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UMA NAÇÃO DE BÊBADOS?

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA NAÇÃO DE BÊBADOS?

A GRANDE polêmica dos últi­mos dias – capaz, até mesmo, de ofus­car o brilho do ouro olímpico – parece ter sido a declar­ação do min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, Gilmar Mendes por ocasião do jul­ga­mento que recon­heceu serem as Câmaras Munic­i­pais, os órgãos com­pe­tentes para o jul­ga­mento dos gestores munic­i­pais. O min­istro disse que a chamada “Lei da Ficha Limpa” pare­cia ter sido escrita por bêba­dos, ressal­vando não ser sua intenção ofender quem quer que fosse.

A declar­ação, mais que o con­teúdo do voto (onde, de fato, deve ser elu­ci­dado o posi­ciona­mento do min­istro), cau­sou enorme estardal­haço mere­cendo pronto repú­dio de asso­ci­ações lig­adas aos Tri­bunais de Con­tas, da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, parte da mídia e out­ros que se sen­ti­ram atingi­dos pela decisão da Suprema Corte.

Minha posição, deixando claro, desde já, é que o Supremo inter­pre­tou de forma cor­reta a Con­sti­tu­ição Fed­eral. Tenho visto muitos cidadãos esclare­ci­dos falarem como se o STF estivesse “inven­tando” o dire­ito. Nada disso, ele ape­nas, como guardião da Carta, diz qual é a inter­pre­tação mais cor­reta da mesma.

Comungo com o entendi­mento que a inter­pre­tação dada foi a mais cor­reta para a questão que vem se arra­s­tando desde muito tempo, prin­ci­pal­mente, depois das últi­mas refor­mas legais, feitas no calor do clamor popular.

Difer­ente da pre­gação feitas pelos que se sen­ti­ram pes­soal­mente atingi­dos pela decisão e que alardeiam aos qua­tro can­tos da terra que a pop­u­lação foi prej­u­di­cada, que os cor­rup­tos tomarão de assalto o poder, que ter­e­mos a impunidade como con­se­quên­cia da decisão, penso em sen­tido inverso, acho que podemos mel­ho­rar nossa rep­re­sen­tação política. E, não vou nem ressaltar que a “incom­preen­dida” decisão tem mais sus­ten­tação do que aparenta, à primeira vista, con­forme expli­carei a seguir.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, difer­ente do que muitos pen­sam, não começa no artigo primeiro. Ela começa no preâm­bulo, e lá está escrito: «Nós, rep­re­sen­tantes do povo brasileiro, reunidos em Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte para insti­tuir um Estado Democrático, des­ti­nado a asse­gu­rar o exer­cí­cio dos dire­itos soci­ais e indi­vid­u­ais, a liber­dade, a segu­rança, o bem-​estar, o desen­volvi­mento, a igual­dade e a justiça como val­ores supre­mos de uma sociedade fra­terna, plu­ral­ista e sem pre­con­ceitos, fun­dada na har­mo­nia social e com­pro­metida, na ordem interna e inter­na­cional, com a solução pací­fica das con­tro­vér­sias, pro­mul­g­amos, sob a pro­teção de Deus, a seguinte CON­STI­TU­IÇÃO DA REPÚBLICA FED­ER­A­TIVA DO BRASIL.”

Vejam, o leg­is­lador con­sti­tu­inte disse que estavam elab­o­rando o texto con­sti­tu­cional em nome do povo brasileiro. Não sat­is­feitos assen­taram, já no pará­grafo único do seu primeiro artigo: «Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Constituição”.

Pois bem. O que está cristal­ino neste ini­cio de con­versa é a sobera­nia pop­u­lar. O que está dito é que o poder orig­inário per­tence ao povo.

Ora, o que os arautos da moral­i­dade pregam é: o povo – que é nos ter­mos da Con­sti­tu­ição os “donos do poder orig­inário” –, não pos­sui a capaci­dade de bem escol­her seus rep­re­sen­tantes, são inca­pazes de escol­her, por conta disso, pre­cisam que os tri­bunais de con­tas ou cortes de justiça, retirem aque­les can­didatos cor­rup­tos, malfeitores da dis­puta para que os mes­mos não sejam escolhidos.

Por conta desta pro­funda inca­paci­dade de escol­her, este povo brasileiro, pre­cisa ser tute­lado ao extremo.

O engraçado é que dizem falarem isso em nome do povo, da sociedade civil. Mas, como, falam em nome do povo que acham ser inca­paz? Fico encab­u­lado com isso. Os mes­mos que enchem a boca para falar no «povo», são os primeiros a negarem a este mesmo povo o dire­ito de serem os respon­sáveis por suas escol­has, sen­hores do seu destino.

No caso especi­fico, do jul­ga­mento de que tra­tou o STF, a Con­sti­tu­ição não deixa dúvi­das sobre a com­petên­cia, basta ver o artigo 33 e seus parágrafos:

“Art. 33. A fis­cal­iza­ção do Municí­pio será exer­cida pelo Poder Leg­isla­tivo Munic­i­pal, medi­ante con­t­role externo, e pelos sis­temas de con­t­role interno do Poder Exec­u­tivo Munic­i­pal, na forma da lei.

§ 1º O con­t­role externo da Câmara Munic­i­pal será exer­cido com o auxílio dos Tri­bunais de Con­tas dos Esta­dos ou do Municí­pio ou dos Con­sel­hos ou Tri­bunais de Con­tas dos Municí­pios, onde houver.

§ 2º O pare­cer prévio, emi­tido pelo órgão com­pe­tente sobre as con­tas que o Prefeito deve anual­mente prestar, só deixará de prevale­cer por decisão de dois terços dos mem­bros da Câmara Municipal.

§ 3º As con­tas dos Municí­pios ficarão, durante sessenta dias, anual­mente, à dis­posição de qual­quer con­tribuinte, para exame e apre­ci­ação, o qual poderá questionar-​lhes a legit­im­i­dade, nos ter­mos da lei.”

Ora, o leg­is­lador con­sti­tu­inte, nestes dis­pos­i­tivos, deixou claro o papel de cada um na equação.

O que estavam fazendo, por vias tor­tas, era colo­car o pro­tag­o­nismo, a palavra final no órgão de con­t­role, con­trar­iando o que a Con­sti­tu­ição deixa claro como sendo respon­s­abil­i­dade das Câmaras Municipais.

Nos meus vagares, sem­pre me per­gun­tei, a per­si­s­tir esse entendi­mento, o que farão com o artigo 33?

Aqui, não se está a dizer ou negar a importân­cia dos órgãos téc­ni­cos de con­t­role. A questão é que não se pode pas­sar “por cima” do que esta­b­elece a Con­sti­tu­ição. Isso vai além do pen­sa­mento indi­vid­ual de cada um. Isso tem a ver com o poder orig­inário. Fazendo uma metá­fora – pela qual nos des­cul­pamos desde antes –, era como se fosse pos­sível o rabo bal­ançar o cachorro e não o contrário.

O que a Con­sti­tu­ição está dizendo é que a fis­cal­iza­ção, o con­t­role dos atos dos gestores públi­cos, será feitos pelos rep­re­sen­tantes do povo, por aque­les que são, em última instân­cia, os donos do din­heiro, os donos do patrimônio administrado.

Se os vereadores, dep­uta­dos ou senadores erram ao for­marem seus juí­zos, os eleitores, repito, os donos do poder, têm a chance de demiti-​los através de eleições livres e colo­car out­ros nos seus lugares.

Podem fazer o mesmo com os órgãos de con­t­role? Grosso modo, até podem, mas não com a mesma facil­i­dade que fazem através de eleições livres e reg­u­lares. Noutras palavras, por qual razão deve­mos con­fiar mais nos tri­bunais de con­tas – que pouco ou nada podemos inferir – que no jul­ga­mento da câmara que podemos tro­car com data certa?

O que a leg­is­lador fez foi garan­tir ao cidadão/​eleitor aquilo que colo­cara no preâm­bulo da Carta e seu artigo primeiro: que é ele o pro­tag­o­nista da nação. Não pode­ria ser diferente.

Mas, nem por isso, a Con­sti­tu­ição deixa de recon­hecer a importân­cia e relevân­cia dos órgãos de con­t­role ao deixar explic­ito que os seus pare­ceres só deixam de prevale­cer se esta for a von­tade de dois terços da rep­re­sen­tação leg­isla­tiva. Isso não é pouca coisa.

Aí que digo acred­i­tar que a rep­re­sen­tação par­la­men­tar possa mel­ho­rar: os eleitores, con­scientes da sua respon­s­abil­i­dade, escol­herão mel­hor seus rep­re­sen­tantes ou não.

A democ­ra­cia, cos­tumo dizer, é um negó­cio arriscado, pois é feita basi­ca­mente com o povo.

Sem­pre descon­fio daque­les que dizem falarem em nome do povo mas que não con­fiam no seu juízo. Toda hora querem dizer o que fazer, como fazer, etc.

Acred­ito ser o papel da chamada sociedade civil, das enti­dades de defesa da moral­i­dade, da transparên­cia, ao invés de quer­erem falar em nome do povo – calando-​lhe a voz –, dev­e­riam con­sci­en­ti­zar este mesmo povo da sua importân­cia e responsabilidade.

Esta não é uma mis­são impos­sível, temos, hoje, mecan­is­mos fab­u­losos de difusão de ideias e infor­mações, não há nada que se faça que não possa ser esquadrin­hado, difun­dido; temos os mecan­is­mos de transparên­cia; do acesso a infor­mação; um Poder Judi­ciário e um Min­istério Público mais pre­sentes na vida dos cidadãos.

Noutra quadra, os próprios órgãos de con­t­role pode­riam tornar mais céleres e trans­par­entes seus pare­ceres, levando-​os ao con­hec­i­mento dos cidadãos ainda no curso dos mandatos.

Recla­mam das câmaras munic­i­pais mas pouco se dão conta ou se pre­ocu­pam com o tempo que leva as Cortes de Con­tas para exam­i­nar as con­tas dos gestores.

Cabe a todos, tra­bal­har­mos, incansavel­mente, para torn­ar­mos os cidadãos/​eleitores mais con­cientes e respon­sáveis por suas escol­has e não substituí-​los nas mesmas.

Na ver­dade, bêba­dos, não são os leg­is­ladores, são os eleitores, e o porre dura qua­tro anos. Mas, uma nação de bêba­dos, talvez seja o preço cobrado por viver­mos numa democracia.

Abdon Mar­inho é advogado.

NO PIOR DOS MUNDOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

NO PIOR DOS MUNDOS.

NA CELA em que José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre a pena de mais de vinte anos de prisão em régime fechado por cor­rupção e outro deli­tos rela­ciona­dos e, que divide com outro con­de­nado, foram encon­tra­dos obje­tos ilíc­i­tos pelo sis­tema carcerário. Não, não eram dro­gas e afins, ape­nas car­regadores de celu­lares e pen­drive com músi­cas e/​ou filmes.

Como os dois con­de­na­dos não assumi­ram a posse dos obje­tos – obe­de­cendo, cer­ta­mente ao código de “ética» do cárcere – ambos sofr­eram as medi­das dis­ci­pli­nares impostas aos inter­nos do sis­tema pen­i­ten­ciário nacional, como ser pri­vado da visita de famil­iares por deter­mi­nado período.

A notí­cia, escon­dida num cando de jor­nal – oculta ainda mais pelo brilho das reluzentes medal­has olímpi­cas e pelos feitos históri­cos de nadadores como Michael Phelps ou velocis­tas como Usain Bolt –, quase passa des­perce­bida, nestes dias em que a pauta esportiva toma conta de todo o noticiário.

Claro que fatos assim não são e não têm razão de serem noti­ci­a­dos. Os presí­dios brasileiros mais parece um queijo suíço, tal a quan­ti­dade de fal­has nos seus sis­temas de con­t­role. Todos os dias, ou qual­quer busca que fazem nas celas encon­tram muito mais do que foi achado na cela já referida.

Assim, achar pro­du­tos ilíc­i­tos em cela de pre­sos no Brasil, está longe de ser novi­dade ou objeto dos noti­ciosos locais.

O que torna rev­e­lante e emblemático no fato nar­rado – e que nos leva a uma reflexão pro­funda – são os per­son­agens envolvi­dos, sobre­tudo o nom­i­nado. José Dirceu de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Qua­tro, com setenta anos de idade, que é ninguém menos que Zé Dirceu, ex-​presidente do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT, ex-​ministro do gov­erno Lula.

Nos lau­tos tem­pos de poder, ninguém exerceu o mando com tanta arrogân­cia quanto o José Dirceu. Sentia-​se o primeiro e mais impor­tante respon­sável pela eleição de Lula por ocasião de sua primeira vitória ao cargo maior da República, o artic­u­lador infalível, o suces­sor nat­ural, naquele que estava se for­mando com o «reich» petista – pro­gra­mado para durar mais que qual­quer outro na história do país, quiçá do mundo.

Apre­sen­tado pelo próprio pres­i­dente da República como o “capitão do time”, estava dada a senha a todos inte­grantes do gov­erno a quem dev­e­riam se diri­gir para “resolver» quais­quer assun­tos rela­ciona­dos às suas pas­tas e tam­bém os assun­tos extra-​pasta. Era ele, José Dirceu, o coman­dante do gov­erno, o homem que dava – nos assun­tos admin­is­tra­tivos, no trato com o Con­gresso Nacional e den­tro da instân­cia par­tidária –, a última palavra.

E ele fez isso: man­dou. Des­man­dou, deu chá-​de-​cadeira em quem quis nos seus dois anos e meio à frente da Chefia da Casa Civil, de onde foi afas­tado quando veio à tona os méto­dos uti­liza­dos para gov­ernar, naquele que ficou con­hecido com «Escân­dalo do Men­salão”, que o próprio nome sug­ere do que se tratava, mas que era ape­nas a ponta do ice­berg das out­ras fac­ul­taras que colo­cariam a nação em transe.

A engrenagem de mando mon­tada pela cúpula par­tidária era de sorte sofisti­cada – e aqui cabe esclare­cer que todos sabiam do se pas­sava no gov­erno, do pro­jeto de crim­i­noso em curso – que José Dirceu con­tin­uou man­dando e fazendo “negó­cios» nos dois lados do bal­cão gov­ernista, mesmo depois de apeado do posto de “capitão do time”. Tanto assim, que foi apan­hado nova­mente neste outro escân­dalo pelo qual cumpre pena. Man­dava tanto que, mesmo depois de con­de­nado e preso por decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, con­tin­uou a auferir van­ta­gens dos esque­mas crim­i­nosos que articulara.

Mais que isso, con­tin­u­ava com áurea de “pri­sioneiro político”, capaz de fazer os fil­i­a­dos do par­tido se prestarem, por das, vigília na frente do presí­dio da Papuda, quando lev­ado a cumprir a pena após anos de arti­man­has e que já fora reduzida numa troca de ministros.

O assim chamado “pri­sioneiro político”, ape­sar de con­tin­uar “operando» seus ten­tácu­los – e por eles recebendo, mesmo no período em que cumpria a pena – man­dava tanto no gov­erno e nas estru­turas par­tidárias que con­seguiu fazer com que os fil­i­a­dos do par­tido e/​ou sim­pa­ti­zantes, se coti­zassem para pagar as mul­tas que foram impostas e, assim gan­har a liber­dade, numa pro­gressão de pena.

O out­rora manda-​chuva do Brasil é, hoje, ape­nas um ancião, alque­brado pelo peso dos mais de setenta anos, que cumpre uma pena a qual não sobre­viverá – ape­nas numa ação penal já está con­de­nado a mais de vinte anos e out­ras con­de­nações virão, pas­sando dos setenta, é um triste fim –, já sem a mís­tica de líder estu­dan­til rev­olu­cionário, guer­ril­heiro e pri­sioneiro político durante a ditadura mil­i­tar, líder politico e capitão do time no primeiro gov­erno dos “tra­bal­hadores”, não ouve mais o brado dos mil­i­tantes par­tidários chamando-​o de “guer­reiro do povo brasileiro”.

Segundo comen­tam, parece que o próprio par­tido já não o ver com «bons olhos” de antes e dele quer dis­tân­cia. A ojer­iza não é pelos atos de cor­rupção que prati­cou nestes anos de poder – a cor­rupção, sin­ge­la­mente apel­i­dada de “malfeitos” não os escan­dal­izam, até têm apreço (desde que pela “causa”).

Não per­doam em José Dirceu, segundo dizem, é que, assim como tan­tos out­ros, não roubou ape­nas para e pela “causa”, tra­tou, ele próprio de enricar. Esse o pecado maior.

Assim, aquela ja foi o homem mais poderoso do Brasil, vive seu ocaso, no pior dos mun­dos, tendo agir como reles ban­dido a fazer con­tra­ban­dear para den­tro de sua cela – não se sabendo como – celu­lares, car­regadores, pendrive…

Um triste e humil­hante fim para quem já sim­boli­zou a esper­ança de dias mel­hores para o Brasil e que ao invés de trazer os dias mel­hores, trouxe tan­tos maus exem­p­los, cha­fur­dando na mesma lama que tan­tas as vezes acusara os eter­nos donos do poder no país de chafurdarem.

A des­graça pela qual passa José Dirceu não é algo que se deseje a ninguém, nem ao pior dos inimi­gos. Não é algo que nos dá prazer escr­ever, pois só nos des­perta pena e desalento e a certeza de que dias piores virão.

Abdon Mar­inho é advogado.

REI MORTO, REI POSTO, OU AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA.

Escrito por Abdon Mar­inho

REI MORTO, REI POSTO, OU AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA.

DOMINGO, 31 de julho, uma inusi­tada con­sciên­cia motiva-​me a escr­ever o pre­sente texto. A coin­cidên­cia foi encon­tro de dois tex­tos pub­li­ca­dos no fatídico dia. O primeiro n’O Estado do Maran­hão, traz o artigo de capa do ex-​presidente da República, José Sar­ney, que exerceu todo o mando no estado desde que elegeu-​se gov­er­nador em 65 até a vitória de de Flávio Dino, em 2014, eleito pelo Par­tido Comu­nista do Brasil – PC do B, cujo o número é 65 (uma coin­cidên­cia, mas como dizem, o Diabo é moleque), autor do texto pub­li­cado no Jor­nal Pequeno, no mesmo dia.

Os dois tex­tos e a coin­cidên­cia de haverem sido pub­li­ca­dos no mesmo dia, mere­cem um estudo muito mais apro­fun­dado – quem sabe um dia façamos –, por enquanto, fare­mos breves con­sid­er­ações. São tex­tos breves – talvez como a fugir da real­i­dade que ousam enfrentar.

O primeiro, do ex-​presidente José Sar­ney – que foi gov­er­nador do Maran­hão de 1965 a 1970 –, traz con­sid­er­ações sobre a igual­dade, per­cor­rendo os teóri­cos da humanidade para con­cluir com o título que nomeia o texto: A Desigual­dade Continua.

Antes, porém, não deixa de tecer loas ao seu período de gov­erno à frente dos des­ti­nos da nação (19851990) onde, assev­era, sem con­strag­i­men­tos, que as setas das desigual­dades se inverteram.

A assertiva do ex-​presidente é mere­ce­dora de pro­fundo estudo. Não me recordo de avanços sub­stan­ciosos no seu gov­erno capazes de trazer um mod­elo de desen­volvi­mento para as regiões norte e nordeste e que as colo­cassem, ao menos, em condições de igual­dade com as demais regiões. Aliás, se per­sis­tem as desigual­dades region­ais, como o próprio texto expõe, elas são fru­tos – em parte – da omis­são dos poderosos da República todos estes anos.

Ora, entre os poderosos da República, deste sem­pre, neste século, esteve o ex-​presidente, seja como gov­er­nador, seja como senador e pres­i­dente do Senado Fed­eral, por três leg­is­lat­uras, e, tam­bém, como man­datário maior do país, no período já referido. Se fez algo, como insiste em dizer, foi tão insignif­i­cante que não per­sis­tiu, não ren­deu nada. Pelo con­trário, quando lem­bramos do seu gov­erno nos vem à mente é a inflação estratos­férica, a cor­rupção desen­f­reada, o con­t­role estatal de preços, as filas intermináveis.

O maior exem­plo do quanto soa falso o queix­ume em relação as desigual­dades é o que fez – com o seu grupo – no Maranhão.

Tendo man­dado e des­man­dado durante quase meio século, o legado que deixou foi a maior desigual­dade e atraso que se tem notí­cia no país. Em quase todos os indi­cadores soci­ais o nosso estado se encon­tra na “rabeira» da fila, brig­ando pelo último ou penúl­timo lugar com esta­dos que, nem de longe, pos­suem as poten­cial­i­dades do Maranhão.

As des­graças do estado estão mate­ri­al­izadas no IDH, no IDEB e em tan­tos out­ros índices. Quando não é a edu­cação sofrível é a saúde que não sai da UTI – ainda hoje temos pacientes mor­rendo por falta de atendi­mento médico, devendo favor as autori­dades para con­seguir uma vaga nas unidades de saúde, ainda hoje temos mul­heres mor­rendo de parto, isso vem deste sem­pre, inclu­sive do meio século em que dom­i­naram a política –, a agri­cul­tura que era de sub­sistên­cia, prati­ca­mente deixou de exi­s­tir. Cheg­amos ao ponto de ouvir­mos, de mais de uma pes­soa, que se o gov­erno acabar com os pro­gra­mas como o “Bolsa Família” muitos cidadãos cor­rem o risco de mor­rerem de fome. Esta é a a igual­dade que aju­dou a construir?

Noutra quadra vimos, sobre­tudo, os poderosos do estado faz­erem for­tu­nas da noite para o dia, rece­berem propinas de tudo que foi obra pública, aqui, no Maran­hão, e no Brasil inteiro, tendo tais recur­sos, ile­gais, fruto da cor­rupção, irri­gado, inclu­sive, os fun­dos do próprio ex-​presidente, apon­tado pelo «dela­tor pre­ven­tivo” Sér­gio Machado, que assumiu, ele próprio, ter repas­sado recur­sos ao escriba dominical.

Não temos dúvi­das que as desigual­dades con­tin­uam. Elas con­tin­uam, sobre­tudo e prin­ci­pal­mente, dev­ido à classe política que temos, sem­pre pre­ocu­pada em servir-​se do Estado e não servir a ele e a sociedade que a elegeu.

Quem mel­hor sim­boliza a desigual­dade que não o Maran­hão? Quem mel­hor rep­re­senta este mod­elo per­verso, que não o ex-​presidente José Sarney?

E, jus­ta­mente sua mel­hor per­son­ifi­cação, tem a ousa­dia de queixar-​se da desigual­dade? O queix­ume parece mais um escárnio.

Já no segundo texto, como disse, pub­li­cado no mesmo dia, o atual gov­er­nador, Flávio Dino (PC do B) vende-​nos a ideia de eleições livres, onde, segundo ele, pela primeira vez, não assi­s­tire­mos a inter­fer­ên­cia do Palá­cio dos Leões no processo sucessório dos municí­pios. Diz que os eleitores olharão as mel­hores pro­postas e decidirão por si por quais­quer delas.

Será mesmo que viver­e­mos essa mar­avilha de eleições livres, sem a inter­fer­ên­cia do governo?

A resposta para essa per­gunta, temo, seja neg­a­tiva. Ainda que, como disse o gov­er­nador, não se use o poder estatal, seja através de con­vênios eleitor­eiros, seja pela inter­fer­ên­cia direta por out­ros meios escu­sos, ela cer­ta­mente exi­s­tirá. Ainda mais quando ele assume, for­mal e pes­soal­mente, o papel de «mil­i­tante das boas causas».

Exi­s­tirá no Maran­hão uma viva alma que acred­ite haver tan­tos comu­nistas no Maran­hão, a ponto de dis­putar eleições em dezenas de municí­pios, inclu­sive colé­gios eleitorais impor­tantes? Cer­ta­mente que não. Essa “onda ver­melha” que toma de conta do estado ocorre por influên­cia do Palá­cio dos Leões.

Vejo inúmeras pes­soas que nunca, jamais, ouvi­ram falar em comu­nismo, do dia para noite, virarem legí­ti­mos defen­sores do marx­ismo e do lenin­ismo – ainda que poucos saibam o que isso sig­nifique. Sou ten­tado a Imag­i­nar que um dia acor­daram e decidi­ram: – rapaz, será uma boa coisa virar comunista.

Pronto! Comu­nistas estão todos. Claro que não pro­fes­sam aquele comu­nismo defen­dido pelo par­tido ao qual se fil­iaram, que defendeu o régime albanês; os expur­gos assas­sínios de Stalin; que defende, com dire­ito a nota ofi­cial e tudo, a ditadura norte-​coreana; a ditadura cubana ou o régime boli­var­i­ano que que­brou a Venezuela.

Por estas pla­gas defen­dem o comu­nismo «à brasileira», onde não há pecado em serem ricos pro­pri­etários de ter­ras; que acu­mulem for­tu­nas com a atu­ação no mer­cado de cap­i­tais, inclu­sive, o para­lelo. Um comu­nismo, dig­amos assim, que tenha uma ver­dadeira ado­ração pelo din­heiro e os luxos que ele pode proporcionar.

Pois bem, emb­ora seja um «comu­nismo» com todas estas licenças, sabe­mos que o mila­gre da tran­sub­stan­ci­ação foi mesmo oper­ado pelo poder.

Não estivesse o par­tido no poder, duvido que tivésse­mos tan­tos «comu­nistas» no estado. Fosse o gov­er­nador um mero «mil­i­tante das boas causas» e não o gov­er­nador, duvido que tan­tos políti­cos estivessem bus­cando seu apoio, pedindo para tirar foto ou solic­i­tando sua pre­sença em con­venções ou para gravar vídeos de apoio. Conheço-​o há trinta anos como «mil­i­tante das boas causas» e nunca teve nada disso, muito pelo contrário.

Os neo­co­mu­nistas ingres­saram no par­tido do gov­er­nador, no par­tido que está no poder e é isso que ven­dem nas suas bases, que estarão em sin­to­nia com o poder estad­ual, as tais das «parce­rias», usam isso para ten­tar gan­har as eleições. Como o poder não inter­virá no pleito?

Emb­ora não se tenha a des­façatez de out­rora, é mera figura retórica dizer que os «Leões» estarão fora da disputa.

Ouso ir além, talvez os Leões este­jam na dis­puta muito mais que noutras opor­tu­nidades. Estas eleições reg­is­tram uma série de inter­venções sus­peitas em instân­cias par­tidárias munic­i­pais. No caso mais emblemático «tomaram» o par­tido do seu fun­dador em Bar­reir­in­has, para impedir o prefeito de dis­putar a reeleição e apoiar o can­didato comunista.

No episó­dio, foi denun­ci­ado à sociedade maran­hense a existên­cia de uma farsa do his­tori­ca­mente famoso «Tratado de Torde­sil­has» (acerto entre os reis de Espanha e Por­tu­gal que dividia o mundo, incluindo as ter­ras por se desco­brir, entre os dois reinos, assi­nado em 1494).

Na ver­são maran­hense a farsa do «tratado» seria a divisão do estado entre os par­tidos que dão sus­ten­tação ao atual gov­erno, num «acerto» entre suas lid­er­anças, pouco impor­tando sobre quem teriam que pas­sar, quan­tas lid­er­anças históri­cas teriam que aviltar.

Fiz­eram isso só em Bar­reir­in­has? Quan­tos municí­pios mais?

Resta claro que aproveitam a autono­mia par­tidária, asse­gu­rada na Carta Con­sti­tu­cional, para, com autori­tarismo, exercerem o poder abso­luto, o que con­traria o espírito da norma. Será esta a «novi­dade» para as eleições de 2016?

O prefeito de Bar­reir­in­has, irres­ig­nado com a afronta bus­cou, na undécima hora, a Justiça que des­fez a patranha. Out­ros terão a mesma sorte?

O que dizer, tam­bém, da enorme pressão sobre os veícu­los de comu­ni­cação, sobre­tudo na inter­net, que, quase diari­a­mente, são chama­dos à Justiça, não como intenção de reparar honra ou repor a ver­dade, mas, sim, como forma de calá-​los? Será, tam­bém, uma novi­dade, não ape­nas para as eleições, mas, para o século 21?

O ex-​presidente Sar­ney já foi o novo, veio para colo­car fim aos des­man­dos do Vitorin­ismo. Flávio Dino é o novo, aí está para por fim aos des­man­dos do Sarneysmo.

Ao que prin­cipia, parece-​nos, as duas faces de uma mesma moeda.

Abdon Mar­inho é advogado.