A CRISE, A SOLIDARIEDADE E A IMPOTÊNCIA.
Muito se fala em crise. Muitos colocam-na em números: a inflação que quase chega a 11% (onze por cento); a retração do crescimento do PIB que deve fechar o ano negativo em quase 4% (quatro por cento); a perda de cerca de um milhão de postos de trabalho em um ano; os juros nas alturas; a indústria nacional que perdeu completamente sua competitividade; a valorização da moeda americana que em um ano apenas empobreceu o brasileiro em mais de cinquenta por cento.
Os cínicos, os insensíveis ou indiferentes dirão: – são apenas números.
Infelizmente, não são.
O ano de 2015 acaba de forma difícil, os entendidos no assunto apontam para um 2016 ainda pior.
Não tenho como aquilatar o quanto será difícil, diante do ano que estamos tendo.
Na véspera do Natal, quase uma hora após a já tradicional distribuição de cestas básicas e brinquedos que costumo fazer em minha casa há quase dez anos, conversava com um casal de amigos – veio nos ajudar na distribuição e que ficariam para o almoço –, quando ouvimos alguém bater no portão. Era um vizinho que trazia uma senhora. Veio perguntar se sobrara alguma cesta básica para aquela mãe de família.
Por sorte, e também prevendo este tipo de coisa, sempre compro algumas além do número que penso distribuir e, apesar de já ter atendido algumas pessoas, ainda sobrara umas em estoque. Assim atendemos a senhora.
Enquanto ela saia, o vizinho nos confidenciava: – Pois é, doutor, um dia como hoje (referia-se ao Natal), e essa moça não tem nada para colocar no fogo.
Mais meia hora se passou e foi a vez de um senhor, pelo aspecto, já ido nos anos, com sessenta ou mais, bater no portão. Também queria saber se ainda tínhamos alguma cesta básica e ainda tinha algum serviço para ele.
Indagado sobre que tipo de serviço respondeu: – Qualquer coisa, moço, o que quero é trabalhar, faz tempo que não encontro nada para fazer.
Um fato que ilustra bem o momento que atravessamos, é que, desde o início de novembro fui avisado pelo meu caseiro que os moradores das imediações estavam lhe perguntando se este ano teríamos cestas básicas para distribuir. Não é novidade que perguntem, todos os anos fazem isso, estranhei foi período: novembro.
Outro fato é a quantidade de pessoas – jovens, mulheres, senhores, muitos com a idade avançada –, que me pedem emprego, ou uma ajuda para conseguir algum trabalho. Não sei por qual razão – talvez apenas pelo desespero –, as pessoas achem que posso ajudá-las com ou que tenha influência junto à alguém para lhes conseguir trabalho. Impotente me resta dizer que ficarem atento e, se souber de algo, avisarei.
Não posso ir muito além disso, embora fique aflito ao assistir o drama de tantas pessoas que buscam emprego e não conseguem. Mais aflito ainda, ao saber que a tendência é que o quadro econômico piore ainda mais é que, o ano que se avizinha traz mais preocupação que alento.
Impossível não ficar angustiado quando sabemos que país perdeu, neste ano, cerca de um milhão de postos de trabalhos, e vemos os políticos brasileiros fazendo a única coisa na qual são mestres: debater sobre quem rouba ou rouba mais, numa guerra insana – que despreza os interesses do país –, do poder pelo poder.
Um país que apresenta indicadores tão negativos, com milhares de pais famílias sem condições de alimentar os seus dependentes, com milhares de jovens, sem perspectivas, buscando refúgio nas drogas e amparo na prostituição, não pode se permitir que os políticos pensem primeiro em si e depois no povo.
O espetáculo dantesco com o qual brindam a população é o mais vergonhoso desde que me entendo por gente. E, acredito, de toda a história.
Os políticos que estão no poder, seus cupinchas e aliados, além da notável preocupação sobre quem roubou, quem rouba ou quem roubará, trazem a obsessão de se manterem no poder a todo e qualquer custo, valendo-se de todos os instrumentos, sejam eles legais ou não, seja eles éticos ou não.
Os opositores também não ficam muito distante disso. Sequer apresentam, a exemplo do governo, propostas razoáveis e capazes de tirar o país da crise.
Em meio a tudo isso, a sociedade, sendo tratada como joguete, numa campanha eleitoral que parece não ter fim e da qual seus protagonistas não conseguem descer do palanque. Nem o Natal e as festas de final de ano respeitam na sanha de fazerem uma política rasteira e venderei “seu peixe”. Vergonha! Vergonha! Vergonha!
Como acreditar num Ano Novo melhor? À sociedade consciente, esta que não vive na dependência da escória política que tomou o Estado de assalto, resta o constrangimento, a impotência e a vergonha.
Abdon Marinho é advogado.