AbdonMarinho - VIOLÊNCIA ENDÊMICA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

VIO­LÊN­CIA ENDÊMICA.

VIOLÊN­CIA ENDÊMICA.

Em janeiro a ONG mex­i­cana Con­selho Cidadão pela Seguri­dade Social Pública e Justiça Penal divul­gou seu rank­ing de vio­lên­cia ao redor do mundo. Os números rev­e­lam aquilo que sen­ti­mos no nosso dia a dia, emb­ora não imag­inásse­mos que a situ­ação fosse tão des­fa­vorável ao Brasil.

Ape­nas para ter­mos um ideia, das cinquen­tas mais do mundo – e esse mundão que tem mais de duzen­tos países e mil­hares de cidades –, quase metade, isso mesmo, quase a metade, são brasileiras. Mais grave, a vio­lên­cia é maior nas cap­i­tais do nordeste, região mais pobre do país.

Na ordem do rank­ing temos João pes­soa (quarto); Maceió (sexto); For­t­aleza (oitavo); São Luís (décimo); Natal (décimo primeiro); Vitória (décimo quinto); Cuiabá (décimo sexto); Sal­vador (décimo sétimo); Belém (décimo oitavo); Teresina (vigésimo); Goiâ­nia (vigésimo ter­ceiro); Recife (vigésimo nono); Cap­ina Grande (trigésimo); Man­aus (trigésimo ter­ceiro); Porto Ale­gre (trigésimo sétimo); Ara­caju (trigésimo nono); Belo Hor­i­zonte (quadragésimo segundo); Curitiba (quadragésimo quarto); Macapá (quadragésimo sexto).

Com exceção de Cap­ina Grande todas as demais cidades que pon­tif­i­cam em as mais vio­len­tas são cap­i­tais dos esta­dos, onde, ao menos teori­ca­mente, os serviços públi­cos e a pre­sença do Estado dev­e­ria se fazer mais presente.

Os dados da ONG têm por base o ano de 2014. Mas, como sabe­mos, o ano de 2015 não foi muito diferente.

A vio­lên­cia alastrou-​se pelo país, e hoje, não há muita dis­tinção entre cidades grandes ou peque­nas, alcançando, inclu­sive, a zona rural dos municípios.

A ver­dade é que o Brasil perdeu a guerra con­tra a vio­lên­cia e parece não pos­sui muita aptidão para reor­ga­ni­zar as forças e ten­tar reverter a derrota.

Falta gov­erno ao país. Uma situ­ação endêmica como esta­mos vivendo na área da segu­rança era para o gov­erno cen­tral reunir-​se com os esta­dos fed­er­a­dos e encam­in­har soluções con­jun­tas, ver­i­ficar exper­iên­cias exi­tosas nos esta­dos onde a vio­lên­cia retro­cedeu e noutros países e, de forma con­junta, tentarem replicar nos esta­dos onde a situ­ação, parece haver fugido ao con­t­role (parece é um eufemismo). Outra medida de relevân­cia seria coor­denar uma política de colab­o­ração mútua entre os esta­dos e suas forças de segu­rança, prin­ci­pal­mente, na área da informação.

A impressão que passa é que o Min­istério da Justiça passa mais tempo se ocu­pando de out­ras coisas – como ates­tar idonei­dade de cer­tos ali­a­dos políti­cos, desautor­izando pro­ced­i­men­tos inves­ti­gatórios de seus sub­or­di­na­dos, com o próprio min­istro ban­cando advo­gado de defesa –, que pouco liga para uma pauta tão importante.

A vio­lên­cia flo­resce em um ambi­ente de promis­cuidade, quando o Estado, através de seus rep­re­sen­tantes, perde as condições morais de impor sua autori­dade. É o que temos visto no Brasil.

O país perde diari­a­mente a batalha con­tra a vio­lên­cia por falta políti­cas públi­cas sérias, porque os gov­er­nantes sem­pre rel­e­garam a segu­rança pública um sta­tus secundário, quando não a usando para fusti­gar adver­sários ou como instru­mento de dom­i­nação política. Nunca enten­deram que segu­rança pública é política de Estado. Tanto que sem­pre pen­saram que aos ami­gos do rei tudo era per­mi­tido, que pode­riam fazer e acon­te­cer que a Justiça jamais os alcançariam.

Esse clima de vale-​tudo, de per­mis­sivi­dade extrema, fun­ciona para os crim­i­nosos – de colar­inho branco ou bate­dores de carteiras, pas­sando por estupradores, ladrões e assas­si­nos –, como um pas­s­aporte para crime.

O Estado não se preparou e não pre­ve­niu a sociedade para um mundo em trans­for­mação, para a pro­lif­er­ação ver­tig­i­nosa das dro­gas, outro motor – ao lado da impunidade –, da violência.

Acho que um estado que retrata bem a falta de uma política de segu­rança é o Maran­hão, senão vejamos: o ano de 2002 reg­istrou, em toda a região met­ro­pol­i­tana da cap­i­tal, cerca de 200 homicí­dios, um número ele­vado, é ver­dade, mas nem se com­para aos mais de mil que ocorre todo ano, só em São Luís, foram mais de 900 mortes, colo­cando a cap­i­tal maran­hense entre as cidades as dez mais vio­len­tas do mundo, como vimos acima.

E, vejam que São Luís ainda está em van­tagem se com­para­r­mos a out­ras cap­i­tais do nordeste, como João Pes­soa, Maceió e Fortaleza.

Lem­bro nes­tas cap­i­tais nordes­ti­nas, sobre­tudo as menores, eram comum ver­mos as pes­soas sen­tadas às suas por­tas nos fins da tarde para bater papo com os viz­in­hos ou dis­cu­tir os fatos da política e do cotid­i­ano nos logradouros como praças e lar­gos. Locais estes que, ou estão aban­don­a­dos ou foram expro­pri­a­dos pelos mar­gin­ais e usuários de dro­gas, diante da omis­são do Estado.

Como explicar que uma cidade pacata, como São Luís ou mesmo a viz­inha Teresina, fig­ure entre as mais vio­len­tas do mundo? A resposta é só uma: o descaso.

No caso do Maran­hão, atém de tudo mais que fiz­eram de errado, se soma a menor per capita poli­cial do Brasil. Não temos do quê recla­mar­mos por chegar­mos onde cheg­amos. Fize­mos por onde.

Mas vamos em frente.

Emb­ora a matança seja uma boa medida para aferir a vio­lên­cia de um local, acred­ito que ela por si só não seja sufi­ciente para definir o grau de inse­gu­rança da sociedade.

Digo isso para que não nos ilu­damos com a pro­pa­ganda de que a vio­lên­cia foi reduzida porque se mata menos.

Claro que deve­mos ficar felizes a redução da matança. Mas isso não basta, prin­ci­pal­mente quando sabe­mos que houve um aumento con­sid­erável de roubo de veícu­los, assalto a ônibus, invasões de domicílios.

Não faz muito tempo, lem­bro que sabíamos de um roubo de carro, uma invasão de domi­cilio, pelos jor­nais. Hoje o crime chegou na nossa soleira, mês pas­sado foi um amigo assaltado quando chegava em casa, sendo expro­pri­ado do carro, celu­lares, din­heiro e out­ros bens; sem­ana pas­sada foi um sobrinho, antes um irmão e assim suces­si­va­mente. Fig­u­ram na lista de exceções os que ainda não foram vitima de uma modal­i­dade de crime qualquer.

Cada vez mais assis­ti­mos os cidadãos aban­donarem suas casas para viverem tran­ca­dos em aparta­men­tos, con­domínios fecha­dos. Os que resistem têm que erguer peque­nas for­t­aleza: são muros cada vez mais altos; cer­cas elétri­cas, câmeras; sen­sores, alarmes. E, ainda assim, o medo é um inimigo que se enfrenta todos os dias.

Falta gov­erno ao Brasil. Um gov­erno que chame os gov­er­nantes dos esta­dos para dis­cu­tir e imple­men­tar políti­cas con­sis­tentes, que instem a serem do oba-​oba, que encam­inhe e faça aprovar no Con­gresso Nacional uma reforma penal que cesse a impunidade; que imple­mente uma reforma no sis­tema pen­i­ten­ciário que per­mita o cumpri­mento das penas nos lim­ites da lei e que não sirva de des­culpa à impunidade.

A vio­lên­cia pode, desde que com­bat­ida com seriedade, ser não ven­cida, ao menos mino­rada. Temos o exem­plo de São Paulo que deixou de ser o estado mais vio­lento do país para se tornar um dos mais seguros. Hoje, na out­rora parada São Luís, mata-​se sete vezes mais que na cap­i­tal paulista. Claro que lá não é um paraíso na terra, mas avançaram muito no setor da segu­rança pública. Isso é inegável.

Os demais esta­dos não terão o mesmo êxito sem o apoio do poder central.

Ini­cia­ti­vas, que sabe­mos lou­váveis, não sur­tirão efeito esper­ado sem um pacto que envolva as forças da sociedade, o Poder Judi­ciário, o Min­istério Público. Faz-​se necessário, den­tro das unidades fed­er­adas um «Pacto de Estado” voltado para o com­bate à vio­lên­cia com todos os atores fazendo sua parte. O Poder Exec­u­tivo com uma polí­cia efe­tiva, com cor­rege­do­rias que com­batam abu­sos, mas que per­mi­tam o pleno exer­cí­cio da ativi­dade poli­cial, nos lim­ites da lei; um Min­istério Público que denun­cie; um Poder Judi­ciário que julgue e aplique as penas necessárias para des­en­co­ra­jar os criminosos.

Não ire­mos muito longe sem ati­tudes desta natureza.

Atém das ini­cia­ti­vas e pactos entre os poderes estad­u­ais é necessário que a União for­t­aleça suas poli­cias, fis­cal­ize as fron­teiras nacionais, evi­tando a entrada de armas e dro­gas, coor­dene a troca de exper­iên­cias e infor­mações entre os estados.

Qual­quer pes­soa com um mín­imo de bom senso sabe que só agindo em con­junto e de forma orde­nada o Brasil con­seguirá reverter a situ­ação vex­atória que o coloca – bem situ­ado –, entre os 25 países mais vio­len­tos do mundo.

Mas, ao que parece, falta aos nos­sos gov­er­nantes com­petên­cia, ini­cia­tiva e von­tade política de enfrentar este e tan­tos out­ros problemas.

Abdon Mar­inho é advogado.