VIOLÊNCIA ENDÊMICA.
- Detalhes
- Criado: Domingo, 14 Fevereiro 2016 21:57
- Escrito por Abdon Marinho
VIOLÊNCIA ENDÊMICA.
Em janeiro a ONG mexicana Conselho Cidadão pela Seguridade Social Pública e Justiça Penal divulgou seu ranking de violência ao redor do mundo. Os números revelam aquilo que sentimos no nosso dia a dia, embora não imaginássemos que a situação fosse tão desfavorável ao Brasil.
Apenas para termos um ideia, das cinquentas mais do mundo – e esse mundão que tem mais de duzentos países e milhares de cidades –, quase metade, isso mesmo, quase a metade, são brasileiras. Mais grave, a violência é maior nas capitais do nordeste, região mais pobre do país.
Na ordem do ranking temos João pessoa (quarto); Maceió (sexto); Fortaleza (oitavo); São Luís (décimo); Natal (décimo primeiro); Vitória (décimo quinto); Cuiabá (décimo sexto); Salvador (décimo sétimo); Belém (décimo oitavo); Teresina (vigésimo); Goiânia (vigésimo terceiro); Recife (vigésimo nono); Capina Grande (trigésimo); Manaus (trigésimo terceiro); Porto Alegre (trigésimo sétimo); Aracaju (trigésimo nono); Belo Horizonte (quadragésimo segundo); Curitiba (quadragésimo quarto); Macapá (quadragésimo sexto).
Com exceção de Capina Grande todas as demais cidades que pontificam em as mais violentas são capitais dos estados, onde, ao menos teoricamente, os serviços públicos e a presença do Estado deveria se fazer mais presente.
Os dados da ONG têm por base o ano de 2014. Mas, como sabemos, o ano de 2015 não foi muito diferente.
A violência alastrou-se pelo país, e hoje, não há muita distinção entre cidades grandes ou pequenas, alcançando, inclusive, a zona rural dos municípios.
A verdade é que o Brasil perdeu a guerra contra a violência e parece não possui muita aptidão para reorganizar as forças e tentar reverter a derrota.
Falta governo ao país. Uma situação endêmica como estamos vivendo na área da segurança era para o governo central reunir-se com os estados federados e encaminhar soluções conjuntas, verificar experiências exitosas nos estados onde a violência retrocedeu e noutros países e, de forma conjunta, tentarem replicar nos estados onde a situação, parece haver fugido ao controle (parece é um eufemismo). Outra medida de relevância seria coordenar uma política de colaboração mútua entre os estados e suas forças de segurança, principalmente, na área da informação.
A impressão que passa é que o Ministério da Justiça passa mais tempo se ocupando de outras coisas – como atestar idoneidade de certos aliados políticos, desautorizando procedimentos investigatórios de seus subordinados, com o próprio ministro bancando advogado de defesa –, que pouco liga para uma pauta tão importante.
A violência floresce em um ambiente de promiscuidade, quando o Estado, através de seus representantes, perde as condições morais de impor sua autoridade. É o que temos visto no Brasil.
O país perde diariamente a batalha contra a violência por falta políticas públicas sérias, porque os governantes sempre relegaram a segurança pública um status secundário, quando não a usando para fustigar adversários ou como instrumento de dominação política. Nunca entenderam que segurança pública é política de Estado. Tanto que sempre pensaram que aos amigos do rei tudo era permitido, que poderiam fazer e acontecer que a Justiça jamais os alcançariam.
Esse clima de vale-tudo, de permissividade extrema, funciona para os criminosos – de colarinho branco ou batedores de carteiras, passando por estupradores, ladrões e assassinos –, como um passaporte para crime.
O Estado não se preparou e não preveniu a sociedade para um mundo em transformação, para a proliferação vertiginosa das drogas, outro motor – ao lado da impunidade –, da violência.
Acho que um estado que retrata bem a falta de uma política de segurança é o Maranhão, senão vejamos: o ano de 2002 registrou, em toda a região metropolitana da capital, cerca de 200 homicídios, um número elevado, é verdade, mas nem se compara aos mais de mil que ocorre todo ano, só em São Luís, foram mais de 900 mortes, colocando a capital maranhense entre as cidades as dez mais violentas do mundo, como vimos acima.
E, vejam que São Luís ainda está em vantagem se compararmos a outras capitais do nordeste, como João Pessoa, Maceió e Fortaleza.
Lembro nestas capitais nordestinas, sobretudo as menores, eram comum vermos as pessoas sentadas às suas portas nos fins da tarde para bater papo com os vizinhos ou discutir os fatos da política e do cotidiano nos logradouros como praças e largos. Locais estes que, ou estão abandonados ou foram expropriados pelos marginais e usuários de drogas, diante da omissão do Estado.
Como explicar que uma cidade pacata, como São Luís ou mesmo a vizinha Teresina, figure entre as mais violentas do mundo? A resposta é só uma: o descaso.
No caso do Maranhão, atém de tudo mais que fizeram de errado, se soma a menor per capita policial do Brasil. Não temos do quê reclamarmos por chegarmos onde chegamos. Fizemos por onde.
Mas vamos em frente.
Embora a matança seja uma boa medida para aferir a violência de um local, acredito que ela por si só não seja suficiente para definir o grau de insegurança da sociedade.
Digo isso para que não nos iludamos com a propaganda de que a violência foi reduzida porque se mata menos.
Claro que devemos ficar felizes a redução da matança. Mas isso não basta, principalmente quando sabemos que houve um aumento considerável de roubo de veículos, assalto a ônibus, invasões de domicílios.
Não faz muito tempo, lembro que sabíamos de um roubo de carro, uma invasão de domicilio, pelos jornais. Hoje o crime chegou na nossa soleira, mês passado foi um amigo assaltado quando chegava em casa, sendo expropriado do carro, celulares, dinheiro e outros bens; semana passada foi um sobrinho, antes um irmão e assim sucessivamente. Figuram na lista de exceções os que ainda não foram vitima de uma modalidade de crime qualquer.
Cada vez mais assistimos os cidadãos abandonarem suas casas para viverem trancados em apartamentos, condomínios fechados. Os que resistem têm que erguer pequenas fortaleza: são muros cada vez mais altos; cercas elétricas, câmeras; sensores, alarmes. E, ainda assim, o medo é um inimigo que se enfrenta todos os dias.
Falta governo ao Brasil. Um governo que chame os governantes dos estados para discutir e implementar políticas consistentes, que instem a serem do oba-oba, que encaminhe e faça aprovar no Congresso Nacional uma reforma penal que cesse a impunidade; que implemente uma reforma no sistema penitenciário que permita o cumprimento das penas nos limites da lei e que não sirva de desculpa à impunidade.
A violência pode, desde que combatida com seriedade, ser não vencida, ao menos minorada. Temos o exemplo de São Paulo que deixou de ser o estado mais violento do país para se tornar um dos mais seguros. Hoje, na outrora parada São Luís, mata-se sete vezes mais que na capital paulista. Claro que lá não é um paraíso na terra, mas avançaram muito no setor da segurança pública. Isso é inegável.
Os demais estados não terão o mesmo êxito sem o apoio do poder central.
Iniciativas, que sabemos louváveis, não surtirão efeito esperado sem um pacto que envolva as forças da sociedade, o Poder Judiciário, o Ministério Público. Faz-se necessário, dentro das unidades federadas um «Pacto de Estado” voltado para o combate à violência com todos os atores fazendo sua parte. O Poder Executivo com uma polícia efetiva, com corregedorias que combatam abusos, mas que permitam o pleno exercício da atividade policial, nos limites da lei; um Ministério Público que denuncie; um Poder Judiciário que julgue e aplique as penas necessárias para desencorajar os criminosos.
Não iremos muito longe sem atitudes desta natureza.
Atém das iniciativas e pactos entre os poderes estaduais é necessário que a União fortaleça suas policias, fiscalize as fronteiras nacionais, evitando a entrada de armas e drogas, coordene a troca de experiências e informações entre os estados.
Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que só agindo em conjunto e de forma ordenada o Brasil conseguirá reverter a situação vexatória que o coloca – bem situado –, entre os 25 países mais violentos do mundo.
Mas, ao que parece, falta aos nossos governantes competência, iniciativa e vontade política de enfrentar este e tantos outros problemas.
Abdon Marinho é advogado.