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A REPÚBLICA MICROCEFÁLICA.

Escrito por Abdon Mar­inho

A REPÚBLICA MICROCEFÁLICA.

QUANDO, no futuro, algum his­to­ri­ador sério se debruçar para anal­isar os dias atu­ais, con­statará que os atu­ais donos do poder não legou à pat­uleia, ape­nas mil­hares de cri­anças com a grave micro­ce­falia, situ­ação que, em maior ou menor grau, as con­dena a uma existên­cia mais sofrida e imi­tada que o restante de nós. Estes, donos do poder, nos lega tam­bém a micro­ce­falia das insti­tu­ições republicanas.

Faltam-​lhes o con­hec­i­mento e, sobre­tudo, o respeito por aquilo que o ex-​presidente José Sar­ney apeli­dou de “litur­gia do cargo”. Que, noutras palavras, sig­nifica o respeito pelas próprias insti­tu­ições. A Presidên­cia, os Min­istérios de Esta­dos, assim como o Poder Judi­ciário, o Senado da República, a Câmara dos Dep­uta­dos, o Min­istério Público e tan­tos out­ros, são insti­tu­ições da nação. Seus inte­grantes e/​ou rep­re­sen­tantes pre­cisam pos­suir um mín­imo de decoro próprio para integrá-​la e, prin­ci­pal­mente, para representá-​las.

Nos últi­mos tem­pos, mais pre­cisa­mente nes­tas últi­mas década, sobre­tudo a última – a par­tir da chegada do Par­tido do Tra­bal­hadores — PT ao poder –, os padrões éti­cos pas­saram a ser nive­la­dos numa escala menor, uma espé­cie de “fulaniza­ção» dos cos­tumes. Tudo pas­sou a ser normal.

Seria inimag­inável, noutras eras, que «per­sonas» do naipe de Renan Cal­heiro, respon­dendo a tan­tas questões judi­ci­ais, éti­cas e morais, pre­sidisse o Senado da República; ou Eduardo Cunha pre­sidisse à Câmara dos Dep­uta­dos. Na ver­dade, eles e tan­tos out­ros, sequer seriam inte­grantes de tais instituições.

Pois é, mas são mem­bros, presi­dem e são impor­tantes fig­uras da política nacional. Fiadores da governança.

Mas o que podemos esperar de país em que os pres­i­dentes da República – como os dois últi­mos – são eleitos fazendo da instân­cia maior da justiça eleitoral uma “lavan­de­ria” recur­sos escu­sos e fica tudo por isso mesmo? Será que há uma “viva alma” neste país que não saiba que as cam­pan­has do ex-​presidente Lula e da atual, sen­hora Dilma Vana Rouss­eff, foram finan­ciadas com recur­sos ori­un­dos de propinas e “lava­dos» no TSE?

As notas, tanto do par­tido quanto do insti­tuto do ex-​presidente sobre o tema, são ver­dadeiras exal­tação ao cin­ismo: “as doações foram legais e declar­adas à justiça eleitoral”.

Quanto cin­ismo. O vício é de origem, dos méto­dos usa­dos para con­seguir a doação.

Em comu­ni­cado ao TSE, respon­dendo a inda­gação daquela Corte, o juiz Sér­gio Moro afirma com todas as letras que recur­sos ori­un­dos de “propinas» finan­cia­ram aque­las cam­pan­has. Tem sen­tença ate­s­tando isso.

E o que acon­te­ceu com respon­sáveis por tais fatos: os tesoureiros ou arrecadadores? Os arti­fi­cies destas tramoias, se não estão pre­sos, estão quase todos abo­le­ta­dos nos min­istérios, são autori­dades impo­lu­tas, come­teram toda sorte de crimes e ainda são pagos pelos contribuintes.

Estran­hamente, enti­dades e cidadãos que pas­sam os dias cobrando lisura nos pleitos eleitorais nada dizem ou cobram providên­cias ou a apu­ração dos fatos pos­tos nos autos e recon­heci­dos por quase uma dezena de cidadãos que recor­reram ao insti­tuto da delação pre­mi­ada em troca de diminuição de suas penas.

O silên­cio obse­quioso rev­ela bem a “fulaniza­ção» das práti­cas, dos cos­tumes, das instituições.

Querem ver outro exem­plo claro do que falo?

O Min­istério da Justiça é o mais antigo do país. Antes da com­pan­heirada chegar ao poder o seu tit­u­lar tinha a pre­cedên­cia sobre todos os demais.

Cri­ado, antes mesmo da Inde­pendên­cia do Brasil, por decreto do príncipe regente D. Pedro, em 03 de julho de 1822. Con­sta no seu site na rede mundial de com­puta­dores que “vul­tos emi­nentes do Império e da República ocuparam-​no, na busca pelo apri­mora­mento das insti­tu­ições jurídi­cas, pro­movendo mel­ho­rias nos serviços judi­ciários e a har­mo­nia entre os poderes”.

Pois bem, será que acham nor­mal ou ético que o seu tit­u­lar atual saia para encon­tros extra-​agenda com advo­ga­dos de inves­ti­ga­dos? ou que saia por aí ante­ci­pando a inocên­cia de inves­ti­ga­dos por seus sub­or­di­na­dos, no caso da inves­ti­gação da Polí­cia Fed­eral que tem por alvo o ex-​presidente Lula? ou, ainda, que saia ate­s­tando a reg­u­lar­i­dade de con­tas de cam­panha da atual pres­i­dente, antecipando-​se a juízo do Tri­bunal Supe­rior Eleitoral? Isso, ape­nas para citar os fatos de con­hec­i­mento público. Decerto que nada disso está certo, não é ético e é moral­mente reprovável.

Como é pos­sível achar aceitável que Polí­cia Fed­eral esteja inves­ti­gando fatos tidos por crim­i­nosos e, na outra ponta o min­istro da justiça, supe­rior hierárquico da insti­tu­ição, esteja dizendo que fulano ou bel­trano é inocente e que não houve qual­quer crime nas con­tas de A ou B?

Pas­mem! Quase que diari­a­mente esta­mos nos deparando com este tipo de coisa. O min­istro, no mín­imo, corre o risco de ser des­men­tido pelos fatos. Como, aliás, já o está sendo.

A falta de noção destes que estão no poder e de seus satélites é tamanha que chegam a sug­erir a sub­sti­tu­ição do min­istro da justiça, não pelas con­du­tas inad­e­quadas demon­stradas acima, mas porque o mesmo não se mostrou capaz de inter­ferir no curso das inves­ti­gações, sobre­tudo, para elidir os crimes dos “com­pan­heiros” e crim­i­nalizar os seus adver­sários. São mesmo muito audaciosos.

Mas, meu pai, que não tinha muitas letras, cos­tu­mava dizer que cada casa era o retrato do dono. Se o dono era um porco, cer­ta­mente a casa seria um chiqueiro; se dono fosse asseado e limpo, cer­ta­mente a casa seria também.

Aí, cheg­amos ao ponto cru­cial. A ban­dalha chegou a esses níveis porque temos na chefia da nação uma pes­soa abso­lu­ta­mente inepta para o cargo. Mais, que não pos­sui a dimen­são do que seja a insti­tu­ição chamada Presidên­cia da República.

Vejam, os com­pan­heiros de seu par­tido cobravam da pres­i­dente uma defesa clara do Planalto em relação aos per­rengues que passa o ex-​presidente Lula, acos­sado por denún­cias para as quais ele, sem­pre loquaz, não pos­sui nen­huma resposta.

Até acho nor­mal que quem não sabe peça con­sel­hos a out­rem, prin­ci­pal­mente se essa pes­soal sabe alguma coisa – o que não é o caso.

A sen­hora Dilma foi além na mis­são par­tidária: mandou-​se para São Paulo, às cus­tas do con­tribuinte, para, suposta­mente, aconselhar-​se com o ante­ces­sor, cuja a con­duta é objeto de inves­ti­gação poli­cial e do Min­istério Público.

Exi­s­tiria ato maior de sub­serviên­cia? Quem foi a São Paulo ren­der hom­e­na­gens a um inves­ti­gado não foi ape­nas a sen­hora Dilma, foi a insti­tu­ição que ela rep­re­senta: a Presidên­cia da República.

Isso mesmo, a Presidên­cia da República foi ren­der hom­e­na­gens a um inves­ti­gado. A sim­bolo­gia do gesto diz muito mais que a declar­ação dela de que “o ex-​presidente Lula é objeto de grande injustiça”.

A leitura que faço do ato é que a Presidên­cia da República colocou-​se a serviço de um inves­ti­gado, como se ele (o inves­ti­gado) estivesse acima de tudo, inclu­sive da lei.

A pres­i­dente é useira e vezeira neste tipo de ati­tude: ren­der hom­e­na­gens ao ex-​presidente, de ir a São Paulo, só se con­sul­tar com ele e ates­tar sua própria inap­tidão. Agora foi além. Demon­strando não pos­suir noção de coisa alguma foi servir de escudo a um cidadão inves­ti­gado por out­ras insti­tu­ições republicanas.

Só não acred­ito que cheg­amos ao fundo do poço, porque esta turma sem­pre pos­sui uma pá à mão para cavarem um pouco mais.

Abdon Mar­inho é advogado.

VIO­LÊN­CIA ENDÊMICA.

Escrito por Abdon Mar­inho

VIOLÊN­CIA ENDÊMICA.

Em janeiro a ONG mex­i­cana Con­selho Cidadão pela Seguri­dade Social Pública e Justiça Penal divul­gou seu rank­ing de vio­lên­cia ao redor do mundo. Os números rev­e­lam aquilo que sen­ti­mos no nosso dia a dia, emb­ora não imag­inásse­mos que a situ­ação fosse tão des­fa­vorável ao Brasil.

Ape­nas para ter­mos um ideia, das cinquen­tas mais do mundo – e esse mundão que tem mais de duzen­tos países e mil­hares de cidades –, quase metade, isso mesmo, quase a metade, são brasileiras. Mais grave, a vio­lên­cia é maior nas cap­i­tais do nordeste, região mais pobre do país.

Na ordem do rank­ing temos João pes­soa (quarto); Maceió (sexto); For­t­aleza (oitavo); São Luís (décimo); Natal (décimo primeiro); Vitória (décimo quinto); Cuiabá (décimo sexto); Sal­vador (décimo sétimo); Belém (décimo oitavo); Teresina (vigésimo); Goiâ­nia (vigésimo ter­ceiro); Recife (vigésimo nono); Cap­ina Grande (trigésimo); Man­aus (trigésimo ter­ceiro); Porto Ale­gre (trigésimo sétimo); Ara­caju (trigésimo nono); Belo Hor­i­zonte (quadragésimo segundo); Curitiba (quadragésimo quarto); Macapá (quadragésimo sexto).

Com exceção de Cap­ina Grande todas as demais cidades que pon­tif­i­cam em as mais vio­len­tas são cap­i­tais dos esta­dos, onde, ao menos teori­ca­mente, os serviços públi­cos e a pre­sença do Estado dev­e­ria se fazer mais presente.

Os dados da ONG têm por base o ano de 2014. Mas, como sabe­mos, o ano de 2015 não foi muito diferente.

A vio­lên­cia alastrou-​se pelo país, e hoje, não há muita dis­tinção entre cidades grandes ou peque­nas, alcançando, inclu­sive, a zona rural dos municípios.

A ver­dade é que o Brasil perdeu a guerra con­tra a vio­lên­cia e parece não pos­sui muita aptidão para reor­ga­ni­zar as forças e ten­tar reverter a derrota.

Falta gov­erno ao país. Uma situ­ação endêmica como esta­mos vivendo na área da segu­rança era para o gov­erno cen­tral reunir-​se com os esta­dos fed­er­a­dos e encam­in­har soluções con­jun­tas, ver­i­ficar exper­iên­cias exi­tosas nos esta­dos onde a vio­lên­cia retro­cedeu e noutros países e, de forma con­junta, tentarem replicar nos esta­dos onde a situ­ação, parece haver fugido ao con­t­role (parece é um eufemismo). Outra medida de relevân­cia seria coor­denar uma política de colab­o­ração mútua entre os esta­dos e suas forças de segu­rança, prin­ci­pal­mente, na área da informação.

A impressão que passa é que o Min­istério da Justiça passa mais tempo se ocu­pando de out­ras coisas – como ates­tar idonei­dade de cer­tos ali­a­dos políti­cos, desautor­izando pro­ced­i­men­tos inves­ti­gatórios de seus sub­or­di­na­dos, com o próprio min­istro ban­cando advo­gado de defesa –, que pouco liga para uma pauta tão importante.

A vio­lên­cia flo­resce em um ambi­ente de promis­cuidade, quando o Estado, através de seus rep­re­sen­tantes, perde as condições morais de impor sua autori­dade. É o que temos visto no Brasil.

O país perde diari­a­mente a batalha con­tra a vio­lên­cia por falta políti­cas públi­cas sérias, porque os gov­er­nantes sem­pre rel­e­garam a segu­rança pública um sta­tus secundário, quando não a usando para fusti­gar adver­sários ou como instru­mento de dom­i­nação política. Nunca enten­deram que segu­rança pública é política de Estado. Tanto que sem­pre pen­saram que aos ami­gos do rei tudo era per­mi­tido, que pode­riam fazer e acon­te­cer que a Justiça jamais os alcançariam.

Esse clima de vale-​tudo, de per­mis­sivi­dade extrema, fun­ciona para os crim­i­nosos – de colar­inho branco ou bate­dores de carteiras, pas­sando por estupradores, ladrões e assas­si­nos –, como um pas­s­aporte para crime.

O Estado não se preparou e não pre­ve­niu a sociedade para um mundo em trans­for­mação, para a pro­lif­er­ação ver­tig­i­nosa das dro­gas, outro motor – ao lado da impunidade –, da violência.

Acho que um estado que retrata bem a falta de uma política de segu­rança é o Maran­hão, senão vejamos: o ano de 2002 reg­istrou, em toda a região met­ro­pol­i­tana da cap­i­tal, cerca de 200 homicí­dios, um número ele­vado, é ver­dade, mas nem se com­para aos mais de mil que ocorre todo ano, só em São Luís, foram mais de 900 mortes, colo­cando a cap­i­tal maran­hense entre as cidades as dez mais vio­len­tas do mundo, como vimos acima.

E, vejam que São Luís ainda está em van­tagem se com­para­r­mos a out­ras cap­i­tais do nordeste, como João Pes­soa, Maceió e Fortaleza.

Lem­bro nes­tas cap­i­tais nordes­ti­nas, sobre­tudo as menores, eram comum ver­mos as pes­soas sen­tadas às suas por­tas nos fins da tarde para bater papo com os viz­in­hos ou dis­cu­tir os fatos da política e do cotid­i­ano nos logradouros como praças e lar­gos. Locais estes que, ou estão aban­don­a­dos ou foram expro­pri­a­dos pelos mar­gin­ais e usuários de dro­gas, diante da omis­são do Estado.

Como explicar que uma cidade pacata, como São Luís ou mesmo a viz­inha Teresina, fig­ure entre as mais vio­len­tas do mundo? A resposta é só uma: o descaso.

No caso do Maran­hão, atém de tudo mais que fiz­eram de errado, se soma a menor per capita poli­cial do Brasil. Não temos do quê recla­mar­mos por chegar­mos onde cheg­amos. Fize­mos por onde.

Mas vamos em frente.

Emb­ora a matança seja uma boa medida para aferir a vio­lên­cia de um local, acred­ito que ela por si só não seja sufi­ciente para definir o grau de inse­gu­rança da sociedade.

Digo isso para que não nos ilu­damos com a pro­pa­ganda de que a vio­lên­cia foi reduzida porque se mata menos.

Claro que deve­mos ficar felizes a redução da matança. Mas isso não basta, prin­ci­pal­mente quando sabe­mos que houve um aumento con­sid­erável de roubo de veícu­los, assalto a ônibus, invasões de domicílios.

Não faz muito tempo, lem­bro que sabíamos de um roubo de carro, uma invasão de domi­cilio, pelos jor­nais. Hoje o crime chegou na nossa soleira, mês pas­sado foi um amigo assaltado quando chegava em casa, sendo expro­pri­ado do carro, celu­lares, din­heiro e out­ros bens; sem­ana pas­sada foi um sobrinho, antes um irmão e assim suces­si­va­mente. Fig­u­ram na lista de exceções os que ainda não foram vitima de uma modal­i­dade de crime qualquer.

Cada vez mais assis­ti­mos os cidadãos aban­donarem suas casas para viverem tran­ca­dos em aparta­men­tos, con­domínios fecha­dos. Os que resistem têm que erguer peque­nas for­t­aleza: são muros cada vez mais altos; cer­cas elétri­cas, câmeras; sen­sores, alarmes. E, ainda assim, o medo é um inimigo que se enfrenta todos os dias.

Falta gov­erno ao Brasil. Um gov­erno que chame os gov­er­nantes dos esta­dos para dis­cu­tir e imple­men­tar políti­cas con­sis­tentes, que instem a serem do oba-​oba, que encam­inhe e faça aprovar no Con­gresso Nacional uma reforma penal que cesse a impunidade; que imple­mente uma reforma no sis­tema pen­i­ten­ciário que per­mita o cumpri­mento das penas nos lim­ites da lei e que não sirva de des­culpa à impunidade.

A vio­lên­cia pode, desde que com­bat­ida com seriedade, ser não ven­cida, ao menos mino­rada. Temos o exem­plo de São Paulo que deixou de ser o estado mais vio­lento do país para se tornar um dos mais seguros. Hoje, na out­rora parada São Luís, mata-​se sete vezes mais que na cap­i­tal paulista. Claro que lá não é um paraíso na terra, mas avançaram muito no setor da segu­rança pública. Isso é inegável.

Os demais esta­dos não terão o mesmo êxito sem o apoio do poder central.

Ini­cia­ti­vas, que sabe­mos lou­váveis, não sur­tirão efeito esper­ado sem um pacto que envolva as forças da sociedade, o Poder Judi­ciário, o Min­istério Público. Faz-​se necessário, den­tro das unidades fed­er­adas um «Pacto de Estado” voltado para o com­bate à vio­lên­cia com todos os atores fazendo sua parte. O Poder Exec­u­tivo com uma polí­cia efe­tiva, com cor­rege­do­rias que com­batam abu­sos, mas que per­mi­tam o pleno exer­cí­cio da ativi­dade poli­cial, nos lim­ites da lei; um Min­istério Público que denun­cie; um Poder Judi­ciário que julgue e aplique as penas necessárias para des­en­co­ra­jar os criminosos.

Não ire­mos muito longe sem ati­tudes desta natureza.

Atém das ini­cia­ti­vas e pactos entre os poderes estad­u­ais é necessário que a União for­t­aleça suas poli­cias, fis­cal­ize as fron­teiras nacionais, evi­tando a entrada de armas e dro­gas, coor­dene a troca de exper­iên­cias e infor­mações entre os estados.

Qual­quer pes­soa com um mín­imo de bom senso sabe que só agindo em con­junto e de forma orde­nada o Brasil con­seguirá reverter a situ­ação vex­atória que o coloca – bem situ­ado –, entre os 25 países mais vio­len­tos do mundo.

Mas, ao que parece, falta aos nos­sos gov­er­nantes com­petên­cia, ini­cia­tiva e von­tade política de enfrentar este e tan­tos out­ros problemas.

Abdon Mar­inho é advogado.

UMA VER­GONHOSA TRAGÉDIA.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA VER­GONHOSA TRAGÉDIA.

QUANDO, há mais de quarenta anos, minha mãe se deparou com a poliomielite que me fiz­era vítima, não sabia o que fazer, não sabia, sequer, a doença que me atin­gira. Ela, mul­her humilde, sem instrução, habi­tando um povoado sem estradas – fazendo tudo mais dis­tante –, não tinha como saber que exis­tia uma vacina a ser apli­cada nas cri­anças para que elas não ficas­sem alei­jadas. Na fase aguda do ataque viral o atendi­mento era a cargo de chás, orações e ben­zedeiras. Só bem depois, quando os efeitos do ataque viral arrefe­ceu, pud­eram, em lombo de burro e em cam­in­hões, levar-​me a Teresina.

Pois bem, isso são águas que teimam em não pas­sar. Quase meio século depois, não faz muito, vi um pai de família pere­gri­nando pelos pos­tos de saúde de uma cap­i­tal brasileira na ten­ta­tiva de con­seguir vaci­nar o filho. Nas três ten­ta­ti­vas que fez a resposta foi neg­a­tiva. Não con­seguiu a vacina e con­se­quente­mente a imu­niza­ção do filho.

O Brasil é um país extra­or­di­nar­i­a­mente rico (se não fosse já teria que­brado há muito tempo), entre­tanto, desde muito é admin­istrado por políti­cos inca­pazes, inep­tos e cor­rup­tos (com as cada vez mais raras exceções), por isso não avança em área nenhuma.

Vejamos o caso da infraestru­tura. Quan­tas vezes não são feitas as mes­mas rodovias? Fazem num ano, no outro ou dois anos depois tem que ser refeita. Isso, ape­sar de ter­mos as obras estru­tu­rais entre as mais caras do mundo. Ape­sar disso as obras são mal feitas, não pos­suem dura­bil­i­dade. O din­heiro some no meio do cam­inho, ninguém paga por isso.

Se a infraestru­tura nos causa, sobre­tudo pre­juí­zos mate­ri­ais – vamos aqui abstrair as mil­hares de pes­soas que mor­rem víti­mas de aci­dentes de trân­sito –, o mesmo não se pode dizer quando o assunto é a saúde pública. Nesta área o assunto é, lit­eral­mente, caso de vida ou de morte.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral deter­mina em seu artigo 196 que: “A saúde é dire­ito de todos e dever do Estado, garan­tido medi­ante políti­cas soci­ais e econômi­cas que visem à redução de risco de doenças e de out­ros agravos e o acesso uni­ver­sal e igual­itária às ações e serviços para sua pro­moção, pro­teção e recuperação”.

Letra morta?

Provável que não. Emb­ora não se possa dizer que os recur­sos sejam sufi­cientes, os orça­men­tos da União, dos esta­dos e dos municí­pios reser­vam parte sig­ni­fica­ti­vas dos recur­sos para inves­ti­men­tos em pre­venção e no trata­mento das enfer­mi­dades. Se os recur­sos fos­sem investi­dos como pre­visto, se chegasse à ponta do sis­tema, seja em pre­venção, seja em trata­mento, cer­ta­mente o quadro não seria tão desolador.

O Sis­tema Único de Saúde — SUS do Brasil é, ao menos do ponto de vista legal e estru­tural um dos mais avança­dos do mundo. Serviria de mod­elo se não fos­sem as maze­las e per­calços enfrentado na sua execução.

Não esta­mos dizendo com isso que se a exe­cução fosse per­feita não teríamos prob­le­mas. Claro que teríamos. Ofer­tar saúde a uma nação de dimen­sões con­ti­nen­tal com tan­tas com­plex­i­dades e difer­enças não é tarefa fácil. Os prob­le­mas sub­si­s­tiriam, mas, cer­ta­mente, não seria a tragé­dia que assis­ti­mos diari­a­mente em todo o país.

Assis­ti­mos, estar­reci­dos, a um depri­mente espetáculo pós-​apocalítico, com os cidadão batendo nas por­tas dos hos­pi­tais e sendo man­da­dos para casa ou para procu­rar outra unidade (que ele nunca acha); com res­i­dentes de med­i­c­ina decidindo os que mor­rerão e os que terão mais uma chance de sobre­v­ida; com os enfer­mos amon­toa­dos em infec­tos corre­dores recebendo como trata­mento a indifer­ença; com cirur­gias essen­ci­ais sendo des­mar­cadas por falta de insumos bási­cos – bási­cos mesmo, do tipo, gaze, soro, etc.; ou, com médi­cos mais sen­síveis, ofer­e­cendo às famílias a opor­tu­nidade de com­prar os mate­ri­ais, por fora, para que pos­sam realizar os procedimentos.

Cheg­amos ao ponto, como nar­rado ante­ri­or­mente, de não con­seguirmos ofer­tar as vaci­nas necessárias à imu­niza­ção das nos­sas cri­anças, ou de ofer­tar vaci­nas que, por alguma razão não as pro­teje por com­pleto. Muitos pais que con­heço não vaci­nam seus fil­hos nas unidades de saúde do Estado, pref­erem gas­tar seu din­heiro para vaciná-​las em unidades privadas.

Isso acon­tece em um país cujo os cidadãos tra­bal­ham quase seis meses ao ano só para para pagar impos­tos. E ainda acham pouco. E ainda querem mais.

O Brasil está à beira de tragé­dia human­itária de pro­porções inimag­ináveis com a dis­sem­i­nação das enfer­mi­dades trans­mi­ti­das pelo mos­quito Aedes Aegypti. O país não é respon­sável pelo surg­i­mento do mos­quito, claro, mas a par­tir dele, doenças que se pen­sava errad­i­cadas ressurgem mais fortes (o próprio mos­quito está mais resistente) e são dis­sem­i­nadas pelo mundo. Se antes à pic­ada do mos­quito era cau­sadora uni­ca­mente do dengue, hoje, o mesmo mos­quito é respon­sável pela febre Chikun­gunya; pelo Zika Vírus, a quem se atribui a forte incidên­cia de micro­ce­falia em cri­anças; e, à Sín­drome de Guillain-​barré, que ataca o sis­tema ner­voso cen­tral, cau­sando par­al­isia e até a morte.

O mundo está em pânico com essas doenças a ponto da Orga­ni­za­ção Mundial da Saúde — OMS, dec­re­tar emergên­cia médica mundial; de órgãos da ONU e médico recomen­dar as mul­heres que não engravi­dem e de alguns recomen­darem que se abra exceções na leg­is­lação dos países para per­mi­tirem o aborto de cri­anças com microcefalia.

Diver­sas nações do mundo já recomen­dam que seus cidadãos não via­jem para o Brasil e alguns políti­cos já falam colo­car em quar­entena pes­soas ori­un­das do Brasil e de out­ros países com incidên­cia destas doenças. Out­ras fontes falam que já con­sul­taram Lon­dres sobre a pos­si­b­l­i­dade de se levar os Jogos Olímpi­cos de 2016, pre­vis­tos para o segundo semes­tre, no Rio de Janeiro para lá. Caso isso ocorra será o ates­tado mundial da nossa incom­petên­cia, uma pá de cal no orgulho nacional.

Em tem­pos pretéri­tos – quando, por receio do antraz – nos EUA, se exi­gia que cidadãos ori­un­dos do Brasil tirassem os sap­atos para que fos­sem desin­fe­ta­dos, os hoje gov­ernistas não poupavam de críti­cas os gov­er­nantes. Agora, esta­mos na eminên­cia dos cidadãos serem colo­ca­dos em quar­entena ou, como se fazia em tem­pos mais remo­tos, ter­mos os aviões ori­un­dos do país, colo­ca­dos numa zona de con­t­role san­itário para serem desin­fe­ta­dos, assim como como todos os pas­sageiros e tripulantes.

Acho bom repe­tir: o Brasil não é respon­sável pelo mos­quito. Mas não resta dúvida que tem negli­cen­ci­ado a saúde pública a níveis inimagináveis.

A prova mais clara disso é forma como os gestores da pas­tas lig­adas à área são nomea­dos: como instru­mento de bar­ganha política; como quin­hão de par­tidos que se pre­ocu­pam mais em locupletar-​se dos recur­sos que fazer uma boa gestão. A neg­ligên­cia com a saúde pública, os desvios dos recur­sos, são sen­ti­dos agora, diante desta emergên­cia – que se não podia ser evi­tada –, cer­ta­mente, pode­ria ser minorada.

A ver­dade é cristalina: o nosso país não fez – e não tem feito – o \«dever de casa” para pre­venir sur­tos de doenças como o que assis­ti­mos agora. Enfrenta­mos o Aedes Aegypti há quase cem anos e não o colo­camos sob con­t­role. Pelo con­trário, ape­nas agora, quando a situ­ação parece haver fugido do con­t­role, fin­gem querer com­bater, fazendo isso de forma ata­bal­hoada e ineficaz.

Emb­ora tudo pareça assus­ta­do­ra­mente trágico, nada me parece mais doloroso que a situ­ação dos, já mil­hares de bebês, viti­ma­dos pela micro­ce­falia. Estes, em maior ou menor grau, jamais terão um desen­volvi­mento int­elec­tual pleno, e, emb­ora ama­dos, exi­girão dos pais um cuidado redo­brado pelo resto de suas vidas.

O gov­er­nantes, talvez, não façam ideia do que isso sig­nifica, por isso, pen­sam que resolvem – e são gen­erosos – ao ofer­e­cerem um ben­efi­cio de uma salário mín­imo men­sal às famílias cujo filho foi viti­mado pela doença. Como se isso fosse sufi­ciente para amenizar-​lhes o sofri­mento. Não serem ver­gonha nem remorso pelo sofri­mento que causaram – e causam – e pelo vex­ame a que sub­mete mil­hões de brasileiros.

Abdon Mar­inho é advogado.