O DOM DA EMOÇÃO.
Li uma matéria da BBC narrando a história de um cidadão que não sente quase nenhuma emoção. Algo como você ficar indiferente a uma violência contra uma criança ou idoso, o nascimento de um filho, a tristeza da perda de um ente querido, a frustração por um insucesso, a dor por uma amizade desfeita ou um amor perdido. Nada.
A matéria informa que tal distúrbio é, na verdade, uma doença que atende pelo nome de alexitimia. Os seus portadores a chamam pela forma diminuta de «alexes».
Li e fiquei imaginando como deve ser triste não sentir qualquer emoção. Viver a vida como se a mesma fosse uma mera encenação onde nada nela fosse real.
A sociedade atual procura educar as pessoas assim. Para que sejam excessivamente racionais, muitas vezes hipócritas, para que escondam os seus sentimentos, jamais os demostrando em público. No mundo corporativo os executivos são treinados para mentirem, levarem os negócios como uma partida de pôquer, como forma de tirar vantagem nos negócios, de acumularem fortunas.
São pessoas que, como diria meu pai, não sustenta em pé o que diz sentado, ou que no jantar já esqueceu do almoço. Achem como se fossem treinadas para «alexes».
A corrupção, o roubo do dinheiro público, o fato de milhares de pessoas não terem direito a escolas, a uma rede de saúde que as atendam, são coisas indiferentes a estas pessoas. A política brasileira está repleta de pessoas assim. São pessoas que roubam, que se locupletam dos recursos públicos, seja através de convênios, emendas, parlamentares ou a velha e manjada propina porque são indiferentes ao sentimento das pessoas, às suas necessidades.
A violência nossa de todos os dias. Lembro que não muito tempo, a notícia de uma morte era assunto de meses, motivo de pesar de muitos e por muito tempo. Hoje as mortes, seja homicídios, sejam acidentais, tornaram-se de tal forma banais que não atraem mais atenção de ninguém. Quando matavam duzentas pessoas em um ano – há doze anos era assim –, achávamos um escândalo, dizíamos que a ilha de São Luís estava muito perigosa. Hoje, este é praticamente o número de um mês. As indagações, quando existem, são apenas para fazer proselitismo político.
Mas deixemos isso para outro debate. O assunto deste texto é outro.
Confesso que me angustio com a vida plastificada que vejo muitas pessoas tentado levar. Sei lá, fui educado de outra forma.
Se existe uma definição oposta aos que sofrem de alexitimia, acho que estaria enquadrado nela, ou bem próximo dela. Sou o que as pessoas costumam chamar de «manteiga derretida», com emoções tão a flor da pele, que, como diria Zeca Baleiro, até um beijo de novela me faz chorar.
Se é um defeito, peço perdão, pois gosto de sentir emoção. Gosto de rir (às vezes gargalhar, chorar até) de uma piada bem contada; gosto de chorar diante de cena tocante num filme, programa e até noticiário;gosto de poder chorar de tristeza ou de alegria; gosto de sentir-me triste quando me vejo diante de uma saudade doída; de sentir a dor de um soluço sem lágrimas (não lembro que autor narrou essa emoção); gosto de me colocar no lugar e me condoer com a dor alheia. Não consigo – e não tento – ficar indiferente a nenhuma emoção.
Não gostaria de sentir a emoção da tristeza, sintoma que algo triste aconteceu ou a da dor, também fruto do dissabor, mas o que seria o mundo sem elas?
E, como não gostar de sentir a emoção do amor, paterno, fraterno ou filial? Como não gostar de chorar emoção do surgimento da vida? Da vitória doida finalmente alcançada?
As minhas falsas limitações me conduziriam ao mundo da literatura.Ainda na infância, quantas não foram as vezes que tive que parar uma leitura por me emocionar com ela?
A vida me conduziu ao mar das saudades e das incertezas. Quantas não foram as vezes que chorei a saudade dos dias que não tive e que nunca os teria?
Sempre tive na emoção uma parceira. Ela me inspira na tristeza, na alegria, na dor, no sofrer. Não consigo imaginar como seria a minha vida sem a emoção.
O artigo que trata da alexitimia me despertou para o quanto deve ser triste não experimentar qualquer emoção. Deve ser muito triste e vazia uma vida assim.
Depois me pus a pensar em como deve ser mais triste ainda aquelas pessoas que, podendo sentir emoções, treinam para não senti-las. Nunca consegui entender os que abrem mão de um dom tão excepcional quanto o dom da emoção.
Abdon Marinho é advogado.