AbdonMarinho - O BRASIL E A DEMOCRACIA SEM POVO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O BRASIL E A DEMOC­RA­CIA SEM POVO.

O BRASIL E A DEMOC­RA­CIA SEM POVO.

Logo depois do ciclo mil­i­tar, dois vel­hos coro­néis da política maran­hense, acos­tu­ma­dos com eleições no bico de pena, na car­retilha, no mapismo e noutras modal­i­dades eleitorais típi­cas do inte­rior, se encon­traram e pas­saram a dis­cu­tir o quadro.

– É com­padre, as coisas agora tão mais difí­ceis. Todo mundo tem dire­ito, todo mundo ques­tiona tudo. Só se fala agora nesta democracia.

– Pois é, meu com­padre, as coisas não estão fáceis. Até que não reclamo, muito, da tal democ­ra­cia. Até acho que ela é boa, só não é mel­hor por causa do povo.

A situ­ação acima – que talvez seja ape­nas mais uma do vasto arquivo de «cau­sos» políti­cos do Maran­hão –, cabe como uma luva para retratar o atual momento político brasileiro.

A democ­ra­cia, tal como apren­demos na escola, vem do grego demokra­tia, e significa

  1. Gov­erno do povo; sobera­nia pop­u­lar; democratismo.
  2. Dout­rina ou régime político baseado nos princí­pios da sobera­nia pop­u­lar e da dis­tribuição equi­tativa do poder, ou seja, régime de gov­erno que se car­ac­ter­iza, em essên­cia, pela liber­dade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo con­t­role da autori­dade, i. e., dos poderes de decisão e de exe­cução. (Definição do dicionário Aurélio)

Durante muitos anos os par­tidos esquerdis­tas, enti­dades soci­ais, artis­tas e int­elec­tu­ais ditos pro­gres­sis­tas, diziam falar em nome do povo, da democ­ra­cia, do estado democrático de dire­ito, nos dire­itos da pop­u­lação, da sociedade civil, etc.

Nos últi­mos tem­pos, ao que parece, há um divór­cio se consumando.

Estas pes­soas já não falam mais em nome do povo. Isso temos clara­mente na rep­re­sen­tação política no Con­gresso Nacional.

Na votação da PEC que trata da redução da maior­i­dade penal – assunto que tratei num texto ante­rior –, deu para perce­ber o quanto as pau­tas da sociedade são dis­tin­tas destes par­tidos e movi­men­tos. Enquanto, quase noventa por cento da pop­u­lação, defende a redução da maior­i­dade penal, temos as rep­re­sen­tações destes segui­men­tos defend­endo o contrário.

Pior do que defender é apon­tar para a sociedade (só noventa por cento da pop­u­lação) acusando-​a de con­ser­vadora, rea­cionária, de dire­ita, racista, igno­rante e até homofóbica. Um amigo me falou de um texto pub­li­cado e que cir­cula na inter­net, de um destes nos­sos sábios, dizendo que o povo não pos­sui capaci­dade de dis­cernir o que é bom ou ruim. E que apoiaria até pena de morte. Não li este de que falou, mas li out­ros que cam­in­ham no mesmo sentido.

E é este o ponto.

Os out­rora defen­sores ardorosos da democ­ra­cia, agora pre­gando a democ­ra­cia sem povo. Democ­ra­cia onde, os suposta­mente sábios, deci­dam pela maio­ria da pop­u­lação, que seria igno­rante para saber os males que lhe aflige. Não é por nada não, mas é jus­ta­mente disso que recla­mava um dos dos coro­néis do nosso inte­rior, na visão dos nos­sos pro­gres­sis­tas, o que atra­palha a democ­ra­cia é o povo.

Estas pes­soas – muitas até com biografias valiosas –, estão, tão desconec­tadas da real­i­dade, que pro­movem o surg­i­mento de pes­soas que nem pos­suem uma história de vida elogiável, como é o caso do dep­utado Eduardo Cunha, pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos. O grosso da pop­u­lação brasileira está ao lado dele nesta questão da maior­i­dade penal e con­tra os seus eleitos «progressistas».

Caso esse apoio se estenda a out­ros aspec­tos, isso se dará pela falta de com­preen­são e leitura da real­i­dade brasileira por parte destes par­tidos e movi­men­tos, que pref­erem cul­par o povo.

Na questão especí­fica da maior­i­dade penal, a pop­u­lação quase toda com­preende que não tem jus­ti­fica­tiva para que crim­i­nosos menores não paguem por seus crimes.

Isso acon­tece porque a pop­u­lação quase toda já foi vítima da vio­lên­cia prat­i­cada por estes menores criminosos.

Não adi­anta nos­sos int­elec­tu­ais apontarem para os pro­gra­mas sen­sa­cional­is­tas como respon­sáveis pelo apoio quase maciço da pop­u­lação ao endurec­i­mento da leg­is­lação penal.

Os pro­gra­mas que vivem da explo­ração do crime só os divul­gam, não os comete. E só os divul­gam porque crimes acon­te­cem, numa veloci­dade tão grande que até nos confunde.

A pop­u­lação brasileira não é – difer­ente do que afir­mam muitos dos nos­sos int­elec­tu­ais –, rea­cionária, é ape­nas vítima diária de uma vio­lên­cia, para a qual os gov­er­nantes não apre­sen­taram uma pro­posta con­sis­tente que a resolva. O cansaço se estende aos supos­tos pro­gres­sis­tas que estão no poder há doze anos e meio e que nada fizeram.

Há, por todo país, mil­hares de pais de família chorando a morte de seus fil­hos (pois essa é uma dor que nunca cessa), o estupro de suas fil­has e mul­heres, lamen­tando a perda de seus bens.

A sociedade brasileira que passa quase seis meses do ano tra­bal­hando só para pagar impos­tos – e ape­sar disso –, não tem esco­las que preste, a saúde mata os pacientes na fila, tam­bém não pode colo­car os pés fora de casa pois é assaltada, vio­len­tada, morta.

Os nos­sos int­elec­tu­ais da redoma não se deram conta que todos os anos acon­te­cem no Brasil mais de 50 mil homicí­dios, o mesmo número de estupros. Nem países em guerra mata-​se tanto.

As víti­mas, a maio­ria jovens, eram fil­hos de alguém, irmão de alguém, esposa de alguém. As maiores víti­mas são as pes­soas que eles juram rep­re­sen­tar, pobres, mul­heres, negros, jovens.

São números tão superla­tivos que difi­cil­mente existe alguém que não tem uma história de vio­lên­cia sofrida, dire­ta­mente ou através de um par­ente. As víti­mas são/​eram pes­soas de carne e osso, com famil­iares, ami­gos, deixaram uma lacuna, não podem, não devem, serem tratadas como meras estatísticas.

A sociedade brasileira é a maior vítima da falta de políti­cas públi­cas – ape­sar do muito que paga –, por conta disso está zan­gada, e com razão, com os seus supos­tos rep­re­sen­tantes, que sem­pre enx­ergam a vítima, no estuprador, no assas­sino, no ladrão, e não nos que foram, efe­ti­va­mente, suas vítimas.

Suas excelên­cias pre­cisam enten­der isso, ao invés de acusar a sociedade de con­ser­vadora, racista, intol­er­ante. Sobre­tudo a sociedade brasileira que tem tido muita paciên­cia com os seus governantes.

Outra coisa que pre­cisam enten­der é que, para que ten­hamos uma democ­ra­cia, é necessário ter­mos povo. É necessário que este povo seja chamado a decidir o futuro do nosso país, por mais que isso pareça estranho para muitos.

Em tempo. Vejo muitos destes nos­sos pro­gres­sis­tas apoiando o fato da pop­u­lação grega ter deci­dido não plebisc­ito sobre o ajuste econômico. Enten­dem que foi uma boa decisão, democ­ra­cia legit­ima, um não aos ban­queiros inter­na­cionais e ao FMI. Estran­hamente são os mes­mos que acham que não deve­mos ouvir a pop­u­lação brasileira sobre seus temas cruciais.

Será que democ­ra­cia só boa na Gré­cia? Tem­pos estranhos.

Abdon Mar­inho é advogado.