MAIORIDADE PENAL: AS FALSAS POLÊMICAS.
O Congresso Nacional começou a discutir a questão da maioridade penal. O tema sequer mereceria maiores indagações se não fosse a «ideologização» e a carga emocional que emprestam ao assunto.
As últimas pesquisas revelam que 87% (oitenta e sete por cento) da população brasileira acha que deve ser reduzida a maioridade penal para 16 anos. Os 13% (treze por cento) da população acha que deve deixar as coisas como estão.
Já faz algum tempo que tenho discutido publicamente esse assunto, colocando-me a favor da larga maioria que defende a redução. Meu posicionamento vai até além da redução para os 16 anos. Meu entendimento é que deveria ser aplicada a redução da maioridade pela natureza do crime, alcançando a todos com mais de 12 anos com capacidade para discernir.
Tenho maior respeito pelas pessoas que pensam diferente e que acham que todos menores de 18 anos devem ser tratados como incapazes de discernir e de responder pelos seus anos, tanto que alinharei abaixo alguns dos seus argumentos. Deixarei de discutir a questão da constitucionalidade uma vez que nunca mais ou ouvir sustentar que o tema estaria proibido de discussão por se tratar de cláusula pétrea, e, portanto, imutável. Parece-me que desistiram deste argumento tão falacioso quanto falso.
Na defesa, contra a redução, dizem que menos de 1% (um por cento) dos crimes tidos por hediondos são cometidos por menores entre 18 e 16 anos.
Peguemos o exemplo do homicídio. Ano passado tivemos cerca de 56 mil homicídios. Um por cento corresponderia 56 homicídios. Pelo argumento dos que são contra a redução, essas 56 pessoas que perderam vida são meras estatísticas, não deveriam contar. Aquela moça que foi assassinada pelo namorado poucas horas antes dele completar os 18 anos, o aquele rapaz que chegava do trabalho/escola e foi assassinado na porta de casa e tantos outros, são um «nada estatístico», suas vidas nada valiam, os sonhos, o futuro, nada representaram. Acredito que isso não é certo. Cada vida vale, para os seus pais, irmãos, amigos. Quer dizer que a vida do matador vale mais que a vida da vítima? Defende-se sua inimputabilidade, o cumprimento de medida socioeducativa de pouco tempo e logo pode sair e continuar matando. Muitas das vezes, fazendo outras vítimas fatais, antes de completar maioridade legal. Quantos não chegam a dita maioridade, com mais de uma dezena de crimes?
Faço uma argumentação oposta: se são tão poucos, por que não punir para que sirvam de exemplo e desestimule outros?
Tomemos outro exemplo de crime hediondo: o estupro. São milhares todos anos, com consequências permanentes para vítimas. Ainda que um por cento representasse, um, dois, uma dezena, deve a vítima simplesmente se conformar com a violência? Aceitar que é apenas uma que mereceu ser violada, humilhada, maltratada? Um dos casos de maior repercussão no Brasil, foi o do menor apelidado de Champinha, ele, com 16 anos, comandou um bando de facínoras que matou um casal de namorados, primeiro o rapaz, depois a moça, depois de estuprá-la seguidas vezes, por dois ou três dias. Só continua internado até hoje devido a mobilização da sociedade e dos familiares das vítimas, senão estaria solto, matando, estuprando.
Uma vez ouvi de uma mãe de vitima o seguinte sobre a mãe do matador do seu filho: – Ela poderá visitá-lo na cadeia; poderá falar com ele, abraçá-lo, sentir seu cheiro. Eu nunca mais falarei com o meu; nunca mais poderei abraçá-lo, tê-lo em meus braços. Nunca mais sentirei o cheiro de meu filho.
Uma dor dessa não pode ser considerada apenas uma estatística desprezível. Pior é quando sabem que nada acontecerá ao autor do fato por ser menor.
Um outro argumento e que mais acho dos mais curiosos é o famoso NÃO RESOLVE. Esse argumento, aliás, usado pela Sra. Dilma Roussef e por tantos outros, é de uma bisonhice atroz. Como reduzir a maioridade «não resolve», por que não deixar «os meninos», continuarem matando? É isso?
Poder-se-ia dizer que a corrupção no Brasil existe desde que o mundo é mundo e eu não me chamo Raimundo. Como punir os corruptos não resolve, pois para cada um que é preso surgem dois ou mais devemos deixar imperar a roubalheira? É assim? Claro que o simples ato de reduzir a maioridade penal não resolve, mesmo porque, como dizem (precisamos apurar se é verdade ou não), apenas um por cento dos crimes hediondos são cometidos pelos que serão alcançados pela nova regra.
O que se quer com a medida é inibir o crime praticado por esses jovens, é fazer com que saibam que o crime terá um castigo, uma consequência, é acabar com situação de impunidade, é pôr fim a vergonha de se ter de dizer a um pai ou a uma mãe que o seu filho foi brutalmente assassinado não ficará impune.
Outro argumento: mais escolas, menos cadeia. Trata-se de uma tolice colocar essas duas coisas como se fossem antagônicas, principalmente se ditas por governantes. O Brasil precisa das duas coisas: mais escolas e mais cadeias. Precisamos de escolas de qualidade e cadeias com mais qualidade para garantir ao encarcerado o cumprimento integral de sua pena com as garantias que lhe são assegurada em lei e nos tratados internacionais. Este argumento vem com outra velha desculpa, o de que não podemos (nós sociedade) exigir que os presos cumpram suas penas pois o sistema carcerário é pavoroso. O próprio ministério da justiça já fez uso do argumento, quando na verdade, como deveria ser de suas responsabilidade, organizar um sistema carcerário em ele não fosse obrigado a dizer preferir a morte a cumprir pena no Brasil.
O país precisa romper com o tabu que não se deve investir em presídios. Deve se investir e se não tiver dinheiro que se admita, como em outros países, a privatização do sistema.
Investir em presídios e em escolas, não são coisas antagônicas como vem sendo tratado. Vejo muita gente boa advogando o argumento que toda a criminalidade é fruto sistema injusto ou da pobreza. Isso não é verdade. Tanto não é que a maioria da população brasileira é composta de pessoas de bem. A criminalidade continuaria a existir ainda que todas as escolas brasileiras fossem padrão FIFA.
Outro argumento é que não se pode colocar «crianças nas prisões de adultos». Basta aplicar a lei. Ao invés de fazer campanha contra deve se exigir que Estado garanta o cumprimento das penas, todas elas, com as individualizações estabelecidas na Lei de Execuções Penais.
Outro argumento na linha do deixa como está ou eu lavo minhas mãos: caso se reduza a maioridade os criminosos vão aliciar outros jovens, com menos de 16 anos. É um argumento covarde pois milita no sentido de dizer: deixem enveredar pelo crime pela janela da impunidade apenas a faixa de 16⁄18 anos. Acontece que os bandidos já estão fazendo isso. Cada vez mais jovens enveredam pelo crime e cada vez mais jovens. A solução não é «liberar» esses jovens ao crime, como querem os iluminados, e sim reprimir, aplicando penas mais duras aos criminosos maiores que usam adolescentes nas atividades criminosas e até mesmo punindo esses menores.
Mais um argumento: o jovem vira delinquente porque o país não tem uma política para a juventude. É verdade que as políticas de promoção da juventude são deficientes. Mas esse é um argumento que milita em sentido contrário. Primeiro que foram piores as políticas e número de jovens delinquentes bem menor. Segundo porque se isso fosse determinante o número de criminosos juvenis seriam bem maior.
Mais argumento argumento? Voltaremos ao tema.
O certo é que a política criminal brasileira, inclusive essa de tratar criminosos juvenis ou não como vítimas do «sistema», só tem contribuído para o aumento da violência e para tornar o país cada vez mais inseguro.
Abdon Marinho é advogado.
MAIORIDADE PENAL: AS FALSAS POLÊMICAS.
Escrito por Abdon Marinho
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