamento do Estado. O preço é o que assis­ti­mos: opiniões em afronta a lei, intem­pes­ti­vas, sus­peitas de acor­dos sub­ter­râ­neos, os poderes con­fla­gra­dos e sem pos­suírem quais­quer condições de apontarem um rumo para o país.

A crise política e econômica só se agrava. O país já aponta para um cresci­mento neg­a­tivo de 4% (qua­tro por cento) ou supe­rior; o desem­prego se faz pre­sente em quase todas as famílias; a econo­mia dos cidadãos se dissolve.

O tempo passa, a deses­per­ança só aumenta.

Abdon Mar­inho é advogado.